As mudanças climáticas e a urgência de ações que freiem seus impactos no meio ambiente são pautas relevantes na atualidade. Naturalmente, a temática surge em produções audiovisuais – filmes de ficção podem ser uma ferramenta estratégica para sensibilizar o público sobre o tema. “O audiovisual que inspira e traz uma nova perspectiva, ao meu ver, é a melhor ferramenta para isso. Somados a isso, é importante tentarmos falar com todos, e não eleger apenas um. Temos que tentar falar com religiosos e a comunidade LGBTQI+, com a direita e com a esquerda, com progressistas e conservadores. Por isso a importância de entender o real significado do entretenimento de impacto, impacto não é prêmio, não é uma crítica positiva, ou um elogio de um cineasta importante. Impacto é audiência”, analisa Estela Renner, roteirista, cineasta, showrunner e sócia-fundadora da Maria Farinha Filmes, em entrevista exclusiva para TELA VIVA. “É sair da tela e entrar na vida das pessoas. É fazer e fazer chegar”, completa.
Nesse caminho, a produtora já lançou diversos filmes na ONU, em Nova York, e fez um acordo com a MIT para exibição dos títulos para alunos e corpo docente. Estes mesmos filmes estão disponíveis aqui no Brasil para exibições públicas gratuitas no site. “Muitos nos perguntam como nos sentimos com, agora, tantas outras produtoras se posicionarem como produtoras com conteúdos de impacto. Para nós é o mundo dos sonhos. Que todas trabalhem assim, o mundo precisa urgentemente disso”, celebra.
Mas produzir um conteúdo que traga à tona dados e fatos reais e, ao mesmo tempo, entretenha o público, pode ser desafiador. A Maria Farinha atua há 14 anos com o compromisso de fazer filmes de impacto social e ambiental e, nesse processo, acumulou alguns aprendizados. “No começo de cada projeto, depois que estabelecemos o tema, fazemos uma imersão em pesquisa. A gente busca organizações e institutos parceiros que já atuam na pauta há anos e já tem uma bibliografia extensa sobre o assunto. Também, antes de escrever a primeira linha de uma sinopse ou até de um argumento, a gente entrevista vários especialistas do tema. É um processo que demanda tempo e escuta. Muitas vezes, ao viver esta imersão, já conseguimos identificar qual o melhor formato para falar daquela urgência”, explica Estela. “Depois de definido o formato, subvertemos o processo e partimos para o olhar do entretenimento. Os personagens, suas nuances, complexidades, falhas e tramas ficam mais importantes do que tudo. Depois integramos um ao outro e construímos um universo que tenha uma lógica interna que contemple tanto os dados reais que elegemos serem os mais potentes para inspirarem reflexões acessíveis a todos, sem excluir ninguém desse diálogo, junto aos nossos personagens e história”, completa.
Como exemplo, ela cita a primeira temporada de “Aruanas”, que trouxe temas como mineração, garimpo, exploração sexual infantil lá em 2017 e que, agora, estão em todas as notícias. A segunda temporada de “Aruanas”, escrita em 2019 (e que estreia dia 9 de maio na TV Globo), fala sobre poluição do ar, pauta da última COP, e também fala de uma CPI contra ONGs, agora pipocando no Senado. “Não é adivinhação, é levar a sério a pesquisa e também a nossa antena”, pontua.
Cultura e meio ambiente voltam à pauta
Com a mudança de governo, tanto a cultura quanto o meio ambiente ganham mais atenção e dedicação. O que, claro, impacta em um novo momento para esse tipo de produção audiovisual. “Com o governo anterior, tivemos um apagão de incentivos à produção de conteúdos independentes e ficamos dependentes das plataformas que nos trouxeram abertura e possibilidades de gerar renda e emprego numa indústria importante para qualquer país do mundo. Vamos lembrar que uma obra de ficção de ‘tamanho médio’, pode gerar um mínimo de 300 postos de trabalho. Uma obra de ficção um pouco maior pode gerar 1000 vagas. Fora outras indústrias movimentadas indiretamente, como Turismo e Indústria. Só um governo com muita falta de entendimento não consegue ver a importância da indústria da cultura para um país”, contextualiza Estela.
“No momento atual, precisamos reconquistar nossa independência criativa, que vivia um momento de fomento antes do governo anterior. Filmes são um álbum social, cultural, histórico de um país – ainda que não fale sobre ele, aponta quem somos. O governo atual tem a chance de olhar para o audiovisual tanto como imprescindível ferramenta de transformação para um país em desenvolvimento, para que ele seja mais justo, sustentável, colaborativo e criativo, tanto como uma oportunidade gigantesca de geração de empregos. Tenho muita fé no trabalho de retomada que já está sendo realizado. Confio pessoalmente na Joelma Oliveira Gonzaga, nossa competentíssima Secretária do Audiovisual”, afirma.
Compromisso na frente e atrás das câmeras
A Maria Farinha é uma empresa certificada pelo Sistema B há mais de dez anos – isso significa que a produtora assume uma série de compromissos, como diversidade e paridade de gênero na constituição das equipes. Além disso, é signatária do Pacto Global da ONU, que envolve ainda um compromisso com a iniciativa “Movimento Raça é Prioridade”, com meta de 30% de pessoas negras em cargos de alta liderança até 2025. “Já estamos quase lá”, garante a cineasta. “Quando contratamos pessoas, olhamos sim para sua veia ativista e vontade de mudar o mundo, porque o que fazemos é uma constante busca de sentido e se as pessoas que estão conosco não sentirem o mesmo, fica mais complexo. Mas também já contratamos centenas de pessoas que não tinham ainda refletido sobre tais e tais assuntos, e no fazer, se inspiraram. Por conta da nossa missão, temos parceira de projetos com uma das mais renomadas produtoras nos EUA, a Participant Media, que também faz filmes de impacto e já recebeu ao mais de 20 Oscars”, conta.
Evento
Na próxima sexta-feira, dia 14 de abril, às 14h30, Estela participa do painel “Ficção Climática: Expectativa x Realidade”, durante o RIO2C 2023, que acontece na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Ao lado dela, estará Thelma Krug, vice-presidente do IPCC, e a jornalista Priscila Chagas, apresentadora e repórter da TV Globo.
“Falaremos um pouco sobre o relatório mais recente que mostra como o planeta está sendo destruído gradativamente e de forma quase irreparável. Isso é algo que vem sendo dito há anos e temos que encarar a realidade. Porém, o que o relatório do IPCC também aponta é de que temos tecnologia e capacidade de transformar esse cenário. Não vai ser rápido, barato ou fácil, mas é possível, se engajarmos e todos fizermos nossa parte para mudar este cenário. E isso não significa apenas reciclar o lixo ou comprar orgânicos. Precisamos também pressionar empresas e governos a fazerem a sua parte. Temos a força do poder de compra e do voto para isso. Nós realmente acreditamos que há esperança e imprimimos isso em nossas obras”, reforça.
“É fato que a Maria Farinha e algumas outras produtoras vem fazendo isso, mas diante do relógio climático, precisamos de ajuda sistêmica. Sinto que se as plataformas reconhecem que o audiovisual é um produtor de novas realidades, eles mesmos poderiam fazer parte da solução. No momento vemos ainda plataformas lançando filmes caríssimos repetindo velhas fórmulas para satisfazerem seus desafios de crescimento e seus algoritmos. Esse, para mim, é o grande desafio que vivemos hoje em nossa indústria, ter espaço para diversificar o conteúdo”, finaliza a diretora.