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Paralisia na Ancine ameaça cotas de conteúdo nacional; agência prepara “via expressa”

Traffic lights over sky after sunset

(Alterada em 11/10, 8:00) Existe um risco real de que as cotas de programação nacionais não possam ser cumpridas pelos programadores em 2020, por conta da paralisação ou lentidão da análise de processos internos da Ancine, sobretudo em 2019. O alerta já vinha sendo dado há alguns meses pelos canais de TV paga e pelas entidades que representam o setor por meio de ofícios e reuniões, mas com a proximidade do final do ano e a necessidade de definições sobre investimentos e grade de 2020, somada às incertezas sobre a capacidade operacional da Ancine, o sinal amarelo acendeu em todo o mercado.

Diversos programadores relataram a este noticiário esta preocupação e alguns estudam inclusive a possibilidade de ir à Justiça para não serem penalizados caso não consigam cumprir as obrigações legais previstas na Lei 12.485/2011, que regula o mercado de TV paga e exige cotas e programação nacional em determinados canais. A Ancine deve publicar ainda esta semana uma portaria criando uma espécie de “via expressa” para a análise de processo de coprodução cujo atraso geraria maior impacto econômico, na expectativa que os recursos dos mecanismos de fomento possam ser liberados a tempo.

“Estamos preocupados, frente à falta de movimentação de aprovação de projetos, como vamos cumprir as cotas”, diz Fernando Medin, presidente e diretor geral da Discovery Latin America – US Hispanic. “Ou melhor, até podemos cumprir a cota, mas não queremos ficar repetindo conteúdos para cumprir. Temos uma certa preocupação. Para ano que vem podemos ter uma dificuldade de cumprir cota em certo tipo de programação. O fluxo não está andando. Havia uma fórmula, e agora temos uma trava”, explicou o executivo a este noticiário em entrevista que será publicada na sexta, 11. Segundo programadores ouvidos por este noticiário, até há conteúdos disponíveis para serem adquiridos, mas haveria dois problemas. Parte deste conteúdo não é inédito e por serem conteúdos prontos eles não necessariamente se encaixam bem no perfil dos canais.

O principal problema da Discovery, que se repete em praticamente todos os programadores internacionais, é o uso dos recursos do Artigo 39 da MP 2.228/2001 (lei que criou a Ancine). Por este mecanismo, as programadoras internacionais deixam de recolher a Condecine caso apliquem 3% do que remetem ao exterior em coproduções. Estes recursos ficam depositados em uma conta controlada pela Ancine, que libera os recursos quando os projetos de coproduções são aprovados pela agência. O problema é que existe um prazo para execução destes projetos, de 270 dias. Vencido este prazo, os recursos vão para o FSA e não retornam para a conta de aplicação. Ou seja, o dinheiro deixa de ser livremente decidido pelo canal, passam a ser decididos dentro dos critérios do Conselho Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual e o canal, se quiser manter a co-produção escolhida, precisa colocar mais recursos próprios.

Historicamente, a liberação destes recursos via Artigo 39 se dava sem maiores entraves, pois a legislação dá ao programador a liberdade de escolher os projetos, e com este conteúdo as cotas de conteúdo nacionais impostas aos canais estrangeiros eram cumpridas. Estas produções eram definidas em geral em função da linha editorial dos canais, potencial de audiência, e atratividade comercial, mas sempre por uma lógica de mercado, a ponto de as cotas de conteúdos nacional terem sido largamente superadas ao longo dos últimos anos, superando 18% do conteúdo exibido na TV paga nos canais de espaço qualificado (aqueles sujeitos às cotas). Após as críticas que o Tribunal de Contas da União fez aos processos de análise complementar da Ancine (neste caso específico, ao fato de os projetos serem liberados diretamente pela área técnica da agência), os processos ficaram praticamente parados. Hoje são mais de 4 mil análises de liberação de projetos pendentes na agência, entre todos os mecanismos.

A Turner tem uma situação parecida com a Discovery. Segundo Silvia Elias (Fu), diretora sênior de conteúdo local da Turner, há projetos parados na agência. Em alguns casos, a programadora resolveu colocar recursos próprios para manter as produções previstas. “É uma pena, principalmente, para as pequenas produtoras, ou aquelas sem muita experiência em produzir para televisão. Tem alguns projetos que gostaríamos de fazer, mas sem dinheiro incentivado fica mais difícil.”

A quarta temporada da série “Mapa do Pop”, explica a executiva, teve 70% do orçamento vetado, porque seria dinheiro gasto com viagem. Se trata de uma série de baixo orçamento (cerca de R$ 60 mil por episódio) que trata de viagens. Como cada episódio é gravado em uma localidade, a viagem é mesmo o maior custo.

A preocupação atinge também os canais brasileiros independentes, que dependem em grande parte de produções independentes, muitas delas fomentadas pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Nesse caso, não pelo artigo 39, mas pelos recursos do fundo. Segundo Julio Worcman, diretor geral do canal Curta!, o modelo do canal é de pré-licenciamento para projetos financiados pelo FSA, cujas análises também estão paradas. “Desde o início do funcionamento efetivo do FSA em produção para TV, em meados de 2015, já viabilizamos a produção de 120 longas documentais e 800 episódios de 60 séries. Desses, esperamos receber e estrear ainda 40%. Desde 2018, no entanto, os editais de fluxo contínuo foram suspensos e quase nada de novo foi contratado, além do direcionamento de créditos de suporte automático a poucos projetos”, explica. “Vamos certamente ver um hiato importante em estreias de novas produções nacionais a partir do início de 2021, após estrearmos o saldo de projetos ainda em produção, em 2020”.

Worcman informa que até agora não há informações sobre os resultados da modalidade B do Edital de Fluxo Continuo para produções de TV de 2018, cujas inscrições foram concluídas ao final daquele ano. “Neste edital poderemos ter até R$ 10,6 milhões, se saírem os 18 projetos que pré-contratamos, sendo mais de 40% dos orçamentos propostos por produtoras de fora do eixo Rio-SP”. Há ainda o receio de projetos apresentados por muitas afiliadas regionais de redes de TV aberta, que não têm obrigação de cotas, acabem drenando recursos anteriormente destinados à demanda de projetos para primeira janela comercial na TV paga. Seria, segundo Worcman, um duro golpe no ecossistema criado pela legislação do SeAC.

Além disso, diz Worcman, pela chamada “porta A” do Edital do Fluxo Contínuo 2018, o Curta! contratou 30 projetos (mais de 40% de fora do eixo) “mas só saíram 14 projetos”, em muitos casos porque o critério foi unicamente por ordem de inscrição pela Internet e muitas pequenas e médias produtoras não conseguiram mobilizar recursos para inscreverem seus projetos “apressadamente”.

Via rápida

Segundo apurou este noticiário, a Ancine deve publicar uma portaria de seu presidente-interino, Alex Braga, a ser referendada quando a diretoria colegiada estiver recomposta, para permitir uma via expressa na análise dos projetos. O critério será o de impacto econômico. Projetos que tenham risco de perda de recursos por esgotamento de prazo (como é o caso dos projetos do Artigo 39) ou que estejam contratados para cumprimento de cotas teriam prioridade. Projetos com mais de 80% de recursos já captados, também teriam um tratamento prioritário. A expectativa é que estes casos emergenciais possam ser atendidos ainda este ano, a tempo de ficarem prontos para entrarem na programação de 2020. O prazo usual de execução de um projeto de produto audiovisual, após o desembolso dos recursos, é de 24 meses, de acordo com programadores ouvidos por este noticiário. (Colaborou Fernando Lauterjung)

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