Quatro decisões judiciais fortalecem a ideia de que streaming individual não paga Ecad

Uma longa guerra jurídica da era do entretenimento digital está chegando perto do fim no Brasil. Em quatro decisões judiciais em processos distintos, a mais recente tomada na semana passada, está se fortalecendo a tese de que streaming individual de música (ou webcasting, como chamam alguns) não é execução pública e, logo, não caberia pagamento de direitos autorais por essa finalidade para o Ecad. Apenas editoras, gravadoras, artistas e autores teriam direito a receber o pagamento, que não precisa ser feito através do Ecad, já que, por lei, o órgão é responsável pela cobrança apenas em caso de execução pública. Por outro lado, o streaming na modalidade de "simulcasting", quando uma música é reproduzida simultaneamente para todos os que estiverem com o site ou app abertos, seria execução pública – é o caso de rádios on-line, por exemplo, ou da transmissão ao vivo de um show. As quatro ações envolvem individualmente Oi, MySpace, Terra e Google. Nas três primeiras o autor é o Ecad. Na quarta, o órgão é réu. A decisão final caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), aonde as duas primeiras ações já se encontram.

"Streaming é apenas a tecnologia. Se é execução pública ou não, depende da transmissão contratada. Se for linear, com uma estrutura de ponto a multiponto, há uma percepção coletiva da obra no momento da transmissão. É o caso do simulcasting ou do live streaming. Outra coisa diferente é a transmissão sob demanda, ou streaming interativo", esclarece a advogada Maria Rita Neiva, do escritório FAS Advogados, especialista em direitos autorais no meio digital.

A ação do Ecad contra a Oi é antiga e teve como origem o entendimento do órgão de que a operadora deveria pagar por execução pública duas vezes, tanto pela programação transmitida em sua rádio FM quanto pela transmissão da mesma programação pela Internet, o que a operadora discordava. A Oi venceu na primeira e na segunda instâncias, e o caso está agora nas mãos do STJ. Embora a discussão central não fosse o caráter de execução pública do streaming, o tema apareceu ao longo do processo e precisou ser debatido. O relator do caso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Claudio Brandão de Oliveira, em seu voto que foi seguido por unanimidade pelos demais desembargadores, escreveu: "Embora o acervo musical esteja disponibilizado no site da rádio ao acesso público, resta evidente que, uma vez selecionado pelo usuário o conteúdo que deseja ouvir, será iniciada uma transmissão individual e dedicada, cuja execução da obra musical será restrita apenas à localidade daquele usuário. Assim, verifica-se que a transmissão de música pela Internet na modalidade webcasting não se configura como execução pública de obras musicais, nem em local de frequência coletiva." Essa decisão do TJ-RJ é de janeiro de 2012. O Ecad recorreu ao STJ, que já começou a julgar o processo. Inicialmente o ministro relator votou a favor do Ecad e foi seguido por mais um ministro. Contudo, um terceiro ministro, Marco Aurélio Bellize, votou a favor da Oi, o que levou o relator a pedir vistas do processo. Há a expectativa de que ele possa mudar de voto.

Na ação contra o MySpace, o Ecad tenta receber pagamento sobre streaming individual, ou webcasting. Inicialmente conseguiu uma vitória em primeira instância, mas esta foi revertida pelo TJ-RJ. O relator Bernardo Garcez Neto, em seu voto, datado de 4 de fevereiro de 2015, escreveu: "É possível concluir que a prática de transmitir música por meio de Internet (streaming), através do sistema de webcasting não configura uma performance pública do conteúdo, na medida em que a transmissão é cedida individualmente ao usuário. Admitir-se que outras pessoas possam estar próximas ao computador ou à volta de um aparelho telefônico (smartphone) para enquadrar o streaming como execução pública é forçar demais aquilo que normalmente ocorre. (…) Diante disso, conclui-se que não cabe ao ECAD fiscalizar e cobrar os direitos autorais pretendidos nesta demanda, uma vez que eles decorrem da distribuição individualizada do fonograma. Tal atuação caberá, apenas, aos artistas e gravadoras." O Ecad recorreu e a ação subiu para o STJ. O relator é Marco Aurélio Bellize, o mesmo que deu razão à Oi no outro processo comentado anteriormente.

Contra o Terra, o Ecad também tenta receber pagamento de execução pública por streaming individual. Neste caso, perdeu nas duas primeiras instâncias. A decisão mais recente foi em 15 de setembro deste ano. Em seu voto, o desembargador relator, Cleber Ghelfenstein, do TJ-RJ, escreveu: "Resta evidente que o sistema de streaming adotado pela parte ré não configura uma execução pública. Uma vez selecionado pelo usuário o conteúdo que deseja ouvir, será iniciada uma transmissão individual e a execução da obra musical será restrita apenas à localidade daquele usuário."

Por fim, a quarta e mais recente decisão sobre esse assunto aconteceu no dia 22 de setembro, pela juíza Maria Cristina de Brito Lima, da 7a Vara Empresaria do Rio de Janeiro, em ação na qual o Google questiona os valores cobrados pelo Ecad e pela Ubem (União Brasileira de Editoras de Música) pelos direitos autorais por reprodução de músicas no YouTube. Ao definir os percentuais que devem ser recolhidos pelo Google, a juíza também reforçou a tese de que streaming interativo ou individual não configura execução pública. Isso porque ela decidiu que ao Ecad o Google só precisa pagar um percentual de sua receita publicitária relativa ao conteúdo distribuído como simulcasting ou live streaming. Enquanto que à Ubem, que representa as editoras, por outro lado, cabe pagamento de direitos autorais, independentemente da forma de streaming. Os percentuais estabelecidos pela juíza foram de 3,775% para a Ubem e 1,075% para o Ecad.

História

Em 2004, quando havia uma febre de ringtones no País, o Ecad também levantou a tese de que as campainhas dos telefones eram execuções públicas e, logo, as operadoras de telefonia deveriam recolher direitos autorais para o órgão. Inicialmente pediu 5% sobre o faturamento bruto com ringtones, depois baixou para 2,5%, mas não conseguiu chegar a um acordo. Já havia um acordo de pagamento de direitos autorais com as editoras que representavam os compositores das obras: elas recebiam 10% do faturamento bruto dos ringtones. Acabou que houve algumas divergências sobre o tema entre os próprios associados do Ecad e a pauta foi abandonada. Com o passar do tempo os ringtones caíram em desuso, e o Ecad mudou seu alvo para o streaming.

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