Nesta segunda-feira, dia 7 de agosto, as práticas e as tendências do mercado de criação de conteúdo online foram tema de painel no SET Expo 2023, evento que acontece no Expo Center Norte, em São Paulo, ao longo dessa semana. Com mediação da produtora executiva Fernanda Siqueira, o debate girou em torno da indústria da economia criativa e o panorama atual desse mercado.
A creator economy é, por definição do Youpix, um ecossistema que possibilita que os creators criem e distribuam seus conteúdos, ganhem dinheiro e se transformem em marcas fortes e empresas rentáveis. É uma indústria que envolve, de modo geral, não só os criadores, mas também as plataformas digitais, as marcas, a audiência, as agências e as plataformas fornecedoras de serviços. De acordo com uma análise da Factworks for Meta – via Youpix trend report, existem aproximadamente 20 milhões de creators no Brasil. E, segundo o Linktree, 200 milhões de pessoas ao redor do mundo se autodeclaram criadoras de conteúdo – entram aí criadores de textos, vídeos, fotos, lives e cursos, entre outros.
Em 2022, 34,7 bilhões de dólares foram investidos na América Latina em publicidade digital. Desse valor, 34% foi no mercado brasileiro. E a maior parte dos criadores ainda tem sua grande fonte de renda vinda de parcerias com marcas – no Brasil, 50,8% se encaixa nesse modelo.
Investimento das marcas: segundo semestre é promissor
É unânime entre os executivos participantes do painel que os investimentos das marcas nos criadores de conteúdo cresceu absurdamente no começo da pandemia e seguiu nesse movimento positivo ao longo de 2020 e 2021, mas desacelerou em 2022 e ainda mais em 2023. “Se não fosse a pandemia, talvez nunca tivéssemos chegado onde chegamos. Foi ali que o mundo entendeu o que era uma live, por exemplo. O começo deste ano foi atípico, mas sinto que agora tudo o que não rolou nos últimos meses vai começar a virar. O mercado publicitário demorou, mas agora está muito aquecido, principalmente em cima de resultado, conversão mesmo”, analisou Rafa Dias, CEO do Dia Estúdio.
O Dia Estúdio começou em 2013, produzindo canais para o YouTube, e desde abril de 2023 está no ar com a Dia TV, que é um canal de TV dentro do YouTube com conteúdo 24 horas por dia, sete dias por semana, incluindo transmissões ao vivo. A empreitada tem sido bem sucedida: a média de usuários únicos por dia está em torno de 235 mil pessoas e o canal já registrou um pico de 55 mil espectadores simultâneos.
Já Manuela Villela, Head Creator Ecosystem do YouTube Brasil, contextualizou que é necessário dividir o cenário econômico do criador em duas partes: existem os grandes criadores, já estabelecidos como marca, que conseguem ter um respiro maior em momentos de crise porque normalmente possuem contratos de longo prazo com as marcas, e os criadores menores, que representam a grande maioria, que vivem o “mês a mês”, isto é, trabalham com contratos menores e pontuais. “As marcas não estavam investindo imediatamente no começo do ano – principalmente em branding, talvez um pouco mais na conversão direta. Isso impactou especialmente essa segunda camada de criadores. A partir de maio, começamos a ver as coisas mudarem. O panorama hoje é bem melhor. O último trimestre do ano, que já é tipicamente melhor por conta de Black Friday, Natal e férias, deve ser bastante positivo”, adiantou.
Métricas em transformação
Nesse sentido, é importante falar sobre métricas. Se antes o ambiente digital considerava essencialmente visualizações e likes, hoje outros pontos são levados em conta, como o watchtime, que é tempo em que o público passa consumindo aquele conteúdo. “Para gente que está produzindo, esse é atualmente o principal dado. Porque se o conteúdo não é interessante, a pessoa não vai ficar. E mesmo que seja interessante, ela não necessariamente dará um like. Às vezes ela não tem esse hábito ou não gosta porque acha que isso vai impactar no algoritmo. O número de visualizações e os likes são importantes, mas a relevância do conteúdo é mais. Estamos caminhando para esse mix”, apontou Rafa Dias.
Erika Dias, Head of Creators Ecosystem and Partners do Kwai,app de vídeos curtos que hoje soma 50 milhões de usuários ativos mensais, revelou que a média de minutos diários que o público passa na plataforma é de 65. E, para eles, outra métrica importante é o compartilhamento. “Nosso conteúdo muitas vezes viraliza em outros ambientes, como o WhatsApp”, contou. As lives também funcionam muito. Nas últimas eleições, dentro de um cenário em que as plataformas precisavam se posicionar contra a disseminação de fake news, o Kwai firmou uma parceria com a CNN Brasil, que ofereceu sinal aberto dentro do app. No segundo turno, a parceria registrou 190 mil pessoas simultâneas – uma receptividade que surpreendeu positivamente.
Manuela, do YouTube, acrescentou que, para uma empresa que é multi-formatos, multi-dispositivos e multi-conteúdos, ainda é momento de aprender quais métricas são válidas para VOD, live e vídeos curtos (os chamados “shorts” dentro da plataforma). “Desde o início, a principal métrica de avaliação da qualidade do conteúdo era o watchtime, isto é, a retenção. Quando vamos para o vídeo curto, o watchtime não é mais uma métrica relevante. Queremos saber quem é a pessoa que está assistindo e qual é o segundo – e não mais a minutagem – que fez ela escolher favoritar ou compartilhar aquele conteúdo. Estamos aprendendo, junto do crescimento dos ‘shorts’, a fazer essa leitura nova”, assumiu. “Em lives, olhamos para quantas pessoas estão assistindo simultaneamente – e buscamos recordes. Precisamos mudar nossas métricas e esse olhar para o tipo de conteúdo sempre”, completou.
Vídeos curtos x longos
Para Rafa Dias, vem ficando claro para a audiência em qual momento do dia ela quer ver cada tipo de conteúdo: na rua, vídeos mais curtos; em casa, vídeos mais longos; por exemplo. “No entanto, eu ainda acredito, e vejo pela nossa dinâmica dentro da Dia, que o consumo de vídeos curtos ainda está mais concentrado entre o público jovem. Vem crescendo, mas a massa é jovem”, pontuou.
Do ponto de vista de uma plataforma que surgiu apostando nesse formato, Erika destacou que, para eles, qualquer vídeo com duração abaixo de um minuto é considerado um vídeo curto. E, dado que a audiência do Kwai é em maioria formada por pessoas acima dos 25 anos (70%), ela não considera que a audiência desse tipo de conteúdo seja necessariamente composta em maioria pelo público mais novo.
Já o YouTube tem visto uma onda de criadores de conteúdo que produziam vídeos mais longos buscando uma adaptação e um entendimento de onde a conversa com as suas audiências se daria nesse boom dos vídeos curtos. O Porta dos Fundos, por exemplo, tem publicado vídeos icônicos antigos do grupo com cortes das partes mais engraçadas – esses “shorts” viralizaram novamente. “Ou seja, eles aproveitaram o formato para trazerem de volta esses conteúdos, que não ficaram datados, e conquistaram um público mais jovem para o conteúdo do canal, e que não necessariamente assistiam esquetes de humor de dois minutos e meio, o formato clássico deles. Por outro lado, criadores que surgiram fazendo vídeos curtos têm apostado em compilados, de nove, dez minutos, também aproveitando conteúdos já feitos. É o oposto do Porta. Concluímos que é o momento de se adequarem para os dois lados”, observou Manuela.
A relevância das lives nas plataformas de vídeo
A Dia TV está no ar há cerca de três meses e, nesse período, já constatou que os conteúdos transmitidos ao vivo performam bem melhor do que os gravados – entre as razões, está a interação em tempo real. Pelo chat, o público manda seus comentários, e sabe que alguém no estúdio pode ler, ali na hora mesmo. “Além disso, as pessoas não querem estar de fora da piada que vai rodar no dia seguinte ou do meme que irá surgir, por isso querem assistir na hora que aquele conteúdo irá ao ar. Estamos mudando nossa grade para fazermos mais horas ao vivo por dia”, adiantou Rafa. O executivo destacou ainda que, após as transmissões ao vivo, o canal exibe na sequência conteúdos antigos daquele mesmo programa e conseguem manter uma audiência alta, mesmo com conteúdos de dois, três meses atrás. “É o mesmo comportamento de assistir TV”, comparou.
O YouTube, por sua vez, bateu recordes com as lives musicais no Brasil durante o período da pandemia – e, segundo a executiva, conseguiu manter o “hype” depois, principalmente com conteúdos de esporte. No último jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo Feminina, por exemplo, foram quase dois milhões de espectadores acompanhando a partida pelo YouTube simultaneamente – mesmo o jogo acontecendo de manhã bem cedo. As lives seguem relevante ainda na vertical de games, onde o formato já era bastante utilizado, principalmente para grandes campeonatos. Nesse sentido, vale ressaltar que o YouTube registra 25 milhões de pessoas acessando conteúdos de jogos na plataforma todos os meses.
Já o Kwai tem um feed específico de lives que aparece para o usuário assim que ele abre o aplicativo – ali, estão lives de “pessoas comuns”, e não necessariamente de “criadores nativos”, e estas representam a maioria das transmissões ao vivo feitas na plataforma. Há um segundo nicho, que é a live commerce, isto é, aquelas lives feitas para venda de produtos, cujo lançamento no Kwai ainda não foi oficializado, e um terceiro, a live com parceiros, que são conteúdos escolhidos de acordo com a estratégia da empresa – como o acordo com a CNN Brasil, por exemplo. “Os três nichos são relevantes para o Kwai”, definiu Erika.