True crime na América Latina: um mercado com espaços estratégicos ainda em aberto

O true crime se consolidou como um dos gêneros mais resilientes e relevantes da era do streaming. Na América Latina, seu apelo atravessa fronteiras culturais e geracionais, revelando um público cativo por histórias que exploram os aspectos mais sombrios da natureza humana. No entanto, por trás desse sucesso, há um paradoxo: a demanda permanece estável e consistente, enquanto a oferta ainda não reflete plenamente as preferências e especificidades regionais.

Ivan Perfil
* Ivan Vitório é gerente sênior de insights da Parrot Analytics

Oferta x Demanda: Um Desequilíbrio de Perfil, Não de Volume

Dados da Parrot Analytics revelam um descompasso claro. Apesar do forte apetite por histórias de crimes reais contadas com alto valor de produção — especialmente as dramatizadas —, a maior parte do conteúdo disponível na região segue concentrada em formatos não roteirizados, muitas vezes importados.

Aqui, vale um esclarecimento importante: ao falarmos em true crime roteirizado, estamos nos referindo a séries scripted baseadas em eventos reais ou figuras históricas do universo criminal — como "Monster: The Jeffrey Dahmer Story" ou "American Crime Story. Ou seja, produções ficcionais que reconstroem casos verídicos com elenco, roteiro e linguagem dramática. Embora o gênero true crime seja tradicionalmente associado a documentários e docuseries (formatos unscripted), há uma demanda crescente também por essa vertente dramatizada.

O desequilíbrio, portanto, não está tanto no volume total de conteúdo, mas na tipologia oferecida. E entender essa nuance é essencial — especialmente em um cenário pós-Peak TV, no qual as plataformas operam com foco em rentabilidade e retorno sobre investimento.

Gerações e Formatos: Diferenças de Consumo

O true crime é um gênero intergeracional, mas o consumo não é homogêneo. Millennials e Geração X+ concentram a maior parte da audiência, enquanto a Geração Z aparece com peso menor — ainda que traga um ponto de atenção: entre os mais jovens, há uma leve preferência por formatos roteirizados, que combinam narrativa cinematográfica com profundidade psicológica.

Já as gerações mais maduras seguem levemente inclinadas para os documentários e docuseries, valorizando o storytelling factual e a credibilidade das evidências reais. Ainda assim, títulos bem executados têm potencial para atravessar faixas etárias e gerar engajamento amplo.

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Domínio Americano, Mas Espaço para os Locais

Mesmo assim, produções locais têm demonstrado força em seus mercados de origem. Casos como "42 Dias de Escuridão" (Netflix Chile) e "Pacto Brutal (HBO Max Brasil) mostram que títulos latino-americanos podem, inclusive, superar conteúdos norte-americanos em engajamento doméstico.

O desafio está na expansão internacional: apesar do sucesso local, esses títulos ainda apresentam impacto limitado fora de seus países de origem. Encontrar o equilíbrio entre especificidade cultural e temas universais é o ponto-chave para romper essa barreira. 

Roteirizado x Não-Roteirizado: Funções Diferentes, Não Concorrentes

A diferença entre formatos é clara, mas complementar. Séries roteirizadas — embora representem apenas 19% da oferta — geram de 3 a 5 vezes mais demanda média por título. São altamente eficientes em gerar maior demanda, com menos volume.

Já os títulos unscripted dominam em escala, superando 80% da oferta. Embora gerem menos demanda individualmente, seu volume sustenta o alcance total do gênero. Cada formato, portanto, cumpre um papel distinto: o roteirizado gera impacto concentrado; o não-roteirizado, capilaridade.

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Três Direções Estratégicas para Criadores

O mercado latino-americano de true crime está cheio de oportunidades para quem entende suas nuances. Três caminhos se destacam:

  1. Relevância Local Primeiro
    Produções locais performam melhor em seus próprios mercados. O sucesso internacional pode vir depois, mas a conexão doméstica continua sendo o ponto de partida mais sólido.
  2. Escolha de Formato Alinhada ao Objetivo
    Séries roteirizadas funcionam bem para histórias profundas, personagens marcantes e casos de grande repercussão. Conteúdo factual, por sua vez, é mais eficaz em estratégias de custo/benefício e retenção de público.
  3. Aproveitar a Expansão do Ecossistema
    O investimento em conteúdo latino-americano segue em alta — não só nos streamers tradicionais (SVOD), mas também em modelos AVOD e FAST, onde o true crime factual tem espaço para escalar.

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