No D2C, programadoras buscam parcerias de produção, distribuição e ofertas combinadas

Com a multiplicação na oferta de serviços de streaming, muitas programadoras passaram a ser aventurar no universo D2C (direct-to-consumer), lançando plataformas com ofertas diretas ao consumidor. Neste contexto, já é possível avaliar o que deu certo, o que não deu e onde estão as oportunidades? "O cenário ainda é de incertezas – elas são naturais e permanecerão por muito tempo. Ainda é tudo muito novo, o mercado está em ebulição. Mas há muitas oportunidades, especialmente para parcerias estratégicas de produção e distribuição. Veremos muita coisa boa acontecendo nesses segmentos. A expectativa é muito positiva", definiu Eldes Mattiuzzo, diretor geral do Telecine, durante o painel que abriu o segundo dia do PayTV Forum 2021 – evento virtual promovido pelas publicações TELETIME e TELA VIVA – nesta terça-feira, 10 de agosto. 

O Telecine foi uma das programadoras pioneiras no mercado nacional de streaming D2C. "O motivo que nos fez entrar nesse meio foi o mesmo de todo mundo: a mudança tecnológica, que praticamente nos empurrou para o streaming e o consumo on demand, além das novas gerações de consumidores, que demandam cada vez mais esse tipo de produto. Como experiência inicial, foi um grande sucesso", conta Mattiuzzo. No entanto, ele reforça que tão importante quanto atender esse novo público do streaming é continuar cuidando bem do assinante de TV linear, que segue representando uma parcela significativa. "Depois de quase três anos, entendemos que esses mundos se complementam. Hoje, não nos definimos como uma marca de canais lineares e serviço de streaming, e sim como um hub de cinema. Oferecemos cinema, independente de onde ele é consumido. Nosso esforço é para unir esses dois universos e fazer com que o assinante nos reconheça dessa maneira", diz o diretor. 

Na prática, a união do streaming com o linear pode funcionar da seguinte maneira: o consumidor começa a assistir um filme que está passando na TV e, por alguma razão, não consegue vê-lo até o final. Então, ele pode procurar o título no streaming do Telecine para terminar depois. "Fora isso, tem muita gente que prefere nossa curadoria de programação no linear, que não quer perder tempo escolhendo o que assistir no on demand", completa o executivo. Por outro lado, ele vê o streaming crescendo cada vez mais – quase metade do consumo da marca hoje é via streaming. "Essas pessoas precisam de agregação, porque não dá pra consumir individualmente todos os serviços, ficaria muito caro. Aí entram nossos parceiros, que oferecem nossos conteúdos junto de outros. É algo que faz cada vez mais sentido", destaca. "O consumidor de streaming hoje é tão relevante quando o de linear". 

Parcerias seguem relevantes 

Mattiuzzo ressalta que o Telecine tem estratégias de distribuição baseadas em parceiros – as operadoras, principalmente – e que o desejo é fortalecer cada vez mais esses laços. Rogério Francis, VP de distribuição da ViacomCBS, concorda. O grupo de mídia vem adotando uma estratégia clara de intensificação de suas ofertas digitais, com os recentes lançamentos de Pluto TV e Paramount+, por exemplo. "A Viacom é uma empresa tradicional; entretanto, ela entendeu essa demanda do consumidor por conteúdos digitais. Precisamos achar a mecânica ideal de entregar para esse público. Para isso, vamos olhar para todos os parceiros. A ideia é deixar o consumidor assinar nossos produtos por qualquer meio. A estratégia é a expansão – não só no D2C", declara. 

A Newco/Band, que não trabalha com ofertas diretas ao consumidor, prioriza ainda mais essa boa relação com os parceiros. Newton Suzuki, diretor de distribuição e trade marketing do grupo, comenta: "Sempre entendemos que, no nosso mercado, temos que ter o operador no meio do processo. Nós começamos com ele e essa parceria tem que ser preservada. Não temos a estratégia de trabalhar direto com o consumidor final. Nosso negócio é B2B2C. Somos uma empresa pequena, teria que investir muito em marketing e comunicação para chegar direto ao consumidor". O diretor prossegue: "Nosso canal já é muito demandado em todas as operadoras. Podemos dizer que 100% delas carregam alguns de nossos canais; 70% carregam todos". Nesse sentido, Suzuki revelou ainda que o lançamento de uma plataforma com os canais do grupo para atender o consumidor final de operadoras pequenas e ISPs está nos planos a curto prazo da empresa. 

