Rentabilizar propriedades intelectuais exige visualizar as oportunidades de engajamento

(Foto: Reprodução)

Um dos painéis do Rio2C nesta quarta-feira, dia 5 de junho, abordou estratégias de valorização e rentabilização de propriedades intelectuais na indústria audiovisual, partindo da premissa de que a PI não é apenas uma construção jurídica, e sim um ativo estratégico, que deve ser tratada como peça fundamental na estratégia das organizações. A moderação foi de Fabio Cesnik, advogado e sócio-fundador da CQS/FV Advogados.

Adriana Pascale, gerente sênior de insights Latam na Parrot Analytics, abriu o painel "Maximizando o Valor da Propriedade Intelectual na Indústria Audiovisual: Estratégias de Valorização e Rentabilização" com uma apresentação que toma como fundamento básico a economia da atenção. "Como qualquer outra economia clássica, a da atenção tem dois lados – da oferta e da procura – e isso não é diferente no entretenimento", pontuou. A Parrot atua disponibilizando aos seus clientes informações sobre oferta de todos os títulos de mercado, incluindo filmes e séries, além de talentos, e, do outro lado, a demanda, isto é, a intenção de consumir o conteúdo, o lado do comportamento do consumidor. Essa demanda é capturada uma vez que a empresa analisa toda a jornada da pessoa desde o descobrimento do conteúdo até o consumo – ou não – do mesmo. "Toda vez que o consumidor emite um sinal, a Parrot está analisando. O like na rede social também conta, mas o peso é diferente do assistir de fato", explicou. 

A medida de demanda é agnóstica, e não depende da plataforma. Com isso, é possível entregar um exercício em vários cenários – o valor de uma série na Max ou em qualquer outra plataforma, por exemplo. "Demanda está estritamente relacionada com assinantes e, portanto, receita. 1% de share de demanda equivale a 1% de share de faturamento", destacou Pascale. A executiva revelou ainda outras ferramentas de análise que a empresa utiliza, como entender qual porcentagem que determinado título representa dentro de toda a demanda de uma plataforma – por exemplo, "Succession", em 2022, representou 2,2% de toda a demanda da Max (na época ainda HBO Max). Essa análise investiga ainda a importância e função de cada título nas plataformas – se traz mais assinantes, engaja mais o público e evita o churn. Mais uma vez no exemplo de "Succession", 32% do público que assistiu continuou a assistir títulos na plataforma depois, o que significa que o conteúdo é importante para engajar o assinante. 

Oportunidades de engajamento 

Daniela Vieira é fundadora da DFV Content Intelligence and Strategy e tem 25 anos de experiência como executiva em grandes empresas de mídia. Ela pontuou: "Dadas as mudanças do mercado, precisamos olhar para uma coisa chamada ecossistema, que nos traz dados e informações para ajudar na hora de estruturar uma propriedade intelectual e agregar valor para essa ideia, entendendo o que tem disponível no mercado para fazer essa estruturação e uma PI bem-sucedida. O ecossistema fala em oportunidades de engajamento – as já existentes e as que podemos criar". 

Cases 

Para exemplificar sua visão, Viera trouxe três cases, a fim de ilustrar como funciona esse processo de identificar oportunidades. O primeiro IP analisado é a CazéTV, lançada em 2022 em uma parceria entre o Casimiro e a LiveMode, que já tinha esse core do conteúdo digital. Logo no início a TV conquistou sete milhões de visualizações simultâneas em um jogo do Brasil. "Eles seguiram investindo e construíram um ecossistema, apostando nessa construção contínua. Neste ano, vão exibir os Jogos Olímpicos. A ideia original era futebol e a oportunidade era criar uma nova maneira de conexão desse esporte com o público. Pensando em engajamento e dados, ampliaram para outros esportes, e o passo mais recente foi a chegada no FAST, pela Samsung TV Plus". 

Outro exemplo é a Turma da Mônica, um IP de 60 anos de idade. O projeto começou com as tirinhas e foi evoluindo – quadrinho, animação, série na TV aberta e fechada, lançamento da Turma da Mônica Jovem, a animação "Mônica Toy" no YouTube, que tem mais de quatro bilhões de visualizações, até os filmes para cinema. "A oportunidade era maximizar a conexão desse IP com o público por meio desses diferentes formatos e janelas. E eles seguem expandindo esse ecossistema, agora para outros personagens, com o filme do Chico Bento, que chega em breve. Mesmo sendo um produto do Maurício de Sousa, que é conhecido, o caminho foi difícil. Hoje talvez seja mais fácil porque eles fizeram esses investimentos desde o início, saindo do gibi e tentando outras possibilidades. É sobre pensar no ecossistema e nas oportunidades". 

Por fim, está uma propriedade intelectual que para a maioria das pessoas não é vista como tal, que é a Fórmula 1. "Ela começou com as transmissões das corridas e cresceu, mas logo estagnou. Em 2017, foi adquirida pelo grupo estadunidense Liberty Media – que não é especializado em esportes, e sim em mídia e entretenimento. No mesmo ano, lançaram o app F1TV e, ainda em 2017, conteúdos exclusivos em redes sociais. Mais tarde, em 2019, foi lançada a série 'Drive to Survive' na Netflix – um verdadeiro divisor de águas. É uma série documental que humaniza a Fórmula 1. Os pilotos se transformam em personagens e a história vira um drama. E aí, fura a bolha, atrai um público que nem gosta de corrida. Nesse caso, a oportunidade era revitalizar a Fórmula 1 e expandir seu alcance. Fizeram isso por meio da Netflix, que tinha um público não necessariamente fã de Fórmula 1, além do aplicativo e redes sociais. Recentemente, eles anunciaram a F1TV Kids dentro do próprio app, para buscar o engajamento de novos públicos". 

Força e valor da criação 

Luca Paiva Mello, sócio e diretor da Scriptonita Films, assumiu que propriedade intelectual é um tema ainda complexo do lado do criador, uma vez que esses criadores e escritores passaram e ainda passam muito tempo trabalhando pelo serviço ou tendo que negociar com players e distribuidores em condições muito difíceis, a partir de um lugar de desvantagem: "Nós somos artistas – apesar de sermos, em última análise, geradores de negócio, de coisas que podem rentabilizar, monetizar e trazer valor para a cadeia. A gente não leva muito isso em conta. O desejo de ver sua obra nas telas tem apelo grande para um criador". Mello relembrou a criação da Scriptonita, numa sociedade com o executivo do mercado Roberto Martha, que masterizou o conceito da empresa e buscou transformar essa criação, ou um grupo de criadores, e fazer isso virar propriedade intelectual em uma indústria que ainda não dá tanto valor para o roteiro quanto para outras áreas do processo. 

Como premissas, eles adotaram que seriam capazes de fazer um primeiro investimento em pré-desenvolvimento; construir parcerias e coproduções com casas produtoras potentes e robustas para conferir musculatura para a empresa; e modelar o negócio de forma ganha-ganha, isto é, boa para os coprodutores, distribuidores, autores e, claro, eles mesmos. A quarta premissa, que ele considera uma chave para quem trabalha com criação, é desde cedo estabelecer metas e objetivos claros de como aquela propriedade que está sendo criada será monetizada. Como exemplo, ele trouxe o case de "Bugados" – a primeira sitcom brasileira infantil – que eles fizeram para o Gloob/Globoplay. "Foi complexo propor nosso modelo, mas até hoje é assim: não trabalhamos por serviço. Nós negociamos a propriedade de todos os nossos projetos. Mesmo nesse caso, que se tratava de um IP que ainda não existia. Pensamos na precificação do IP e nas rendas futuras agregadas a partir de venda da obra pronta, formato, consumer products, serviços e experiências. O projeto nos habilitou para sentar à mesa com todos os outros players. As conversas passaram a acontecer a partir disso", contou. 

"Muitas vezes esquecemos que, no fim, podemos dizer não. Isso não encerra a negociação, e sim sinaliza para o outro lado a distância que existe entre a expectativa em relação ao IP versus o que está sendo proposto. A conversa vai para outro lugar. Mas é preciso estar ciente de que aquilo é poderoso. Só saímos de casa se sentimos que temos o ouro na mão. Nesse sentido, somos muito críticos internamente. Se você tem certeza, senta de outra maneira para negociar", garantiu. 

Propriedades intelectuais pré-existentes  

Mello sinalizou um encolhimento do mercado em 2022, quando foi sentida uma demanda por IPs já existentes, isto é, que já tivessem um histórico de fãs. Na mesma época, a produtora foi procurada por Rodrigo Bandeira, sócio e filho do escritor Pedro Bandeira, para uma possível adaptação audiovisual das obras do autor. Após meses de negociação, o contrato foi fechado, e o processo está em andamento. O projeto envolve seis livros e, para o diretor, as primeiras coisas a fazer eram separar áreas de interesse que aquela PI pudesse ser explorada para além do audiovisual e procurar um coprodutor – neste caso, a Conspiração. Juntos, modelaram o negócio e decidiram por uma franquia de longas para cinema. Em paralelo, são desenhados os próximos produtos a serem lançados: novos conteúdos editoriais e videogame. "É essencial entender qual é a vocação da sua propriedade intelectual – seja ela original ou adquirida – e esse trabalho começa logo cedo. Assim, desde o começo você consegue fazer essa conexão entre todos os produtos", apontou. 

"Tudo que é criado tem um valor"

Por fim, Vieira analisou: "É claro que é mais fácil atribuir valor para algo que já exista, principalmente se foi bem-sucedido no passado, mas tudo que é criado tem um valor. Para valorar um IP que ainda não existe usamos métricas, fontes e comparativos de mercado. Quanto mais robusto é o ecossistema ao redor da PI, por mais nova que ela seja, maior a chance de êxito. O objetivo é abrir novos pontos de contato entre ideia e público". E a especialista concluiu: "O Brasil é o segundo maior mercado consumidor de grande parte das plataformas, então não é possível que a gente não consiga valorar nossas criações. Somos gigantes em tamanho de mercado, mas ainda não movemos os ponteiros para atribuir um valor completo para o que a gente cria aqui". 

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