Produtores defendem contratos referenciais

Representantes de entidades envolvidas na promoção do projeto Objetiva- Empreendedorismo em Foco defenderam o modelo referencial de contrato para prestação de serviço de diretor desenvolvido em conjunto por Apro, Sebrae, Siaesp e ABPI-TV no âmbito da iniciativa.

Na sexta-feira passada, 26, os documentos foram criticados em evento que reuniu diretores e cineastas na Praça das Artes, em São Paulo. No entender da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), o contrato exclui das atribuições do diretor o papel criativo e a definição do corte final da obra, além de estabelecer relações de caráter abusivo. A entidade encaminhou parecer jurídico contra o modelo referencial para as entidades envolvidas na sua criação.

O projeto Objetiva – Empreendedorismo em Foco criou 32 modelos referenciais de contratos para orientar e ajudar os produtores de conteúdo audiovisual brasileiros em suas relações de contratação profissional e comercial, com o intuito de reduzir os riscos jurídicos e financeiros. Oito dos 32 contratos foram validados pela Ancine – são os contratos que dizem mais respeito à regulação da agência sobre as relações entre produtoras e distribuidores, programadores e parceiros. O modelo referencial de contrato para diretores não está entre os que foram validados pela Ancine.

Para Debora Ivanov, diretora executiva do Siaesp, os cineastas interpretaram mal a intenção das entidades envolvidas na elaboração dos contratos. Ela explica que o Objetiva surgiu com o objetivo de ajudar o mercado a se preparar para a demanda gerada pela lei da TV paga, e que os contratos desenvolvidos no projeto contemplam uma relação de prestação de serviços dentro de um projeto demandado. "Com a nova lei, esse tipo de projeto, que surge como uma demanda dos canais, começou a ser mais comum. Esses contratos são voltados para esse novo tipo de relação e não para projetos mais autorais", diz.

Ela alega que há espaço para outros tipos de modelos referenciais, que contemplem projetos autorais. "Com essa expansão do mercado, há espaço para os dois modelos. Nada impede que a Apaci desenvolva um modelo referencial para outro tipo de projeto, para aquele projeto que surge do autor", opina.

Além disso, a diretora disse que há espaço dentro do modelo referencial para negociações, que podem até mesmo incluir o direito ao corte final – principal ponto de insatisfação dos cineastas. "Há uma parte fixa e uma parte variável. Dentro dessa parte variável, diretores e produtoras podem acertar relações de acordo com as características do projeto. No caso do corte final, é uma questão negociável. Depende do tipo de projeto, da disposição do canal e das outras partes envolvidas", explica.

Advogado do projeto Objetiva – Empreendedorismo em foco, João Paulo Morello acredita que a interpretação de que os direitos morais do autor estejam sendo negados no contrato é equivocada. "O contrato menciona claramente o respeito aos direitos morais do autor, que são intransferíveis e pertencem ao diretor obra. Isso é lei, e não pode ser desrespeitado. A questão é que esse modelo é diferente porque traz foco na produção, em um modelo que começou a ser aplicado com mais frequência após a aprovação da lei (do SeAC). O canal identifica uma demanda, propõe o tema, faz pitching e contrata a produtora para desenvolver esse projeto. Muitas vezes o canal é inclusive coprodutor", diz.

Ele também negou que o projeto estabeleça relações de trabalho desproporcionais, outra preocupação dos diretores. "Cada um é responsável pelos seus encargos. Não existe responsabilização a mais, a produtora é responsável pelos encargos dela e diretor responsável pelos encargos decorrentes da prestação de serviços. Inclusive existe cláusula para sua contratação como pessoa jurídica". Além disso, o advogado também ressaltou que o modelo serve como referência, e está aberto a negociações.

Ele também descartou a possibilidade de o contrato para diretores ser referendado pela Ancine. "A Ancine chancelou oito contratos porque tinham relação direta com a regulamentação de leis de incentivo. Ela não fará o mesmo com os outros acordos", diz.

"Acho que os cineastas se assustaram e não entenderam o espírito das propostas e eu entendo o posicionamento deles em um ambiente que está mudando. Repito que há espaço para outras associações apresentarem modelos referenciais que foquem outros métodos de produção – seria uma contribuição a mais. Esses contratos facilitam muito a vida, principalmente de quem está começando no mercado", conclui Debora.

Questionamentos

A Apaci (Associação Paulista de Cineastas) reuniu diretores, cineastas e especialistas em debate promovido na Praça Das Artes, em São Paulo, na sexta-feira passada. Na ocasião, os participantes defenderam a participação dos diretores no corte final de obras audiovisuais e criticaram o modelo de contrato referencial para contratação de diretores elaborado por Apro, Sebrae, SIAESP e ABPITV no âmbito do projeto Objetiva – Empreendedorismo em Foco.

Segundo a Apaci, o contrato exclui das atribuições do diretor o papel criativo e a definição da versão final da obra, além de estabelecer relações de caráter abusivo. Também na sexta-feira, a Apaci enviou às entidades responsáveis pela formulação do contrato e à Ancine um parecer jurídico elaborado pela empresa Moutinho e Tranchesi Advogados contra o contrato.

