Para ser sustentável, audiovisual deve diversificar modelos de negócio e internacionalizar projetos 

Dani Tolomei, M.M. Izidoro, Juliana Funaro e Marco Anton (Foto: Divulgação Rio2C)

A indústria do audiovisual, além de exercer um expressivo impacto econômico, é também um vetor de inovação que alimenta e influencia visões de mundo, valores e crenças. Contudo, diante das grandes transformações pelas quais o setor tem passado nos últimos anos, é necessário mudar a mentalidade, reajustar expectativas e rever premissas e modelos de negócios para impulsionar o crescimento do mercado. Essa foi a premissa que guiou o painel "Perspectivas da Indústria: Como Alcançar a Sustentabilidade Econômica no Novo Ecossistema de Mídia e Entretenimento?" realizado no Rio2C nesta quinta-feira, dia 6 de junho. 

Dani Tolomei, CEO e fundadora da TAV – Transformação Audiovisual, abriu o bate-papo e mediou a conversa. Para ela, um ponto importante a se considerar hoje em dia é que os quatro principais players da indústria global, que correspondem a 73% da rentabilidade, não fazem só audiovisual. Microsoft, Alphabet, Apple e Amazon vão além disso. "O ponto em comum entre essas empresas é que elas entendem exatamente o que o público quer e geram valor para o usuário. Isso é fundamental. Temos vício de achar que sabemos o que o público quer. Mas a gente não sabe – e nem sempre paramos para entender. O que não está funcionando são os nossos modelos de negócio, e não o mercado como um todo", opinou. 

Juliana Funaro, sócia e diretora executiva da divisão de entretenimento da Barry Company, concorda com a importância de diversificar os modelos de negócio, mas destaca o fato de que no Brasil o conhecimento da audiência não é tão profundo simplesmente porque não há dados: "Entender o consumidor é muito difícil. Há anos tentamos adquirir dados para tentar esse estudo. É claro que diversificar os modelos de negócio no Brasil e no mundo é fundamental. Temos que estar preparados e não depender de uma só estrutura de negócio. Mas gostaria que o País levasse a sério essa produção de dados". 

Manter o foco e romper padrões 

Já Marco Anton, sócio gestor da Boipeba Filmes, defendeu a necessidade de ter foco. "Toda produtora deve saber qual é seu modelo de gestão, onde quer chegar, quais são suas qualidades e diferenciais e trabalhar para potencializá-los. Não precisa necessariamente fazer de tudo", ressaltou. A Boipeba, por exemplo, não executa produção, e foca na parte de criação e desenvolvimento da história. "Estamos passando pela maior revolução tecnológica que a humanidade já viu, e ela vai passar feito um tsunami no nosso mercado. O que tínhamos como padrão olhando para traz nãos era referência para o nosso futuro. Por isso é tão importante manter o foco no que conseguimos fazer e somos bons fazendo. E ninguém vai surfar essa onda sozinho, por isso buscar alianças e parcerias para fortalecer ainda mais os pontos fortes e suprir os pontos mais fracos também é importante. Estamos vivendo num desconforto criativo que é bom – assim, conseguimos ajustar nossos modelos de negócio para surfarmos nessa onda e não morrermos afogados". 

Ainda pensando nesses "padrões" que o setor está acostumado a seguir, M.M. Izidoro, apresentador, produtor, roteirista, autor e diretor, pontuou como a cultura no Brasil manteve por muito tempo o foco no processo, que é a produção, e não no fomento, na busca de financiamentos de maneira saudável, em como fomentar equipes e público: "A produção foi bem resolvida. No auge da Ancine, produzíamos filmes o tempo todo. Mas como a gente vende? Especialmente nesse cenário de 'extrativismo cultural', onde as empresas gringas chegam aqui e falam: 'eu produzo o seu sonho, mas vou levá-lo comigo'. Estamos tentando entender como mudar esses lugares. E temos muito lugar para ir. Os maiores IPs infantis estão vindo do YouTube, por exemplo. A gente acha que todo mundo está na Netflix, mas não é verdade. No Brasil, a grande maioria está na TV aberta, no WhatsApp e no YouTube. E não nos streamings pagos. Por isso temos que pensar em outras maneiras de fazer". 

Internacionalizar e romper barreiras 

Em muitos desses painéis do Rio2C foi comentado o quanto o Brasil é um país extremamente criativo – no entanto, ainda não é uma plataforma global de produção e exportação de produtos. "Nós produzimos conteúdos de excelente qualidade com uma fração de custo do que é feito lá fora. Então por que não somos uma potência mundial? Nós temos qualidade de entrega. Então por que não conseguimos dar esse salto?", questionou Anton. Na produtora, o caminho que ele tem buscado é identificar histórias brasileiras, produzidas por brasileiros, mas que possam ser contadas mundialmente. "O Brasil como mercado tem um tamanho restrito. Mas hoje, compartilhar conteúdo não tem mais essa distinção. Quanto mais digital, menos fronteiras. Além das ameaças, temos que olhar para as oportunidades, e usar todas as plataformas globais disponíveis. Na Boipeba, temos esse filtro forte voltado a projetos internacionalizáveis", contou. 

Para Funaro, essa internacionalização e rompimento de barreiras por parte do Brasil vai começar a acontecer de forma mais expressiva quando o País tiver programas de cash rebate a nível nacional – hoje, só alguns estados brasileiros oferecem, como São Paulo e Rio de Janeiro. "É um atraso indiscutível – e ouvimos isso de todas as nações. É um déficit do mercado que, sem dúvida, impede que nossos projetos expandam lá fora", enfatizou. "Os programas de cash rebate são utilizados inclusive por grandes players. É a primeira coisa que devemos fazer se quisermos romper barreiras". 

Outro desafio nesse sentido levantado pelos especialistas é a inconsistência das políticas públicas no Brasil. "Não podemos montar um modelo de negócio que dependa delas, porque as mudanças acontecem em questão de anos, com uma canetada. É um cenário de total falta de previsibilidade. E diferente do resto do mundo, que tem essas políticas sólidas e entende o benefício da indústria para a economia", afirmou Anton. 

Identidade e investimento em capacitação 

Os profissionais trouxeram outros pontos que acreditam serem necessários para fortalecer o Brasil como indústria audiovisual sustentável. Izidoro chamou atenção para o fato de que o País é um meio sustentável no consumo de praticamente todas as mídias – os brasileiros consomem a própria música, os criadores de conteúdo, as novelas. Mas em cinema e série, o gap ainda é grande. "Para mim, isso parte do fato de que o Brasil não está se vendo na tela. Os filmes e as séries não estão conversando com o próprio Brasil. Fazer mais produções fora do eixo é um caminho para mudar isso. E não é só paulistas e cariocas irem filmar na Bahia. É importante que diretores baianos construam suas carreiras na Bahia e possam continuar trabalhando lá. Cada um tem que contar suas próprias histórias, de seus próprios lugares". 

Por fim, Anton mencionou o desafio da capacitação, de formar as pessoas que atuam e vão atuar nesse mercado. "As produtoras do Brasil têm de investir em qualificação, ainda mais diante dessas ameaças. Não podemos esperar que as políticas públicas o façam – estamos muito atrasados em termos de políticas públicas voltadas à educação. Teremos que fazer esse trabalho por conta. Correndo o risco de perder esses profissionais para fora, sim, mas devemos fazer. Caso contrário, não teremos escala para tornar essa indústria global", concluiu.

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