Medidas Provisórias do Audiovisual fizeram mais do que prorrogar os mecanismos

Em 2017, o Governo Federal editou duas Medidas Provisórias direcionadas ao Setor Audiovisual, tendo como objetivo a prorrogação do prazo do Recine e, por meio de emendas ao texto original, a prorrogação de mecanismos de incentivo fiscal presentes na Lei do Audiovisual e na MP 2228-1/2001. Entretanto, uma pequena alteração no texto original dos arts. 1º e 1º A da Lei 8.685/93 poderá trazer impacto significativo para o setor.

A estrutura de financiamento federal ao audiovisual é dividida em fomento direto, que utiliza recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, e fomento indireto, por meio de mecanismos de incentivo fiscal aplicados sobre Imposto de Renda e Condecine. Neste caso, os aportes estão divididos em mecanismos de patrocínio (art. 1º A da Lei 8.685/93), investimento (art. 1º da Lei 8.685/93 e art. 44 da MP 2228-1/2001) e coprodução (arts. 3º, 3º A e 39, X da Lei 8.685/93).

O art. 1º foi idealizado pelo legislador como um mecanismo de estímulo ao "investimento" em "obras cinematográficas" brasileiras de produção independente sob a ótica de potencial comercial. "Investimento", porque o beneficiário do incentivo adquire quotas representativas de direitos de comercialização da obra audiovisual por meio do mercado de capitais, autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com isso pode obter retorno financeiro, além do abatimento fiscal sobre o valor investido. Em "obras cinematográficas", porque o legislador, no início da década de 90, via o mercado de cinema como a principal fonte de retorno financeiro para a obra. Frisa-se que o dispositivo legal previa investimento em "produção de obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de produção independente" sendo estas as obras "cuja destinação e exibição sejam prioritariamente e inicialmente o mercado de salas de exibição". Com o passar dos anos, novos mercados se fortaleceram e novas tecnologias surgiram, o mercado de cinema passou a dividir o protagonismo comercial e este incentivo foi sendo substituído pelos demais.

Por se tratarem de mecanismos temporários, cujo prazo de vigência se encerrava no final de 2017, a MP 770 veio como um alívio para o Setor. Entre as emendas apresentadas no Congresso, as de número 3, 6 e 20 prorrogavam os mecanismos previstos nos arts. 1º e 1º A da lei 8.685/93 e, por questões de legística, traziam a nova redação que então passaria a vigorar contendo o novo prazo. Ocorre que ao rescrever a redação do dispositivo do art. 1º, os textos incluídos nas emendas excluíram o termo "cinematográficas", permanecendo apenas "brasileiras de produção independente", termo genérico, ampliando o alcance do incentivo aos demais segmentos de mercado, como vídeo por demanda, por exemplo. Essa nova redação foi incluída no relatório final da Comissão, aprovada pelo Congresso e entrou em vigor após a derrubada do Veto Presidencial. A MP 796, editada para substituir a MP 770, foi aprovada e publicada sob 13.594/18, replicando a nova redação sem o termo "cinematográficas", que agora segue em vigor.

Toda essa discussão pode parecer um preciosismo jurídico, mas não, a nova redação permite o direcionamento dos investimentos diretamente para mercados considerados como janelas secundárias, televisão e vídeo por demanda. O conceito amplo vigente pode contribuir consideravelmente para o mercado sob demanda, justamente quando se discute no âmbito do Conselho Superior de Cinema uma nova contribuição financeira para este segmento.

Na mesma linha, a redação do art. 1º A também foi alterada, mais uma vez substituindo o termo "cinematográficas" por "obras audiovisuais brasileiras de produção independente". Nesse mecanismo, especificamente, a alteração não causa necessariamente um impacto direto, uma vez que a Ancine, de forma infra legal já ampliava o alcance do mecanismo, permitindo o patrocínio de obra audiovisual não seriada de curta, média e longa-metragem e telefilme, dos tipos ficção, animação e documentário, assim como de obra seriada (incluindo minisséries), dos tipos ficção, animação, documentário, reality show e variedades, bem como programas de televisão de caráter educativo e cultural. Além disso, para os projetos financiados com recursos do art. 1º A já havia permissão por parte da Ancine para que a primeira janela de exibição comercial fosse o mercado de televisão. Entretanto, a alteração legal reforça o novo alinhamento do legislador em relação ao tema.

Não obstante o novo comando legal, a utilização dos benefícios fiscais para outros segmentos de mercado não é automática, restando uma adequação infra legal por parte da Ancine, no exercício de suas competências, conforme disposto em lei, sendo certo que esse mesmo entendimento poderia ser estendido aos demais mecanismos de incentivo.

Com reflexo bastante ampliado, a atual redação da Lei do Audiovisual se alinha com uma nova perspectiva do mercado para exploração comercial de seus conteúdos, cujo segmento inicial e a tecnologia utilizada serão determinados pelo mais adequado e eficiente modelo de negócio aplicável.

 

* Advogado sócio do escritório Cesnik Quintino & Salinas. É especialista em Direito do Estado pela Universidade Estadual do Rio, listado pelo Chambers Global Guide como advogado especialista na área de mídia e entretenimento.

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