O poder do consumidor 

O Grupo Globo começou a trabalhar com D2C em 2015, com o lançamento do Globoplay. De lá pra cá, foram muitas lições e aprendizados, mas o mais importante deles, segundo Teresa Penna, diretora de soluções para produtos e serviços digitais da Globo, foi entender que toda essa estratégia de negócio deve ser focada no usuário: "O consumidor tem um poder enorme. A gente tem que oferecer de tudo para ele escolher. É ele quem escolhe, nós não ditamos nada. O poder nunca pendeu tanto para o lado do consumidor. E a vantagem não está necessariamente no produto novo, e sim naquele que responder melhor a demanda do consumidor, que quer empacotamentos relevantes, preço justo e atendimento de qualidade. O poder que o consumidor tem é o grande diferencial desse novo mundo". 

Mas, afinal, quais são as demandas do consumidor? Para a executiva do Grupo Globo, em primeiro lugar vem o preço baixo – uma busca que sempre existiu, em todas as áreas; Depois, aparecem conveniência e praticidade – o consumidor quer assistir o que ele quiser, na hora que ele quiser (em qualquer momento do seu dia) e em qualquer tipo de dispositivo. Francis, da ViacomCBS, concorda e enfatiza: "O consumidor quer preço baixo, isso é algo sensível para ele, além de conteúdo de qualidade na hora que ele deseja. Não tem muita matemática, é algo bastante simples. O público quer ver o programa que ele gosta na hora que ele quiser. Ele valoriza a possibilidade de estar dentro de uma casa, com várias pessoas, cada uma assistindo a um conteúdo diferente no dispositivo de sua preferência. E ele também gosta de ser o primeiro a assistir. Aí entra a conexão do VOD com o linear. O linear ainda tem sua demanda e vai continuar tendo". 

Diante desse cenário, Francis resume que a atual estratégia do grupo de mídia é entregar um produto de qualidade para o consumidor e escutá-lo. "Nós sempre buscamos entender a audiência mas, agora, não estamos falando só de audiência, e sim do consumidor em si. Entendê-lo é algo que nossos parceiros, as operadoras, faziam. Nós pensávamos só no conteúdo. Nossa missão se tornou entregar todo o nosso conteúdo para qualquer brasileiro – seja por meio do Pluto, que é gratuito; seja pelo Paramount+, que é premium; sem esquecer dos canais lineares. É uma estratégia bem definida: entregar todo nosso conteúdo", salienta. Segundo o executivo, a velocidade de entrega na medida do desejo do consumidor é o novo "tradicional" hoje em dia. 

Teresa Penna acrescenta ainda a questão do dinamismo do consumidor da atualidade: "Tem muito player bom chegando. O consumidor pode assinar um, cancelar o outro, assinar de novo. Tem muita liberdade. Temos que nos acostumar com esse dinamismo, em que o cliente entra e sai a hora que ele quiser". Para ela, o grande desafio dos agregadores é oferecer tudo que o público quer. "Agregadores precisam atender a demanda do usuário e nosso papel é estar preparado para as movimentações da indústria. É claro que eu não quero ficar para trás, mas não sou eu quem vai ditar as regras. É o consumidor. Os diferentes modelos coexistirão com um financiando o outro. Talvez seja assim pra sempre". 

Desafios do D2C 

As programadoras – como Globo, Telecine, ViacomCBS – precisaram passar por uma série de mudanças e adaptações a partir do momento em que decidiram oferecer produtos diretamente ao consumidor – que, conforme Penna ressaltou, é quem dita as regras desse jogo. Mattiuzzo, do Telecine, afirma que o processo não foi fácil: "Transformar uma programadora de TV tradicional em uma empresa digital foi um grande trabalho, que passou por desenho de jornada do cliente e mudanças de produto, de tecnologia e organizacionais. Trouxemos skills diferentes para empresa, como data science e digital marketing. Todos passamos por isso: incorporar novas competências do mundo digital no que tradicionalmente era uma empresa só de conteúdo, transmissão e marketing. Foi uma grande mudança". Por outro lado, ele assume que o histórico e construção de marca feita no passado ajudaram nessa nova fase. "Tínhamos que aproveitar nossa experiência de aquisição de conteúdo, curadoria humana e habilidade de programação para o mundo do streaming. Esse é nosso grande valor. Não aproveitar isso seria rasgar dinheiro". 

O Telecine, em particular, tem como asset o conhecimento de cinema – e, de acordo com Mattiuzzo, é isso que o diferencia no desafio da concorrência no streaming: "Não queremos competir na mesma arena de Globoplay, Disney e Amazon. Nossa marca está ligada ao cinema, não podemos concorrer com esses players da mesma forma. São diferentes investimentos e volume de conteúdo. Nós competimos sendo o maior especialista em cinema do Brasil. Somos líderes em aquisições e curadoria. O Conhecimento em cinema nos diferencia. E o filme é só o começo – como diz nossa campanha. A gente ajuda a escolher, temos cinelists diversas, que facilitam a navegação e reduzem o tempo de escolha, além de conteúdos extras, como programas e trailers. Assim, somos um serviço sem a mesma amplitude de um Globoplay, mas que para quem gosta de cinema faz muito sentido". 

