Realities de sobrevivência voltam a ser tendência na televisão brasileira

Tribo

Parte da programação da TV brasileira há mais de duas décadas, os reality shows estão presentes nas grades dos canais abertos e fechados e podem ter como foco diferentes gêneros, tais como moda, beleza, música, gastronomia e convivência, entre outros. No entanto, no último ano, o destaque do formato são os programas com foco na sobrevivência, isto é, com provas, dinâmicas e desafios que colocam os participantes em condições adversas – os mesmos devem enfrentar situações envolvendo questões como fome, sede, frio e resistência física. O "No Limite", da TV Globo, e o "Largados e Pelados", do Discovery, são exemplos de cases do gênero. 

"Os realities, cada vez mais, são um reflexo da nossa sociedade. O público se envolve porque se vê representado nos participantes – as histórias de vida comovem, as atitudes dos jogadores geram sentimentos extremos no espectador", analisa Renato Martinez, VP de Content Sales e Aquisitions da Endemol Shine Brasil. "Além disso, com o engajamento das redes sociais, a força dos realities aumentou significativamente, porque as pessoas comentam em tempo real o que acontece, dão opinião enquanto estão assistindo, debatem sobre o jogo e sobre tudo que acreditam e isso é colocado em evidência dentro de um experimento social como esses. No Brasil, reality show é o gênero de conteúdo mais comentado nas redes sociais, segundo o Kantar Ibope", completa. 

Temporada atual de "No Limite", em exibição pela TV Globo

Formatos de competição e sobrevivência 

Um exemplo desse sucesso é o "Survivor", formato original da Banijay que já foi produzido em mais de 40 países e tem um histórico de destaque de audiência desde o seu lançamento até os dias de hoje. Atualmente o "No Limite", que é a adaptação brasileira deste formato, está de volta ao ar e, em três semanas, foi assistido por mais de 62 milhões de pessoas na TV Globo. "O 'No Limite' é um reality que conversa com diversos públicos: tem o pessoal que era fã em 2000, mas também tem toda uma geração que não sabe o que é, muitos nem eram nascidos. Afinal, temos aí um hiato de mais de 20 anos desde a primeira edição. E nós queremos conversar com todos eles, queremos que todos participem dessa aventura com a gente", afirma LP Simonetti, diretor artístico do programa. "Mas mesmo depois de tanto tempo, acredito que as principais características de 'No Limite' – a competição, a superação e a sobrevivência correndo pelas veias – são atemporais, tanto que o formato é um sucesso há tantos anos", acrescenta. 

Lidar com os altos e baixos de uma relação em um desafio durante dias a céu aberto e sem roupa: esta é a proposta do reality "Se Sobreviver, Case", que já teve duas temporadas exibidas pelo Multishow – a mais recente delas chegou ao fim na última semana – e tem uma terceira confirmada. "O 'Se Sobreviver', Case' é um teste de relacionamento nunca visto. Nele, a vida amorosa de quatro casais, em diferentes estágios da relação, é colocada à prova para descobrirem se estão aptos ao casamento. A cada temporada escolhemos um bioma diferente. Na segunda temporada, por exemplo, os casais estiveram em uma reserva ecológica com praias e cachoeiras. Eles foram diariamente submetidos a situações que testam o emocional e a convivência com o parceiro. Independentemente do tempo de relação, é aí que os casais conhecem a fundo um ao outro e decidem se estão prontos para encarar o casamento", explica Christian Machado, diretor de conteúdo do Multishow. Ele acredita que, para os casais participantes, o grande atrativo do programa seja viver esse teste extremo de relacionamento – tanto pela vontade de experimentar participar de um reality quanto por se atraírem pela ideia de passarem por isso juntos. Já para o público, as condições diferentes a que o programa submete a convivência dos casais é um dos grandes chamarizes. 

