Brasil deve apostar em coprodução internacional visando vantagens financeiras, criativas e estratégicas

Ana Cecilia Springefeldt, Sabrina Bogado, Eduardo Lurnel e Felipe Sholl (Foto: Divulgação Rio2C)

Um painel realizado no último sábado, dia 8 de junho, no Rio2C, se propôs a analisar a importância das coproduções e alianças estratégias no atual momento do audiovisual, que é marcado por uma escassez de recursos e competição acirrada. "Com as fusões globais, também existem menos players. Retomamos as políticas públicas, mas ainda assim falta. Os Estados Unidos nunca estiveram tão abertos a parcerias. O mundo todo está buscando outros caminhos por causa dessa situação diferente. Coproduções eram mais esporádicas, talvez agora não sejam tanto. Estamos sempre respondendo às transformações, mas é hora de sermos protagonistas dessas mudanças", introduziu Ana Cecilia Springefeldt, mentora, curadora e consultora audiovisual, que moderou o painel. 

Para debater o assunto, a mesa reuniu produtores com diferentes experiências no setor. Um deles é Felipe Sholl, diretor, roteirista e produtor e ainda sócio da produtora Maravilha – uma empresa recente, fundada em 2020, que ainda está na classificação de "nível 1" da Ancine. "Quando fundei a produtora, a ideia era aproveitar o que acho que é meu bem mais valioso, minhas ideias como roteirista, e transformar a empresa em uma produtora de desenvolvimento. Quando apresento ideias, tento já colocar a Maravilha como coprodutora. E futuramente espero que possamos produzir nossos próprios filmes", contou. No próximo ano, a Maravilha fará seu primeiro longa, com recursos oriundos de edital. 

Vantagens financeiras, estratégicas e criativas  

Sobre as coproduções, Sholl afirmou: "Sempre gostei, mas nesse momento é necessário. Eu conheço algumas tarefas do lado produtor, mas tem outras áreas que não domino, como gestão de orçamentos e o trato com a Ancine, por exemplo. Por isso no nosso novo projeto nos associamos com a Inquietude, outra produtora independente do Rio". Para ele, o trabalho em coprodução parte de algumas premissas, como essa de se associar a produtoras que complementem suas expertises. "E estamos ativamente procurando coprodução internacional. Pelo lado financeiro, claro, mas também pelo estratégico, que passa pela ajuda para entrar em festivais estrangeiros, por exemplo, e o lado criativo. Minha história é brasileira, e o produtor de fora vai saber falar 'do ponto de vista daqui esse outro jeito funciona melhor'. E ainda queremos uma grande coprodutora brasileira, como Globo Filmes ou Telecine. Mais uma vez, por essas três razões. Pelo financeiro, porque completar o orçamento é difícil. Pela estratégia, contando com ajuda no lançamento. E a criatividade – novos parceiros se envolvem criativamente também, o que contribui muito para o filme", explicou. 

Para o futuro, o roteirista quer crescer a Maravilha, e mira inclusive a produção de séries para o streaming, por exemplo. "Nesse caminho, coproduções serão essenciais. Trabalhar com outras produtoras também ajuda a dar musculatura para a minha".  

Nesse sentido, Springefeldt pontuou como a Ancine, nos moldes atuais, não leva a produção nacional a ter tantas coproduções dentro do próprio Brasil, uma vez que os projetos podem ter somente um proponente e a coprodutora não pontua: "É um desestímulo. Precisamos mudar isso. Seria um salto para o mercado". 

Desdobrando filmes em produtos derivados 

Eduardo Lurnel trabalhou na própria Ancine, como assessor da diretoria colegiada, por mais de dez anos. Hoje, é sócio-diretor da Pé de Moleque Filmes, e atua como produtor executivo. O curta "Meu Nome é Maalum", do qual assina o roteiro e a produção executiva, é um dos principais cases da produtora – o projeto percorreu um extenso circuito de festivais e conquistou uma série de prêmios, como 12º ANIMAGE – Festival Internacional de Animação de Pernambuco e 21ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis. A história é baseada em um livro e, em breve, ganhará um novo desdobramento, dessa vez em série animada. 