Na Viacom, por sua vez, o grande desafio foi comunicar corretamente ao consumidor as diferenças de cada um dos seus produtos: Pluto TV, que é gratuito, agrega conteúdos de diversos parceiros e conta com intervalos publicitários na programação; o Paramount+, um serviço de streaming premium com conteúdos novos e lançamentos constantes; além dos canais lineares da Pay TV. "Nosso departamento de marketing estuda o consumidor e sabe direcionar essa comunicação de forma correta, nos lugares corretos. São planos de comunicação diferentes", conta Francis. 

Já na Globo, foi necessário desenvolver competências que antes eram das operadoras, num processo caro, complexo e trabalhoso, segundo Penna. "O trabalho foi colocar o CRM na veia mesmo, entender toda essa complexidade do que o consumidor quer, mapear seus hábitos de consumo, perfil de compra, pra oferecer um novo tipo de oferta. Uma experiência que foi totalmente nova pra gente. Tivemos que contratar novas pessoas do mercado. Criar esse tipo de competência D2C, que antes era muito bem separado, não éramos nós que fazíamos, foi um dos maiores desafios". No entanto, ela garante que foi um grande aprendizado. Nesse caminho, o Globoplay lançou parcerias com Disney, Deezer e Mercado Pago, por exemplo, e cada uma delas envolveu um novo tipo de integração. "Criamos uma nova arquitetura tecnológica para integrar com qualquer tipo de canal, como telco, varejista, banco. Isso foi fundamental. Foi custoso e trabalhoso também, envolveu um time de desenvolvimento robusto. Mas possibilitou, por exemplo, desenvolver a parceria com a Disney num prazo de três semanas. Trouxe mais agilidade pra gente, algo essencial no D2C". 

A questão do churn 

O churn – que já é um problema na TV por assinatura – também é um ponto sensível nas plataformas de streaming. Nesse meio, é ainda mais complicado, uma vez que é muito mais simples cancelar uma assinatura de streaming do que um pacote de TV. Para Mattiuzzo, do Telecine, o cliente digital é muito mais volátil do que o do linear, justamente por conta dessa facilidade de cancelar o serviço. "Nossa estratégia é criar relevância não só de conteúdo, mas de produto, para nos mantermos entre aqueles quatro ou cinco serviços que o consumidor elege como seu pacote básico de consumo. Até porque ele não assina só plataformas de vídeo – tem música também, por exemplo. Tem que tentar ser relevante o suficiente para determinada camada da população que se identifica com o produto e, para essas pessoas, temos que seguir nos fazendo relevantes o tempo todo", analisa. "Já para aquele cliente que vai e volta, o desafio é identificar quais são os conteúdos que fazem sentido para ele, para tentar retê-lo. Aí que entra a ciência de dados na qual a gente tanto investe – e é muito importante. Ela nos ajuda a oferecer conteúdo relevante pro cliente o tempo todo. Não necessariamente conteúdo novo, mas tem que ter link com o que ele já consome. Algoritmo de recomendação que funcione bem e comunicação eficiente são os caminhos", completa. 

Para Penna, o mercado até pouco tempo atrás olhava muito para aquisição e pouco para retenção – e esse foi um dos aprendizados do grupo desde a entrada na venda de produtos digitais D2C. Ela ressalta que há dois tipos de churn: o voluntário, quando o cliente decide cancelar a assinatura, e o involuntário, que está ligado ao pagamento – quando o cartão de crédito do cliente não passa, por exemplo. "É necessário ter uma cadeia de pagamento eficiente. No mundo digital, qualquer falha no pagamento pode causar churn. E vimos que esse churn involuntário estava ficando muito alto. Aí, percebemos que precisávamos participar ativamente do pagamento, sendo protagonista, e não terceirizando. Mudamos toda a cadeia e arquitetura de pagamento. Fizemos ainda um desenvolvimento de machine learning para entender o melhor momento de cobrar esse cliente. É um trabalho de inteligência e que requer dedicação". A executiva diz que o churn do Globoplay hoje não é tão baixo quanto numa operação de TV por assinatura, mas que é bem controlado, considerando uma operação D2C. 

"O que segura o usuário mais do que promoções são as parcerias – quanto mais produtos o usuário usar, menor a probabilidade de ele sair", observa Penna. Como exemplo, ela cita os combos Globoplay + Disney ou Globoplay + Deezer. "São ofertas complementares. O fato de o consumidor ter à disposição um leque de oportunidades ajuda a segurá-lo", conclui. 

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