Nesta quinta, 29, o Rio2C foi palco do debate "Digital X 35mm: A Evolução da Captação da Imagem do Filme ao Pixel", que reuniu os diretores de fotografia Julia Equi, Cristiano Conceição e Mauro Pinheiro Júnior, com mediação do diretor Raphael Vieira. O encontro abordou as escolhas técnicas e estéticas entre os formatos, investigando o ressurgimento da película em um cenário dominado pela tecnologia digital, a partir de exemplos como o longa-metragem "Ainda estou aqui".
O painel contrapôs a velocidade do processo digital com o tempo de maturação exigido pela película. Mauro Pinheiro, que fotografou o filme "Cinema, aspirinas e urubus" em 35mm, relatou um período de três meses de testes para encontrar a imagem do filme, um processo que, segundo ele, contribuiu para a compreensão da obra. "A velocidade lenta do processo ajudava a gente no tempo humano da criação, na busca de ideias", afirmou.
Essa percepção foi compartilhada por Cristiano Conceição, que apontou uma consequência direta da evolução tecnológica. No cinema analógico, a duração de um rolo de filme, de 4 ou 11 minutos, impunha um ritmo. "Hoje nós temos cartões que conseguimos rodar por até uma hora", disse. "Com essa possibilidade de rodar mais tempo, nós também perdemos o tempo exato que todos os técnicos tinham dentro do set de filmagem. Nós deixamos de ensaiar". Julia Equi complementou: "A maior reclamação que eu ouço dos diretores é: 'Pô, a gente tem que ficar esperando meia hora, quarenta minutos, montar um plano para eu ter quatro minutos para dirigir os atores'".
A transição do analógico para o digital foi marcada pela desconfiança. Conceição admitiu ter recusado os primeiros convites para trabalhar com o novo formato. "Eu realmente não acreditei que isso fosse chegar a algum lugar, mesmo com o fim das nossas químicas do filme analógico", declarou. Julia Equi relembrou as dificuldades técnicas das primeiras câmeras digitais, como a RED, que exigiam adaptações no set para compensar a baixa latitude do sensor.
Os painelistas também recordaram os processos manuais da era da película, como o "checar o gate", um procedimento para verificar se havia sujeira na janela da câmera. "A cada final de plano válido, cena válida, tinha essa frase dita: 'Vamos checar o gate'", explicou Conceição, que comparou a antiga "minhoquinha" na projeção a um pixel queimado na imagem digital. Equi narrou sua experiência ao ter que carregar um chassi de filme pela primeira vez dentro de uma Kombi em movimento. "Depois que fui entender por quê. Se tivesse entrado luz, a gente invalidava o plano inteiro".
Diante da facilidade e do volume de material gerado pelo digital, Pinheiro levantou uma provocação sobre o uso contemporâneo da película. "Será que os filmes que são filmados em película hoje estão atrás só da textura, ou eles estão, de alguma maneira, arranjando um jeito de justificar um tempo de preparação maior?", questionou. Ele criticou o hábito de observar locações através da tela do celular, defendendo a importância de conversar sobre a história antes de buscar referências visuais para não se tornarem "reprodutores de imagens".
Cristiano Conceição destacou o fator humano como essencial, citando a preparação de elenco em "Ainda estou aqui" como um diferencial. "Eu escutei uma frase vinda do cinema pernambucano que fala que 'a humanidade é o prêmio'. E, de verdade, a humanidade é o prêmio. Quando você filma e estabelece respeito, acolhimento, um lugar de troca e de fala dentro de um set, isso fica impresso na película, fica impresso no sensor".
Ao final do debate, os profissionais concordaram que a ferramenta é um meio, e não um fim. Para eles, qualquer equipamento pode ser usado para contar uma história. Julia Equi encerrou a apresentação exibindo duas fotografias, uma analógica e outra digital, e desafiando a plateia a diferenciá-las. "É muito difícil você dizer se uma foto foi feita com negativo ou com uma câmera digital", comentou, ressaltando a hibridização dos processos, já que o negativo é escaneado e tratado digitalmente, e o material digital, por sua vez, é frequentemente arquivado em fitas magnéticas LTO, um meio analógico. "No final, é amor pela fotografia", concluiu.