Apesar da adoção dos modelos não ser obrigatória, a Apaci considera que uma possível validação por parte da Ancine faria com que os contratos fossem adotados como padrões no setor. A associação pede que os documentos passem por uma revisão.

"O direito ao corte final deve ser regra, e não exceção. É uma questão de diversidade, identidade plural e cidadania", disse Ícaro Martins, diretor da Apaci, no evento. A defesa da atuação do diretor no processo criativo e na definição das versões finais das obras foi tema central do debate.

De acordo com Martins, os principais questionamentos ao modelo de contrato referencial se devem ao "caráter abusivo de várias cláusulas e às funções estabelecidas para o diretor, excluindo completamente das suas atribuições o papel criativo e o direito a definir a versão final da obra".

Daniela Broitman, diretora e representante da Abraci (Associação Brasileira de Cineastas) do Rio de Janeiro no evento, também criticou o modelo apresentado. "Também consideramos esse modelo extremamente abusivo, e gostaríamos de termos sido consultados sobre o tema", opinou a cineasta no evento.

Na avaliação da diretora, o direito ao corte final é especialmente importante em produções de documentários. "São temas sensíveis e reais aos quais o cineasta se dedica de corpo e alma, pois julga ser importante. A relação que se cria entre diretor e entrevistados de confiança é extremamente importante". Ela cita como exemplo seu trabalho no documentário "Marcelo Yuka no Caminho das Flechas", que aborda a vida do baterista e compositor após ficar paralítico e deixar a banda O Rappa. "Ele estava em um momento extremamente delicado da sua vida e tinha uma preocupação muito grande sobre que tipo de imagem seria passada no filme. Ele aceitou participar do projeto porque acreditou que eu tinha essa preocupação também. Tive de recusar ofertas de produtoras que exigiam que eu abrisse mão do corte final. De nenhuma maneira eu poderia fazer isso", disse.

"Sabemos que há muitos casos em que o corte final é negociado, dependendo das características da obra. O que aconteceu foi que o modelo proposto fez um corte radical e exponencial numa única direção, tirando de uma vez absolutamente todas as prerrogativas do diretor", disse Martins, da Apaci.

Segundo ele, as irregularidades no contrato vão além da questão do corte final e das atribuições criativas. "Vide os pontos levantados no parecer jurídico, há irregularidades em todas as áreas – contratual, autoral e trabalhista. Do jeito que está, esse contrato é um desserviço prestado pelas empresas envolvidas. Sua aplicação levaria a uma série de questionamentos jurídicos e prejudicaria não apenas os diretores mas também as produtoras", avaliou o diretor.

Parecer jurídico

O parecer jurídico produzido a pedido da entidade destaca trechos do contrato considerados abusivos pelos advogados. De acordo com o documento, o artigo 6.4 do contrato estabelece que "… a contratante está autorizada a proceder quaisquer alterações nas obras que reputar necessárias, a seu exclusivo critério, independente de autorização da contratada ou do interveniente anuente, respeitados em todos os casos os direitos morais deste último".

Também em relação aos direitos autorais do diretor, o documento destaca trecho do contrato que determina que "a contratante, na qualidade de única titular de todos os direitos de propriedade intelectual e outros sobre a obra, tem interesse em se tornar legítima titular, em caráter universal e definitivo, de todos os direitos patrimoniais e quaisquer outros, pertencentes à contratada e ao interveniente anuente, originados".
No parecer, os advogados da Moutinho e Tranchesi avaliam que a proposta ignora a preservação dos direitos morais do autor, definidos como inalienáveis e intransferíveis. Entre eles, está o direito a ter garantida a integridade da obra e opor-se a quaisquer alterações que possam que possam atingi-lo como autor, em sua reputação e honra.

Segundo a empresa, o modelo de contrato também estabelece relações desproporcionais – o que seria irregular. O parecer lista artigos do contrato que garantem à produtora o direito de substituir, sem aviso prévio ou notificação, o diretor da obra. Além disso, o contrato atribuiria ao diretor responsabilidades que pertencem à empresa contratante em possíveis contratempos jurídicos.

Limbo jurídico

Para o advogado Allan Rocha, pesquisador e professor na UFRJ e na UFRRJ, há falhas na legislação de direitos autorais no Brasil, em especial no que diz respeito ao audiovisual. Ele cita, por exemplo, a falta de uma menção clara corte final entre os direitos morais atribuídos ao autor. "Apesar da presença da regulamentação ser questionada muitas vezes, há também momentos em que ela é necessária. Na ausência de uma regulação estatal, o mercado assume papel de regulador, ou seja, quem tem maior poder econômico define as regras", disse o advogado.

Rocha participou do evento na Praça das Artes e criticou o modelo de contrato apresentado. "Esse contrato representa a consolidação do ocaso em termos de direitos autorais e se dá pelo fim dos direitos morais", avaliou.

Rocha também questionou o modelo de contratação proposto nos modelos. Para ele, ao estabelecer que o diretor forneça serviço por meio de uma empresa cujo único representante é ele mesmo, o contrato forneceria um artifício para responsabilizar o diretor por todos os problemas que porventura venham a ocorrer na produção, ao mesmo tempo em que limita direitos trabalhistas.

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