Com a banda larga, o problema da pirataria na TV por assinatura evoluiu na infraestrutura, enquanto na ponta nunca foi tão barato e simples ter ou dar acesso ao conteúdo de forma ilegal. Este cenário apontado por especialistas do setor durante painel na SET Expo 2019 nesta terça-feira, 27, implicaria em um prejuízo de R$ 8,75 bilhões ao mercado, com 2 mil postos de emprego que deixam de ser criados anualmente e em um universo no qual 4,2 milhões de lares deixam de assinar a TV paga. Dessa forma, o setor procura alternativas para o contra-ataque: entre as sugestões estão não apenas o uso de tecnologia, como até o de rever o conceito de neutralidade de rede irrestrita, de modo a filtrar especificamente o tráfego de conteúdos ilegais.
O CEO da consultoria especializada LTAHUB, Ygor Valerio, diz que é necessária uma “evolução na compreensão do tema de neutralidade de rede”. Ele vai direto ao ponto: “Países que colocaram o dispositivo [da neutralidade] preveem limite para a ilegalidade. A Lei Brasileira infelizmente não fez essa ressalva”, diz, reforçando que é importante trabalhar nessa alteração. Além disso, ele afirma ainda que é preciso a “superação da questão da liberdade de expressão no contexto da pirataria”, e que a indústria precisa discutir o assunto. Em sua apresentação, Valerio cita como uma das soluções o bloqueio de fontes – ou seja, de um site específico de distribuição de conteúdo ilegal -, mas menciona “questões jurídicas pendentes de estabilização” como um “lado negativo” da medida.
O consultor sênior da coordenação Núcleo Antifraude e representante da ABTA, Antonio Salles, reforça que há um “relacionamento legal sombrio” com a exploração das garantias de isonomias. “Defendemos a liberdade de expressão, todos defendemos a neutralidade, mas as quadrilhas do leste europeu e do Oriente estão usando essa prerrogativa de forma muito avançada, e normalmente agimos tardiamente”, alega. Ele reforça que isso é importante porque os piratas contaminaram a cadeia de de distribuição legítima do setor, composta pela produção do conteúdo legal, armazenamento, redes de distribuição (CDNs) e redes de acesso. “As CDNs e redes de acesso são usadas para conteúdo legal e ilegal, e a indústria de hardware e software recebe contribuição de e-commerce e apps/playstores, Essas quadrilhas virtuais estão mescladas na nossa cadeia produtiva e de contribuição”, declara.
Por sua vez, o gerente de operações de segurança da Nagra para a América Latina, Anderson Torres, sugere o aumento do monitoramento da distribuição de conteúdo ilegal, utilizando a tecnologia para mitigação. Entre as soluções, cita o uso de marca d’água invisível, big data, analytics, inteligência artificial, machine learning e até inspeção de pacotes na rede (deep packet inspection). “Esses pacotes têm assinatura desse vídeo [ilegal sendo distribuído], as operadoras poderiam bloquear somente este tráfego malicioso e não autorizado”, afirma.
A prática de deep packet inspection também teria impacto na neutralidade previsto na legislação brasileira. A isonomia no tratamento de pacotes está prevista no Marco Civil da Internet, Lei n. 12.965/2014, e no decreto regulamentador n. 8771/2016. Vale lembrar que, além da questão do combate à pirataria, o tema está também voltando à pauta no contexto da arquitetura de rede para a tecnologia 5G, que utiliza o network slicing (fatiamento) para dar prioridade de latência a determinadas aplicações e pacotes, como carros autônomos e telemedicina.
Disruptivo
Anderson Torres, da Nagra, explica que a penetração da pirataria no Brasil é estimada em 24% da população, mas que a expansão do acesso à banda larga tem provocado uma mudança no perfil de quem fornece o conteúdo ilegal. Em geral, são homens de 18 a 30 anos com conhecimentos básicos de informática, conexão de alta velocidade para o upload dos canais piratas, e que trabalha sozinho. Como exemplo, cita casos no Chile em que o criminoso utilizava apenas um computador, uma caixinha para sintonizar o sinal e uma placa de captura para transmitir jogos de futebol. “Só com isso, ele tinha 1,2 milhão de acessos por mês e faturava US$ 15 mil mensais com propagandas, causando um prejuízo de US$ 18 milhões”, afirma. “O pirata hoje é disruptivo. Como a gente luta contra isso? Não é uma organização de criminosos, é um estudante que usa esse dinheiro para pagar a faculdade ou ajudar os pais”, considera.