Narrativa em realidade virtual nacional "A Linha" conquista o Primetime Emmy Awards

A narrativa interativa em realidade virtual "A Linha", do Brasil, conquistou nesta semana o Primetime Emmy Awards, na categoria "Outstanding Innovation in Interactive Media". O anúncio foi feito pela Academy of Television Arts & Sciences (ATAS) e a cerimônia de premiação será realizada virtualmente em 17 de setembro, com transmissão online pelo site do Emmy. A obra tem direção de Ricardo Laganaro, produção do estúdio ARVORE, vozes de Rodrigo Santoro (inglês) e Simone Kliass (português) e conta a história de amor entre Pedro e Rosa, dois bonecos que vivem em uma maquete da cidade de São Paulo em 1940.

Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, Laganaro disse que o período que antecipou o anúncio de "A Linha" entre os finalistas já foi bastante aflitivo, uma vez que, por se tratar de um projeto de realidade virtual, não existe controle diante da maneira na qual as pessoas vão experienciar a obra. "A confirmação de ser finalista já foi uma grande surpresa. A partir daí, descobríamos que a organização do Emmy montaria uma estrutura para que os jurados assistem e, depois, haveria uma apresentação da equipe, seguida de uma sessão de perguntas e respostas. Quase uma banca de mestrado", brinca o diretor. Por conta da pandemia, todo o processo aconteceu de forma remota, o que trouxe algumas vantagens. "Como fizemos essa apresentação do Brasil, contamos com a participação de toda a nossa equipe, com cada um falando dos aspectos particulares de seu trabalho. O que provou que temos uma combinação de disciplinas muito bem integradas", explica. Essas etapas de avaliação descritas por Laganaro envolveram um júri formado por 20 especialistas em experiências imersivas e a obra precisou da aprovação unânime para que fosse declarada vencedora. O detalhamento da categoria diz que era necessário ser considerada uma "obra notável e impactante, que ampliasse os conceitos de arte e ciência em mídias interativas e demonstrasse domínimo do formato, elevando significamente a experiência do usuário".


Ricardo Laganaro, diretor de "A Linha"

Também premiada como "Melhor Experiência em VR" no 76º Festival de Veneza, "A Linha" coloca o ser humano no centro da narrativa e conta uma história universal de amor com camadas adicionais de significado e compreensão, especialmente sobre rotina e medo de mudanças. Repleta de emoções, combina ainda a interação corporal da realidade virtual com inovações técnicas e conceituais que tornam suas escolhas artísticas possíveis. A obra é a primeira experiência lançada comercialmente para Oculus Quest a usar o novo recurso de rastreamento de mãos (hand tracking), ampliando a imersão do usuário e seu senso de participação na trama, uma vez que ele participa com o próprio corpo e não mais com controles.

A trama de "A Linha" se passa na cidade de São Paulo dos anos 1940 – trazer um cenário brasileiro, com placas das ruas em português, por exemplo, era uma das premissas. "A realidade virtual é um meio de comunicação que está crescendo no mundo inteiro e, por isso, é uma chance única de sermos líderes e trazermos outras cores e paisagens que não vemos no mainstream de outras áreas. Filmes que mostram o Brasil normalmente retratam a Amazônia, o samba, o Carnaval. Colocamos São Paulo como cenário natural, não como protagonista da história. A obra não nega que é brasileira, mas não grita isso. O que chama a atenção é a história de amor e a inovação do trabalho", define o diretor.

Para Laganaro, prêmios como o Emmy e Veneza são relevantes não só para trazer o reconhecimento do público, mas também do próprio mercado: "A realidade virtual ainda está muito abaixo da superfície para a maioria das pessoas, mas a gente sabe do seu potencial. Esse tipo de endosso – da mídia, dos prêmios – faz essa história dar saltos de atenção. Todo mundo conhece essas premiações. Percebi uma mudança de recepção até dentro do mercado, onde VR ainda causava certa estranheza. Mas quando chegamos a categorias específicas desses grandes prêmios, competindo ao lado de produções para a TV que assistimos todos os dias, as pessoas começam a entender".

As referências ao Brasil e à cultura nacional citadas pelo diretor estão presentes também na trilha sonora. Conduzida pela melodia de um chorinho brasileiro composto pelo estúdio Ultrassom Music Ideas, a trilha original tem assinatura de Gilson Fukushima e Ruben Feffer, que compôs com Gustavo Kurlat a trilha do longa de animação "O Menino e o Mundo", indicado ao Oscar em 2016. Ruben Feffer, também em entrevista exclusiva a este noticiário, contou que, desde o início, o Laganaro e sua equipe já tinham em mente que um chorinho poderia funcionar – tinham uma trilha referência em um protótipo rudimentar da maquete e, naquele momento, segundo Feffer, já "dava para sentir que as características rítmicas do chorinho iriam funcionar bem para dar o ritmo de Pedro (personagem principal, ao lado de Rosa) e sua bicicleta, ao mesmo tempo que a sonoridade ao mesmo tempo jocosa e levemente melancólica desse estilo combinaria muito bem com as variações emocionais da narrativa da história de amor que precisávamos contar".


Ruben Feffer, da Ultrassom Music Ideas

A partir daí, Feffer e Gilson (Fukushima, que também assina a composição e produção da trilha) analisaram que, na raiz do chorinho, estava um prenúncio do jazz e um resquício da música clássica barroca, e pensaram então em incorporar essas características, para ajudar a marcar o contraste entre a rotina das regras e a ruptura e quebra disso, que ocorre quando o personagem resolve tomar um desvio diferente. "Incorporamos alguns elementos eletrônicos e mais texturais para o ambiente do 'inferno' que ocorre em certo momento que despencamos num 'submundo' da maquete, e uma trilha mais orquestal épica para a redenção e retorno ao "normal" subsequentes. E a experiência toda se inicia e se encerra como uma moldura, com uma valsa onírica, sentimental, que nos faz viajar no tempo e na imaginação, uma espécie de 'era uma vez', que foi levemente inspirada na 'Valse d'Amelie', do filme 'Amelie Poulain', e uma ideia de uma valsinha que eu tinha composto muito tempo atrás e que nunca tinha utilizado se encaixou como uma luva", detalha Feffer.

Refletindo sobre o papel da trilha sonora nas produções audiovisuais, o produtor musical observa: "De modo geral, a importância da trilha sonora no audiovisual é subestimada, seja pelos valores praticados, seja pelos prazos ou etapas em que costumam ser trabalhadas. Pensando que audio+visual seriam 50/50, faria sentido ter uma importância e reconhecimento maiores, de ser pensado junto desde o início dos projetos. Por ser 'invisível', às vezes não é notada, valorizada ou lembrada". Feffer continua: "Ainda mais em produções que são animações ou algo como VR, gerado inteiramente do zero, diferentemente do live-action, simplesmente não existe som real na cena, o famoso 'som direto'. Na animação, o universo sonoro inteiro é criado pela trilha sonora – que, convém lembrar, é a soma da trilha musical com os efeitos sonoros e sons ambientes. Boa parte do trabalho do produtor musical e dos sound-designers é, antes de tudo, criar e definir exatamente esse universo sonoro e musical. Isso vai ajudar a dar a sensação de imersão, de transportar o espectador ou usuário de um filme ou experiência interativa para dentro da narrativa, a dissolver a fronteira entre o que é real e o que está sendo mostrado".

Feffer diz que o prêmio Emmy foi "surpreendente, emocionante e inesperado". "Festivais como o VR Days de Amsterdam, o Festival de Veneza, a Mostra de Cinema de São Paulo e Taiwan, por exemplo, são eventos que ou são 'nativos' da interatividade/do VR ou já têm aberto suas portas para isso há alguns anos. Agora o Emmy, é um evento do mercado de televisão norte-americano, então um projeto lúdico, poético, com uma grande simplicidade e curta duração ser indicado e vencer é um reconhecimento incrível não só para a ARVORE, Ultrassom e outras empresas que acabaram envolvidas, mas também para todo o mercado audiovisual e de realidades mistas (XR) do Brasil, e, em última instância, para a cultura brasileira e imagem de nosso país no resto do mundo", afirma.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui