Nesta terça-feira, 26 de novembro, lideranças femininas do audiovisual se reuniram em Brasília durante as atividades do Ambiente de Mercado do 52º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro para discutir o futuro do setor, especialmente no que diz respeito ao espaço dado às mulheres na área.
Débora Ivanov, ex-diretora da Ancine e idealizadora do Fórum Nacional de Lideranças Femininas do Audiovisual, lançado oficialmente na última edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, apresentou alguns dados do setor em relação à presença feminina. Em 2018, das 2636 obras audiovisuais produzidas no Brasil, somente 20% tinha mulheres como diretoras e 25% contou com mulheres roteiristas. “Essas duas áreas são os alvos-chave do nosso movimento, porque é a partir daí que se constroem as narrativas que desenvolvem o imaginário da nossa sociedade”, explicou Ivanov. O estudo exposto ainda comprovou que em obras que demandam orçamentos menores a participação feminina é maior. Enquanto 19% da direção de longas-metragens foi assinada por mulheres no último ano, o número é de 33% em relação aos curtas.
A preocupação apontada por Débora sobre a falta de mulheres nas áreas de roteiro e direção é compartilhada por Jorane Castro, produtora e representante do CONNE. “Vivemos em um país tradicionalmente machista e patriarcal, por isso precisamos pensar nessa sociedade como um todo antes de avaliar o que acontece dentro do setor audiovisual”, declarou. “As mulheres são potentes criadoras de narrativas, mas o que predomina nos filmes mais vistos nos cinemas ainda são as narrativas ditadas por comportamentos masculinos, em tramas maniqueístas e violentas. Mais elementos femininos nos cinemas poderiam trazer mudanças na visão da sociedade. Nós, que trabalhamos com isso, temos que ir sempre contra essa onda”, reforçou.
Rita Andrade, do Fórum Distrital das Mulheres do Audiovisual do DF, ressaltou que a discussão não é só sobre lideranças femininas, e sim sobre mulheres negras, indígenas e das demais raças e etnias que compõem a diversidade da sociedade brasileira. “Só podemos garantir essa diversidade do setor se cobrarmos a manutenção dos incentivos públicos. Nós só avançamos nesse sentido porque tivemos esse investimento”, afirmou. “É necessário investir em um mercado audiovisual que trate de diversidade e pluralidade e veja na mulher o potencial de produção que de fato ela tem. E que conte nossas histórias, de todas nós. Infelizmente, diante do desmonte que estamos vivendo no setor, não sei como faremos isso”, acrescentou.
Representando a Elo Company, Gabriela Souza apresentou as iniciativas da distribuidora diretamente ligadas com questões de diversidade. O Selo Elas, por exemplo, foi desenvolvido a partir da primeira pesquisa da Ancine sobre a participação feminina no audiovisual, realizada em 2016, ainda durante a gestão de Débora Ivanov, que revelou que, na época, nenhuma mulher chegava aos cargos de liderança nas produções de filmes. A proposta do projeto é prestar consultoria para obras distribuídas pela Elo que são dirigidas por mulheres. “Oferecemos consultorias artísticas, executivas e jurídicas com profissionais atuantes do mercado para que as obras tenham potencial de competição, tendo em vista deixá-las mais comerciais”, detalha Souza. “Como mulheres não tiveram tanto tempo de experiência e espaço para executar essa veia em seus trabalhos, o Selo veio para deixar essas obras em equilíbrio com as demais ao chegarem no mercado exibidor”, completa.
A gerente de projetos da Elo falou ainda sobre o recém-criado Selo Black, que parte da mesma provocação: “A iniciativa traz uma visão mais executiva para o realizador negro, que também conta com consultorias, mas o foco é dar visibilidade a esses profissionais. Para isso, investimos em ações formativas para quem está começando e trabalhamos para sensibilizar os agentes contratantes para que eles estejam atentos a isso, perguntando-se sempre quem são os negros de sua equipe e quais cargos eles ocupam”. Souza acrescenta: “A diversidade nas equipes também se imprime na tela, e projetos diversos têm apelo de público muito maior. A sociedade, que é marcada por essa diversidade, quer se ver nas telas. Ou seja, também é uma questão comercialmente vantajosa”.
Ylla Gomes, da API (Associação de Produtoras Independentes), comentou ainda que, para além das participações nas produções, as mulheres também precisam estar presentes no dia a dia do mercado, e fez uma crítica a uma mesa do próprio Ambiente de Mercado do Festival de Brasília realizada na última segunda, 25, que reuniu uma maioria de homens para debater a regulação do streaming e as mudanças na Lei da TV paga.
Para concluir, Débora Ivanov relembrou o processo de criação do Fórum das Lideranças Femininas e apresentou os próximos passos da organização. “Nos últimos anos, vimos as mulheres reivindicando esse espaço, e se unindo via grupos do Facebook, promovendo festivais dedicados às produções femininas, organizando-se em coletivos… Mas nos faltava um ambiente de ação estruturado e voltado para essas lideranças femininas, para que as mulheres tivessem condições de impactar ainda mais as pautas em qualquer que seja sua zona de influência”, justificou. “Na primeira reunião oficial, realizada durante a Mostra de São Paulo, definimos nossas prioridades de ação para 2020. Um dos nossos principais focos será a capacitação de lideranças femininas de forma ampla, passando por termos de relações governamentais, para um aprimoramento nessa interlocução com os órgãos, e de estudos de neurociência, para trabalhar postura, linguagem e evitar que caiam em ciladas de comportamento social. São ações para aprimorar essas lideranças como um todo”, definiu Ivanov. “É uma pauta que vai acirrar. Precisamos estar atentas para avançar e não recuar”, finalizou.