Terminou nesta terça, 5, após dois dias de exposições, a audiência pública no Supremo Tribunal Federal sobre liberdades públicas de expressão artística, cultural, de comunicação e direito à informação, chamada pela ministra Cármen Lúcia. Ela é relatora Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 614, ajuizada pela Rede Sustentabilidade contra o Decreto presidencial 9.919/2019, que altera a estrutura do Conselho Superior do Cinema (CSC), e a Portaria 1.576/2019 do Ministério da Cidadania, que suspendeu por 180 dias o edital de seleção para produção audiovisual.
O conteúdo da audiência será encaminhado aos demais ministros do STF, a fim de subsidiar e instruir o julgamento da ADPF pelo Plenário.
De acordo com o secretário executivo da Casa Civil da Presidência da República e do Conselho Superior de Cinema, José Vicente Santini, a retirada do CSC da estrutura da Ancine e sua inserção na estrutura administrativa da Casa Civil restabeleceu o modelo de organização administrativa concebido na criação do órgão colegiado. Para ele, a transferência demonstra a importância do setor cinematográfico para o governo.
Já o secretário do Audiovisual do Ministério da Cidadania, Ricardo Fadel Rihan, afirmou que houve um processo de hipertrofia da Ancine e que o atual governo busca restituir a governança, ao devolver o CSC à Casa Civil e o papel de formulação de políticas públicas à Secretaria do Audiovisual. Sobre o Fundo Setorial Audiovisual (FSA), afirmou que não representa cerceamento de qualquer tipo à liberdade de expressão, lembrando que as aplicações são aprovadas no âmbito de um colegiado formado por representantes do governo e da sociedade civil.
Nem todos na audiência concordam com a representatividade do Comitê Gestor do FSA. O deputado federal Marcelo Calero (Cidadania-RJ), ministro da Cultura no governo Michel Temer, afirmou que ao retirar a paridade entre sociedade civil e governo no comitê, o governo diminui caráter democrático do colegiado.
Censura
A preocupação com o potencial cerceamento da liberdade de expressão esteve presente em diversas manifestações. O ator e diretor Caco Ciocler, por exemplo, ressaltou a importância da discussão do tema no STF e afirmou que o setor está “sentindo a censura na pele”, ainda que de forma não institucionalizada. Segundo ele, a perspectiva de alinhamento da produção audiovisual a um tipo de pensamento é extremamente preocupante.
Para o cantor e compositor Caetano Veloso, o atual governo, apesar de afirmar que o artista tem liberdade para criar, se reserva ao direito de não financiar artistas e temáticas que estejam em desacordo com o seu projeto – o que, para ele, representa “a própria essência da censura”.
De acordo com a deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG), integrante da Comissão de Cultura da Câmara, há uma decisão “muito explícita” do governo federal de “asfixiar” o setor cultural por medidas como a extinção do Ministério da Cultura, os ataques à Ancine, os cortes orçamentários e os empecilhos administrativos para políticas culturais. “As comunidades LGBTI, os negros, as mulheres, os indígenas e os povos tradicionais não conseguem conquistar visibilidade pública se não for meio de ações afirmativas e políticas públicas”, disse.
Pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a advogada Flávia Lefèvre Guimarães defendeu que a transferência do CSC à Casa Civil esvazia as finalidades da promoção da participação social e do estímulo ao controle social, pois sua atuação fica sujeita às interferências diretas da Casa Civil e da Presidência da República.
O presidente da Comissão de Cultura da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Pernambuco, André Souto Maior Mussalem, afirmou que os filtros e os demais critérios adotados pelo governo para seleção das produções culturais dão uma aparência de política discricionária a uma forma velada de censura.
Mercado relevante
O presidente da Bravi (Brasil Audiovisual Independente), Mauro Alves Garcia, destacou os aspectos socioeconômicos da produção audiovisual e frisou que essa indústria reúne hoje mais de 13 mil empresas que geram 300 mil empregos. “Os editais são um mecanismo de inserção de pequenas produtoras na produção audiovisual brasileira”, sustentou.
O presidente Sindicato da Indústria Audiovisual, Leonardo Edde, afirmou que o Brasil tem uma política nacional de cinema prevista em lei e um plano nacional de cultura constitucionalmente garantido. Para o dirigente, a cultura deve ser preservada de forma ampla como política de Estado, e não de governos, e as normas questionadas na ADPF vão contra a descentralização institucional prevista na Constituição. (Com informações da Comunicação do STF)