Álisha e Gerson, participantes da segunda temporada de "Se Sobreviver, Case"

Conforme dito por Martinez, da Endemol, o público dos reality shows é muito ativo nas redes sociais – por isso elas são parte fundamental da estratégia que os canais adotam para os programas do gênero. "Temos um olhar atento aos comentários e sugestões, que acabam sendo refletidos em nossas escolhas editoriais. No caso de reality, uma verdadeira paixão nacional, o digital amplifica muito o alcance do público e no permite pensar em conteúdos complementares que façam sentido para cada plataforma", pontua Machado, do Multishow. Como exemplo, o diretor menciona um projeto digital recém-lançado em parceria com a Skol, "O Reality Que Eu Vivo". Nele, o Rafael Infante vive um especialista em realities e comenta as atrações que o canal tem na grade – incluindo o "Se Sobreviver, Case". O Multishow também lançou um especial no YouTube com a dupla do Diva Depressão fazendo react dos episódios do mesmo reality. 

Coprodução da NBCUniversal com a Lighthouse e Nightshift Filmes, o reality "Juju Boot Camp", exibido pelo canal E!Entertainment, foi o primeiro formato de competição do E! no Brasil, além de ser o primeiro dedicado a mulheres fitness no mundo. O programa se passa em meio à natureza, com as participantes confinadas em um local recluso e com cenário militar. Na dinâmica da atração, elas enfrentam então provas eliminatórias no circuito do "Boot Camp", que consistem principalmente em desafios físicos. Ao final, a vencedora recebe, além do título de "nova musa fitness do Brasil", um plano de gerenciamento de carreira e prêmios para manter sua rotina de cuidados com o corpo e alimentação, como suplementos e parcerias com academias. Atualmente, o canal prepara uma segunda temporada do reality, que terá um circuito remodelado e participantes que, juntas, chegam a 4,7 milhões de seguidores no Instagram. A nova temporada também irá mostrar mais da vida de cada uma delas. 

"Reality show é um formato que definiu gerações. Existem muitos sub formatos dentro da categoria e, cada vez mais, as pessoas estão buscando ver a realidade das pessoas – famosas ou não. As próprias redes sociais mostram a importância do gênero, já que as pessoas acabam mostrando suas vidas e talentos ali", analisa Marcello Coltro, Senior Vice President, Affiliate Relations, Marketing & Creative da NBCUniversal Latam. "No caso de 'Juju Boot Camp', ter uma apresentadora de grande credibilidade na indústria fitness ajudou muito. Juju Salimeni construiu uma plataforma de empoderamento da mulher e conquistou um lugar de grande destaque em um mundo antes liderado por homens. As mulheres estão mostrando que podem superar obstáculos através dos exercícios físicos e que são fortes emocionalmente e fisicamente", diz. 

Juju Salimeni em "Juju Boot Camp"

Tradição x Tendência 

O Discovery tem uma tradição com os realities de sobrevivência. Um dos destaques é "Largados e Pelados" – uma das maiores audiências do canal, está no ar desde 2013 e já gerou spin offs como "Largados e Pelados – A Tribo", uma versão mais extrema do desafio, e "Largados e Pelados: Sozinhos". Na dinâmica do original, os participantes têm o desafio de sobreviver 21 dias em um ambiente isolado e inóspito, sem roupas e tendo de providenciar comida, água e abrigo. No momento, o canal prepara uma versão brasileira. Com as inscrições já encerradas, foram quase 19 mil interessados em participar. "As expectativas são as melhores possíveis. Poder trazer para os super fãs da série uma versão local era um sonho antigo. E logo traremos mais novidades", adianta Mônica Pimentel, VP de Conteúdo da Discovery Networks Brasil. Para além do "Largados e Pelados" e derivados, outros programas de sobrevivência na grade do Discovery são "Desafio Selvagem: 100 Dias no Alasca", "À Prova de Tudo", "Ed Stafford, o Sobrevivente", "Desafio em Dose Dupla", "Desafio em Dose Dupla Brasil" e "Menu Selvagem", que voltará a ser exibido aos sábados, em julho. 

