Por uma política cultural plural e inclusiva

No dia 11 de maio aconteceu em Salvador um grande ato com a participação do presidente Lula e da Ministra da Cultura Margareth Menezes. O evento foi o pontapé inicial para que municípios, estados e Distrito Federal tenham acesso ao orçamento recorde de quase 4 bilhões de reais, que serão destinados nos próximos meses a ações culturais.

*Daniela Pfeiffer é Diretora Executiva do Centro Cultural Justiça Federal, Professora na ESPM e na Faculdade Facha, Sócia da empresa Pfeiffer Cultural e Parecerista em editais culturais nacionais e internacionais. Mestre em Comunicação Social e Especialista em Comunicação e Imagem pela PUC-Rio, graduada em Produção Cultural pela UFF. Foi Diretora do Centro Técnico Audiovisual – CTAv, Gerente Executiva no Cine Odeon, Coordenadora de Projetos na BRAVI, Conselheira Nacional do Audiovisual no Ministério da Cultura, Analista de Projetos na Ancine, Gerente de Mídias Digitais na distribuidora Elo Company, e Gerente de Projetos na Animus Consult. Idealizou e coordenou a Pós-Graduação Lato Sensu "Produção Audiovisual: Projeto e Negócio" junto ao Senac SP. Foi consultora e professora no projeto "Objetiva: Empreendedorismo em Foco". Participou como palestrante de diversos eventos. Possui livros e artigos publicados tais como "Cinema e Mercado", "The Brazilian Audiovisual Industry" e "Editais – Guia Audiovisual". Em 2020 recebeu o Prêmio de Exercício Cultural como reconhecimento pelo trabalho exercido nos últimos 20 anos.

Há muito tempo não se via uma euforia tão grande no setor cultural. Em 2019, ano anterior ao início da pandemia, 5,5 milhões de pessoas trabalhavam com cultura, ou seja, quase 6% da população ocupada no país (Fonte: Pnad Contínua). Nos últimos anos houve um recuo neste percentual, em função principalmente da crise econômica, social e sanitária vivida no Brasil. Com o fechamento de cinemas, teatros, casas de shows e espaços culturais, muitas pessoas precisaram encontrar uma nova forma de ocupação profissional para sobreviver.

Além da migração destes profissionais para outras áreas, houve uma diminuição também da participação da cultura nos gastos públicos e privados. Em meio a uma forte crise econômica, o público consumidor precisou repensar suas prioridades. Ao mesmo tempo, o Ministério da Cultura foi reduzido a uma Secretaria Especial, e várias políticas foram abandonadas e/ou redimensionadas. Vale lembrar que estamos falando de uma atividade que muitas vezes não possui um viés econômico de retorno financeiro e que depende, portanto, do fomento público para continuar existindo. Uma realidade inerente não só ao Brasil, mas a vários países.

Neste sentido, é fundamental fazermos uma reflexão sobre o direcionamento dos recursos previstos na Lei Paulo Gustavo 195/2022. Conforme comunicado divulgado pelo próprio Ministério, "Um dos objetivos mais importantes da Lei Paulo Gustavo é garantir formas de inclusão e democratização do acesso aos investimentos destinados pelo Ministério da Cultura para o setor cultural". Trata-se de um olhar específico direcionado a grupos minorizados, cujos frutos serão colhidos em breve em projetos mais acessíveis, regionais, realizados por mulheres, pessoas negras e indígenas, pessoas LGBTQIA+, dentre outros. Um grupo de produtores e consumidores de cultura que historicamente é excluído da maior parte das políticas culturais que são estabelecidas.

Em 2021 iniciei um trabalho à frente da Direção Executiva do Centro Cultural Justiça Federal, onde encontrei um campo fértil para pensar e propor políticas que também contemplassem alguns destes grupos. Como exemplos citamos as ações realizadas para pessoas em situação de rua no espaço do Centro Cultural, e o projeto "Libertarte", em que levamos sessões de cinema, aulas de fotografia e atividades de corpo para dentro dos presídios femininos Oscar Stevenson e Talavera Bruce, num acordo de cooperação inédito assinado entre o Centro Cultural Justiça Federal e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro.

Sabe-se que as populações tanto em situação de rua quanto de encarceramento são extremamente vulneráveis e privadas de direitos, especialmente quando falamos de cultura. Nosso maior desafio é romper esta barreira e fazer com que estes públicos se sintam acolhidos, ouvidos, e dignos de uma programação cultural de qualidade. Por estar ligado ao judiciário, o Centro Cultural Justiça Federal possui uma responsabilidade ainda maior nisso. As iniciativas citadas compreendem o início de um amplo programa de inclusão e participação de um público muitas vezes excluído do acesso a instituições e práticas culturais.

Como gestora atuando no mercado cultural há 20 anos, entendo que são grandes também os desafios de quem pensará nos editais, prêmios e outras formas de seleção pública da Lei Paulo Gustavo. Municípios e estados estão correndo contra o tempo e convocando os agentes locais para consultas públicas que ajudarão a direcionar estes recursos, uma tarefa nada fácil considerando que o Brasil é um país de dimensões continentais, que abrange uma gama enorme de manifestações e expressões culturais.

Estamos saindo de um cenário devastador e inaugurando um momento muito positivo para a cultura e a construção de nossa identidade. Com planejamento e dedicação poderemos mudar a cara da cultura que é pensada, produzida e consumida no país. Que esta oportunidade sirva para ampliar o alcance das manifestações artísticas, e resulte na construção de uma política cultural plural e inclusiva de longo prazo.

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