Relevância, sentimento e propósito devem nortear a produção de conteúdos originais no Brasil 

Mônica Albuquerque, Malu Miranda, Jorge Furtado (em participação remota) e a moderadora Renata Di Carmo (Foto: Divulgação/ Martins)

O painel "Originais: planejamento de conteúdo e a relação com criadores e produtores" realizado no Rio2C nesta quarta-feira, dia 5 de junho, apresentou percepções de grandes nomes do mercado audiovisual sobre os fatores que fazem de um projeto interessante. Jorge Furtado, Malu Miranda e Mônica Albuquerque trouxeram suas visões e motivações para as escolhas de projetos. 

Furtado, que tem uma vasta experiência como criador roteirista e também é produtor audiovisual, fundador da produtora Casa de Cinema, abriu a conversa declarando que a única alternativa de sobrevivência para a indústria audiovisual é valorizar a criação e os criadores. "Isso é algo que me preocupa. Tudo mudou, e segue em transformação", pontuou. 

Sobre os projetos, ele explicou: "Como criador e produtor independente que sou, procuro projetos que tenham temas relevantes. A primeira pergunta que temos que nos fazer é o porquê queremos fazer aquele filme. Pode ser por razões financeiras e comerciais, sim. Dar dinheiro pode ser uma motivação. Mas estamos vivendo hoje sob a ditadura do algoritmo. Hoje, dizem que a máquina descobre o que as pessoas gostam de ver e nos informam. 'Estão querendo isso, vamos fazer mais disso'. O que causa alguns problemas. O algoritmo está atrasado, a criação está à frente. Por isso é tão importante acreditar no criador. Ele não serve ao algoritmo. Como criador, temos que pensar no que o algoritmo não fez ainda. Senão vamos criar algo que as pessoas já viram e elas não vão se interessar". 

Miranda, que até o último ano era head de originais brasileiros da Amazon Studio, e traz uma bagagem como escritora, produtora criativa e diretora, também acha a relevância do assunto um tema importante, mas valoriza ainda mais o sentimento: "Quando se está à frente de uma grande corporação movida pela tecnologia, algoritmos são ferramentas incríveis, úteis de verdade, mas o sentimento humano é o que move qualquer obra audiovisual. Às vezes, o sentimento pode vir através do tema, da paixão da pessoa que criou. Tem uma coisa no sentimento que o algoritmo nunca vai ler, que é o que imprime e move as pessoas a verem aquele conteúdo". A executiva, muito por conta de sua trajetória, reconhece a importância dos avanços tecnológicos, mas defende o olhar humano como ponto essencial para interpretar os dados: "Às vezes, dá para construir em cima dos números. Se o criador tem muita convicção criativa, vai encontrar números para apoiar sua ideia. Para isso, precisa saber quais são seus objetivos. Eles precisam estar claros desde o início. Assim, é possível falar melhor do projeto, vendê-lo melhor e transmitir esse sentimento para quem está ouvindo do outro lado". 

E para além da relevância e do sentimento, Albuquerque, que é head de talentos artísticos e desenvolvimento de conteúdos scripted da Warner Bros. Discovery Latin America, falou sobre propósito. "Pra que contar essa história, se já existem tantas?, questionou. "O projeto tem que trazer uma coisa diferente, e por isso precisamos da autoralidade, da criação. Não queremos 'o novo Succession'. Esse já temos, não precisamos de outro. Queremos temas novos. No fundo, buscamos a mesma coisa – qualidade, inovação, falar para o humano. Qual o propósito do conteúdo, se não for ajudar o ser humano a se entender? Essa é a função dele", reforçou. "O importante é levar ao público coisas valiosas. O valor mais alto, hoje, é o tempo. Se paro para doar meu tempo para assistir um conteúdo, preciso receber algo em troca – um riso, uma emoção, uma reflexão". 

Falta de interlocução na indústria 

Todos os debatedores concordam que um dos grandes problemas da indústria na atualidade é a falta de interlocução. "O mercado tem essa pressão financeira grande. Dentro das empresas, temos esse papel de ponte: traduzir para a criação e a produção essa pressão do negócio e, ao mesmo tempo, levar para o negócio a importância do fundamento dessa indústria, que é de fato a criação. Passamos por muitas discussões infrutíferas por causa dessa falta de interlocução", analisou Albuquerque. Furtado acrescentou: "O audiovisual é a mais coletiva forma de expressão. Em todas as outras, é possível fazer sozinho. Mas nós temos que trabalhar juntos. O que falta são mais encontros, interlocução e conversas abertas". 

Albuquerque também acredita que é a partir dessa interlocução que a produção brasileira chegará a um bom lugar – e sempre partindo da criação e da vontade de dizer alguma coisa que valha a pena. Ela pediu ainda que produtores não apresentem o mesmo projeto para todas as plataformas, e que entendam que não existe "os streamings", e sim cada serviço, com estratégias, propósitos e momentos que são individuais de cada um. "Empresas precisam de coisas específicas para atingirem, naquele momento, seus objetivos específicos". 

Capacidade dos conteúdos viajarem  

A executiva da WBD apontou que outra dificuldade específica da produção nacional é a capacidade dos conteúdos viajarem para fora dos lugares em que foram produzidos. "Quando trabalhamos com Brasil, nos deparamos com essa dificuldade. Temos pouco conhecimento fora das nossas fronteiras. Temos que encarar esse problema como indústria. Pensar nisso em novos projetos. Ser relevante para o país de origem é fundamental para obter um primeiro investimento, mas a capacidade de interessar a outros tipos de audiência é muito importante. E sem precisar explicar", salientou. "Precisamos ter essas discussões. Poucas vezes vejo essas conversas do depois. Ela para no 'não aprovaram meu projeto'. Mas o depois é muito importante. Não temos verba para campanhas de marketing no mundo inteiro, então os conteúdos têm que gerar interesse por conta própria. O caminho é ir construindo essa percepção, para que isso seja cada vez mais fácil e mais orgânico". 

Para Miranda, a tecnologia tornou possível que falássemos com o mundo todo. "E o que vivemos aqui é universal. As portas estão abertas, as pessoas querem ouvir as histórias do Brasil. A tecnologia democratizou de forma revolucionária o alcance que podemos temos no mundo". 

Caminhos para o futuro 

Furtado encerrou o painel deixando alguns caminhos apontados para os criadores – como acreditar na espontaneidade e naquilo que nasce naturalmente. "Quando muita gente mexe numa piada, ela acaba morrendo", exemplificou. "Outra coisa é pensar mais a longo prazo. Temos que ter um trabalho sustentável. O convívio harmonioso entre criador e produtor é essencial para que a indústria sobreviva". E, por fim, ele contou que a Casa de Cinema, sua produtora, decidiu não apresentar mais nenhum projeto aos players enquanto os criadores brasileiros não foram donos de seus próprios conteúdos e tiverem alguma proteção nesse sentido. 

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