Entre outras distorções tributárias – até hoje em vigor – criadas pelos reguladores que então só entendiam do mercado de cinema e nada do mercado de audiovisual, instituiu-se, para taxar a incógnita futura, o mesmo conceito e valor fixo da tributação, antecipada, por filme a ser explorado em salas de cinema ou transmitido por televisão aberta. Tal taxa está hoje na casa dos R$ 7.300 por longa metragem estrangeiro e 20% deste valor para filme brasileiro (refiro-me à tributação conhecida por Condecine-título, ou Condecine-registro).
Tal tributação antecipada e de valor pré-pago tão elevado jogou na ilegalidade uma variedade de operações de video non-theatrical (sessões públicas sem cobrança de ingressos) em escolas, navios e plataformas de petróleo e oprimiu, por anos, o florescimento do mercado de video sob demanda brasileiro, no lugar de estimulá-lo.
Consequentemente, a tributação oprimiu também a circulação da produção cinematográfica pelo país, que vivenciou no mesmo período a decadência dos videoclubes e o sempre insuficiente número de salas de cinema na maioria absoluta dos municípios. O furor tributário equivocado resultou num imenso prejuízo econômico-cultural.
Num futuro nada longínquo da MP de 2001, em agosto de 2002 – três anos antes do surgimento do youtube – eu lancei por aqui a primeira plataforma profissional de streaming de filmes brasileiros, o PortaCurtas, com 1300 filmes de curta-metragem selecionados, disponibilizados gratuitamente ao público por meio de um patrocínio da Petrobras. A iniciativa do PortaCurtas fez sucesso, por longo tempo, no entanto, como outras, nasceu e foi mantida até hoje sob um ambiente de completa insegurança jurídica – situação aliás comumente imposta pelo Brasil aos seus empreendedores de inovação.
Mas como Deus é brasileiro, alguns empreendedores teimam em peitar os equívocos da legislação e prosseguem com seus projetos de evidente interesse sócio-econômico-cultural – apesar da cegueira e morosidade dos reguladores da última década em perceber e agir conforme o que ocorre no Mundo e por aqui.
Assim, com largo atraso em relação aos mercados nos EUA e na Europa, algumas plataformas de video sob demanda brasileiras foram aos poucos abrindo suas portas e se consolidando, sempre na condição de refens das agências reguladoras que, num ataque de mau humor, poderiam lhes impor multas mirabolantes e/ou determinar a inviabilidade da operação pela exclusão da maioria dos filmes de cauda longa – que não teriam capacidade de recuperar em prazo razoável a elevada taxa antecipada obrigatória.
O setor do audiovisual vai muito bem obrigado, após o sucesso da implantação da Lei da TV Paga a 12.485, de 2011, pela qual as empresas de telecomunicações passaram a contribuir em conjunto com perto de R$ 1 Bilhão por ano para o desenvolvimento de variadas atividades do mercado audiovisual. Vamos combinar que nenhuma outra tributação adicional seria necessária para sustentar o atual desenvolvimento do setor no Brasil.
Ainda assim, agora em que finalmente o Conselho Superior de Cinema trabalha na revisão dos equívocos do passado com a tributação das operações de video sob demanda, e esperávamos uma merecida alforria, parece que um festival de besteiras assola novamente o país.
Uma das soluções que vêm sendo debatida e, pelas notícias recentes, ganhando algum consenso, parece a pior de todas: apelidada de "CONDECINE CATÁLOGO", pretende taxar as plataformas conforme o maior volume de títulos disponibilizados, sendo que com até desprezíveis 500 títulos a plataforma estaria isenta da tributação.
Ora, mas que bobagem! Como podem os senhores e senhoras num Conselho Superior, do Ministério da Cultura dirigido pelo brilhante Sr. Sergio Sá Leitão, considerarem como plausível uma medida que desestimula a oferta de maior variedade de títulos, de um maior número de conteúdos. à sociedade brasileira?
Parece que o furor tributário – outra mania dos reguladores brasileiros – pode cegar, severamente.
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