A produtora existe desde 2016, mas também é "nível 1" na classificação da Ancine. "Com o processo de interrupção das políticas públicas no governo anterior e as outras mudanças todas, nos reorganizamos a partir de outros caminhos. Produzimos o curta a partir da Lei Aldir Blanc e ele se desdobra em outros produtos derivados dessa mesma marca", disse o produtor, que destacou ainda a diversidade como um dos principais ativos da Pé de Moleque, que busca trazer equipes e elencos diversos para contar histórias diferentes das que já estão sendo contadas. No cenário atual, com a retomada do FSA, os fomentos da Ancine, a Lei Paulo Gustavo em estados e municípios e o retorno do público às salas de cinema, Lurnel afirmou que ainda está tentando entender como as coisas vão evoluir, especialmente no cinema, e reforça: "O fomento tem que estar em todos os lugares para que o cinema e o streaming possam coexistir"

Em sua fala, o produtor trouxe uma apresentação que mostra como o fomento está funcionando dentro da agência regulatória hoje – e justamente por seu conhecimento do assunto graças à experiência dentro da Ancine, ele reconhece que o modelo atual está longe do ideal e evidencia ainda outros problemas do setor. "85% dos projetos enviados para o FSA não são nem lidos. Ainda há muita concentração de recurso, o market share do cinema brasileiro é muito baixo, a regulamentação do streaming ainda não saiu e a Pay TV luta contra a queda de assinantes", alertou. 

A empresa, claro, também tem buscado fazer associações, sendo uma das principais com a Tijuca Filmes. Um dos principais cases é o projeto "Gambiarra – O HD de Espadas", um média-metragem que está disponível no YouTube. "Com a interrupção das políticas públicas, procuramos alternativas para tentar valorizar a marca e desenvolvemos produtos derivados, como tirinhas para a internet e graphic novel. Isso fez com que a marca não parasse de se apresentar ao público. Depois, conseguimos acessar novos recursos, como um edital da Rio Filme, e estamos trabalhando num longa, pensando em pré-licenciamento também, e novos produtos derivados. O caminho é entender onde podemos ganhar dinheiro em múltiplas possibilidades, pensando no nosso negócio a partir do resultado do que a gente cria", definiu. 

Coprodução ajuda a construir obras que viajam 

A experiência de Sabrina Bogado, produtora e diretora executiva da Levante Filmes, especialista em coproduções internacionais, é um pouco diferente. A Levante é uma produtora de "nível 4" e está há quase 20 anos no mercado, produzindo longas para cinema, séries, animação, documentário e ficção. "Nosso modelo de negócio acabou indo para quase 100% de coproduções internacionais", afirmou. No portfólio, estão títulos como "Hugo e Serena", "Siesta Z", "Sangre", "Ele não sabia histórias" e "Nauel e o Livro Mágico". 

As coproduções começaram com a América do Sul e evoluíram para projetos com países como Itália e Espanha. "A coprodução internacional funcionou especialmente pela liquidez das obras. Nessa divisão de trabalho, enquanto estou produzindo um filme, meu parceiro está fazendo o roteiro do próximo, por exemplo. Então não preciso ter uma grande estrutura in house ou capital e estrutura física tão grandes. É um modelo que funciona financeiramente e também pensando na qualidade das obras. Dentro das narrativas, conseguimos construir histórias que viajam. Quando tem mais de um país envolvido, os artistas e os técnicos agregam e enriquecem o produto", ressaltou. Para Bogado, muitas obras brasileiras ainda trazem signos e símbolos que os estrangeiros não entendem, por isso não conseguem viajar. Por fim, ela falou também sobre a limitação técnica do Brasil em relação a equipamentos – outro problema que as coproduções internacionais ajudam a solucionar. 

Para Lurnel, a questão da língua já foi superada como hipótese do porquê os filmes brasileiros não viajarem. "O streaming provou isso", salientou. "Nossos produtos têm qualidades técnicas e narrativas. Só precisamos encontrar os melhores caminhos", concluiu. 

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