O Setor Audiovisual, a Política Cultural e a Ausência de Regulação do VOD no Brasil

(Foto: Pixabay)

O setor audiovisual brasileiro, vital para a promoção da cultura e da identidade nacional, enfrenta um momento de incertezas e insatisfação. A falta de diretrizes claras por parte do Ministério da Cultura tem prejudicado o desenvolvimento de uma política inclusiva que atenda aos diferentes nichos do cinema — o industrial, voltado ao mercado, e o cultural, direcionado a públicos específicos e festivais. Além disso, a ausência de regulação do Vídeo sob Demanda (Video on Demand, ou VOD) agrava ainda mais os desafios enfrentados, evidenciando como a cultura no Brasil não tem recebido a devida importância no planejamento estratégico do governo.

O cinema brasileiro é marcado por dois principais eixos de produção:
Cinema Industrial – Focado na criação de obras comerciais que possam competir em mercados amplos, tanto nacional quanto internacionalmente. Esse segmento busca audiência massiva e altos retornos financeiros.
Cinema Cultural – Voltado para públicos específicos, festivais e circuitos alternativos, tem como objetivo principal a expressão artística e a preservação da diversidade cultural.

Além disso, em um contexto de crescente consumo digital, o VOD se tornou um canal indispensável para a distribuição de produções audiovisuais. Filmes como Ainda Estou Aqui, que conquistou reconhecimento internacional, mostram como plataformas digitais podem projetar o cinema nacional para o mundo. No entanto, a ausência de uma regulamentação específica para o VOD no Brasil tem prejudicado o alcance e a competitividade do audiovisual nacional no cenário global.

Sem regras que protejam e incentivem as produções nacionais no ambiente digital, o mercado audiovisual brasileiro enfrenta dificuldades para competir com conteúdos estrangeiros amplamente distribuídos nas plataformas. Isso impede que a indústria atinja seu pleno potencial e se estabeleça como produtora de conteúdo relevante no mercado internacional.

Além disso, a falta de regulação reduz as oportunidades de financiamento para os pequenos produtores, que dependem de visibilidade nas plataformas para conquistar novos públicos e mercados. Enquanto outros países utilizam o VOD como alavanca para o desenvolvimento do setor, o Brasil permanece paralisado, desperdiçando um meio crucial para atingir as metas de internacionalização do setor.

A raiz do problema está na forma como a cultura é historicamente tratada no Brasil. Muitas vezes relegada a um papel secundário nas prioridades políticas, a cultura não é vista como um setor estratégico para o desenvolvimento econômico e social. Essa visão limitada impacta diretamente a elaboração de políticas públicas para o audiovisual, que acabam sendo fragmentadas, desatualizadas e ineficazes.

O cinema brasileiro tem demonstrado seu potencial em obras reconhecidas internacionalmente, como Cidade de Deus, Tropa de Elite e, mais recentemente, Ainda Estou Aqui. Este último, um exemplo de como a sensibilidade cultural aliada à estratégia de distribuição internacional pode projetar o Brasil no mercado global, reforça a urgência de uma política pública que compreenda o audiovisual como um setor estratégico, não apenas como uma expressão artística.

O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) foi originalmente concebido para financiar e fomentar a indústria do audiovisual, com foco em projetos que tivessem viabilidade comercial e potencial de retorno financeiro. Os recursos destinados a esses projetos são, em sua maioria, reembolsáveis, ou seja, espera-se que parte das receitas geradas pela obra seja devolvida ao fundo, criando um ciclo de reinvestimento na indústria.

No entanto, para atender também ao segmento de cinema cultural, é fundamental que parte dos recursos do FSA seja transformada em não reembolsáveis, permitindo o financiamento de obras voltadas à experimentação artística, à preservação da diversidade cultural e à participação em festivais. Essa distinção é essencial, já que o cinema cultural não opera sob a mesma lógica comercial do cinema industrial e, muitas vezes, não gera retorno financeiro imediato, mas possui um papel estratégico na construção da identidade cultural e no reconhecimento internacional da produção brasileira.

É necessário um equilíbrio na gestão dos recursos do FSA: enquanto os projetos industriais podem continuar sendo financiados com recursos reembolsáveis, o cinema cultural deve contar com subsídios diretos e não reembolsáveis para garantir sua sustentabilidade e alcance. Essa divisão é fundamental para que o Brasil aproveite plenamente o potencial dos dois nichos do audiovisual e alcance suas metas de internacionalização e fortalecimento cultural.

Para superar os desafios atuais e promover o crescimento do audiovisual brasileiro, é necessário adotar uma abordagem integrada que contemple as especificidades de cada nicho e reconheça o papel estratégico do VOD. Entre as ações propostas estão:

  1. 1) Regulamentação do VOD – Criar uma legislação que obrigue plataformas de streaming a incluírem uma porcentagem mínima de produções nacionais em seus catálogos e a reinvestirem no desenvolvimento do audiovisual brasileiro. Essas medidas não apenas ampliariam o espaço para produções locais, mas também fortaleceriam a posição do Brasil no mercado global.
  2. 2) Incentivo à Internacionalização – Desenvolver programas que apoiem a participação de filmes brasileiros em plataformas globais e eventos internacionais. Isso inclui parcerias com distribuidores e iniciativas para promover filmes como Ainda Estou Aqui, que refletem a riqueza e a diversidade cultural do Brasil.
  3. 3) Reestruturação do FSA – Garantir que os recursos sejam distribuídos respeitando as potencialidades/necessidades/vocação de cada segmento (cinema industrial e cultural), simplificando os processos de acesso ao financiamento, por meio de recursos não reembolsáveis que possam atender não somente a produção cultural mas a preservação, formação e difusão
  4. 4) Fortalecimento da Cultura Local – Criar incentivos para a produção audiovisual nos polos regionais, descentralizando os recursos e promovendo a diversidade de narrativas.
  5. 5) Campanhas de Valorização da Cultura – Sensibilizar a sociedade e os governantes para a importância do audiovisual como um setor estratégico para a economia e para a promoção da identidade cultural do Brasil.
  6. 6) Criação de Espaços de Diálogo – Estabelecer canais permanentes de diálogo entre o governo, produtores, distribuidores e representantes de plataformas de streaming, para ajustar políticas públicas às necessidades do setor.

O setor audiovisual brasileiro possui um imenso potencial, mas enfrenta desafios estruturais que limitam seu desenvolvimento. A falta de regulação do VOD e a ausência de políticas claras por parte do Governo refletem uma visão limitada sobre o papel estratégico da cultura no país. Para alcançar as metas de inclusão no mercado internacional e fortalecer a identidade nacional, é indispensável que o governo adote medidas urgentes que reconheçam o audiovisual como uma prioridade. Somente assim será possível transformar o Brasil em um protagonista no cenário global, promovendo não apenas obras que emocionem e impactem o público, mas também uma indústria audiovisual sólida e competitiva.

*Vera Zaverucha é consultora de Legislação Audiovisual e ex-diretora da Ancine.

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