Financiamento e geração de ativos de Propriedade Intelectual por meio das DAOs

As tecnologias emergentes ligadas à Web3 sem dúvidas viabilizaram novas formas de financiamento e geração de ativos de propriedade intelectual (PI). Destaca-se o chamado token não fungível (NFT), tido como uma maneira de facilitar a monetização dos direitos autorais das obras artísticas em benefício dos seus criadores.

*Ana Cristina Müller é sócia da área de Patentes e Desenhos Industriais do BMA Advogados.

O NFT aplicado a obras artísticas é um certificado digital de propriedade, sujeito à Lei de Direitos Autorais tal como qualquer contrato de licenciamento, mas que conta com as vantagens de transparência, rastreabilidade e redução dos custos de transação trazidas pela tecnologia blockchain. A exemplo do NFT é possível identificar discussões promissoras relacionadas a projetos de inovação através das organizações autônomas descentralizadas (DAOs), também construídas em torno das tecnologias da Web3.

**Valter Couto é especialista da área de Patentes, Propriedade Intelectual do BMA Advogados.

Por um lado, as DAOs poderiam viabilizar novas formas de financiamento de projetos de inovação com a emissão de tokens baseados em participação, contribuição e investimento. Um exemplo é a iniciativa Molecule Protocol, que estabelece uma plataforma para startups de biotecnologia estruturadas como DAOs, de forma que consigam acessar recursos, tanto de know-how especializado quanto financeiros, de maneira descentralizada. Neste contexto, a emissão de "IPNFTs" – combinando smart contracts e contratos de licenciamento de PI – poderia facilitar o desenvolvimento de projetos inovadores relacionados a novos medicamentos.

Do ponto de vista da geração de ativos de PI – patentes, por exemplo, o principal ativo atrelado à proteção de novos medicamentos – as DAOs poderiam funcionar como plataformas para a cooperação entre diferentes atores. Dentro do paradigma de confiança mútua entre os membros das DAOs, institutos de pesquisas, laboratórios especializados de universidades e startups ou empresas já renomadas poderiam colaborar na produção dos dados (inicialmente, não estruturados e sigilosos, tais como relatórios com resultados de testes em laboratório in-vitro ou in-vivo, dados de sequências genéticas etc.) que serviriam para fundamentar a proteção por patente dos novos medicamentos.

Nesse sentido, outra iniciativa é a bloxberg, uma DAO constituída como um consórcio capitaneado pela Sociedade Max Planck, que busca aumentar a cooperação entre os pesquisadores das instituições membros da DAO. Aplicativos descentralizados (DApps) implementados no âmbito da bloxberg permitiriam a geração de registros criptografados, em uma blockchain, como prova de existência e autoria dos resultados das etapas iniciais de pesquisa, sem que sejam revelados ou armazenados em um banco de dados centralizado.

Esta aplicação poderia ser expandida, posteriormente, para criar um registro confiável e sigiloso de todo o desenvolvimento de uma tecnologia, permitindo superar um obstáculo comum ao avanço das pesquisas em estágio inicial gerado pelos riscos de exposição no compartilhamento de informações que ainda não estão prontas para serem protegidas por patente. Ao mesmo tempo, este registro pode servir, futuramente, como evidência para comprovação de atividade inventiva, um dos requisitos de patenteabilidade.

Um grande desafio destas novas possibilidades são as dúvidas que certamente suscitam. Por exemplo, a quem pertencem os direitos de PI em criações que se originarem nas DAOs? Nesse sentido, já existem disposições legais quanto à titularidade de obras autorais, inventos industriais, signos distintivos e outros ativos de PI que devem ser respeitadas. Assim, é recomendável que as regras de atribuição de titularidade e cessão de direitos de criações desenvolvidas no âmbito da DAO sejam previamente determinadas quando de sua concepção.

No caso dos smart contracts envolvendo cláusulas de licenciamento ou confidencialidade, é preciso cuidado para evitar que os dispositivos contratuais, ainda que autoexecutáveis, não venham a se tornar ineficazes, por exemplo, porque vão de encontro a determinações legais ou porque têm uma abrangência territorial mais limitada do que a pretendida.

Como se vê, a DAO e o seu gerenciamento descentralizado e estabelecido em regras codificadas nos smart contracts trazem potenciais vantagens para fomentar a cooperação e inovação tecnológica. Para garantir segurança jurídica para todos os envolvidos, é fundamental que a DAO esteja bem ancorada no arcabouço legal existente, ainda que possamos ver num futuro próximo o surgimento de novos marcos legais e jurisprudência dirigidos especificamente a essas novas formas de organização.

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