A partir da bem-sucedida experiência do canal com os realities de sobrevivência, Pimentel reflete: "Com toda a tecnologia e a previsibilidade do mundo moderno, as pessoas estão se sentindo desconectadas da natureza e tudo é muito previsível. O Spotify toca suas músicas prediletas, o Waze mostra seu caminho, o Facebook diz quem são seus amigos. Os ganhos com a tecnologia são inquestionáveis, mas com tanta previsibilidade não há surpresas. E o ser-humano gosta de ser surpreendido. Estes programas nos transportam de volta a um estado primitivo, um escape desse mundo onde tudo é tão controlado. Além disso, traz uma série de valores que a audiência aprecia e consegue captar. Por exemplo: determinação e estratégia para atingir metas pessoais e profissionais; estabilidade física e afetiva: aprender como as pessoas lidam em situações extremas, em equipe e se inspirar para lidar melhor com as próprias emoções; positividade: ver o lado simples da vida; respeito: como lidar com pessoas diferentes, enfim… além de entreter, traz uma série de aprendizados que vão muito além de descobrir como fazer fogo na floresta. Não é por acaso que 'Largados e Pelados' tem um grande índice de co-viewing – pessoas que assistem a série junto com a família". 

Para a Discovery, os programas de sobrevivência são parte de seu DNA, uma vez que o canal exibe atrações do gênero desde 2004, com "Survivorman" com Less Stroud. "A Discovery se orgulha de ser a líder global em programas da vida real, e isso está refletido também no nosso conteúdo de sobrevivência. O que retratamos são situações verdadeiras vividas por pessoas experientes no assunto – somente experts são capazes de lidar com os desafios de uma experiência verdadeira de sobrevivência. Eles precisam achar água e comida, fazer fogo, montar abrigos e tudo o mais necessário para sobreviver, contando com o mínimo de recursos. Nossos participantes são especialistas no assunto, gente que vive isso no seu dia a dia. Ed Stafford, por exemplo, percorreu toda a extensão do Rio Amazonas a pé. É disso que estamos falando, sobrevivência 'raiz', mostrando as habilidades necessárias para superar os desafios. Além disso, nenhum canal tem a variedade de títulos e o volume de conteúdo de sobrevivência que nós temos", finaliza a VP de conteúdo. 

Cena da versão original de "Largados e Pelados"

Análise 

"A característica principal desse tipo de formato é tirar os participantes da zona de conforto, levá-los a situações de superação. Eles são colocados em circunstâncias fora do comum para quem vive nos grandes centros urbanos, ficam isolados em meio a natureza selvagem – normalmente só com a roupa do corpo e algumas poucas ferramentas básicas – precisam lutar por comida e água e cumprir algum grande desafio em equipe para chegarem ao final", descreve Martinez, da Endemol. "A audiência se interessa justamente por ser algo muito diferente do cotidiano, é como se pudéssemos assistir a vida dos nossos antepassados distantes, ficamos curiosos para saber como os jogadores irão lidar com o cansaço, as necessidades fisiológicas, o clima, o trabalho em equipe e, principalmente, a pressão psicológica", observa. 

Para ele, o clima e as intempéries do tempo são um desafio inerente às produções desse tipo: "Pelo fato de não estarmos em um estúdio e mais distantes de locais com estruturas prontas, esse tipo de formato demanda uma pré-produção mais cuidadosa nesse sentido. Mas a Endemol Shine Brasil é reconhecida por produzir realities, somos especialistas nisso. O que facilita a produção de conteúdo de não-ficção é que não necessariamente precisamos de tantos profissionais in loco para a sua realização, e conseguimos adaptar as fases de pré e pós de forma remota se for necessário. As entregas sempre funcionam muito bem, mesmo para grandes produções". 

Martinez argumenta que os realities por si só já são uma tendência há anos e que isso segue, pois existem muitas possibilidades de inovação, mas, sem dúvidas, o gênero de sobrevivência está voltando com tudo no Brasil. "Existem formatos que já fazem muito sucesso lá fora, como 'The Island' ou 'Into The Wild With Bear Grylls', e que estamos planejando trazer para cá, pois nosso país é uma locação perfeita para gravações em meio a natureza. Temos clima tropical e cenários incríveis, com uma grande diversidade de biomas, como florestas, cerrado, praias, montanhas… Isso sem falar na coragem e determinação dos brasileiros, que encaram qualquer desafio e são apaixonados por reality show. Nossas produções têm sempre muita procura para participar. Sabemos que teremos recordes de audiência, como acontece nos EUA e em diversos países da Europa", conclui. 

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui