As operadoras de telecomunicações levaram um puxão de orelha do conselheiro da Anatel, Marcelo Bechara, durante o painel de encerramento da Futurecom, em São Paulo, nesta quinta, 16. Como tem sido corriqueiro, fornecedores alertam para a explosão de tráfego de dados nas redes, enquanto operadoras pedem ambiente regulatório favorável, com menos obrigações e mais incentivos para levar a conectividade a áreas de baixa atratividade econômica, apontando que o crescimento do tráfego não é acompanhado pelas receitas, o que pressiona cada vez mais as margens – efeito chamado de "boca de jacaré", pelo presidente da Algar Telecom, Divino Sebastião de Souza.
"Vejo as operadoras reclamar muito da 'boca de jacaré', mas o setor é muito acomodado, acostumado a receber as receitas tradicionais da venda de pacotes de voz e dados. Não estão pensando além dos dados", pontuou Bechara. "O m-payment ainda não é realidade no Brasil, apesar de algumas iniciativas. É no Quênia, usando SMS. As operadoras têm de se apresentar como empresas de Internet, têm de se colocar para a sociedade, não adianta apenas mandar a fatura no fim do mês", disparou.
O diretor geral da Telefônica/Vivo, Paulo Cesar Teixeira, não gostou: "Discordo frontalmente. Não há acomodação. A iniciativa do Quenia gerou oportunidade de crescimento mais acelerado, mas aqui no Brasil há várias barreiras, com gestão financeira do dinheiro em família e nível de desconfiança alto de colocar o dinheiro em outras plataformas. A minha operadora está muito focada em serviços e captura das oportunidades da Internet, tanto é que 37% da nossa receita móvel vem de dados e serviços de valor adicionado", rebateu.
Força política
Bechara citou um exemplo da força da indústria automobilística, que mobiliza políticos e imprensa na inauguração de uma fabrica com investimentos de R$ 1 bilhão. "Esse setor (de telecom) investe R$ 1 bilhão o tempo inteiro. Está na hora de se colocar nas discussões que envolvam todos os setores. É a hora de o setor se mostrar como o verdadeiro responsável pela inclusão digital, de Internet", completou.
O presidente da Algar concorda que o setor é desunido. "É um setor de investimento intensivo. Nós, que somos uma empresa regional, temos investimentos de R$ 400 milhões por ano. O setor bancário ficou fora das novas regras para call centers graças à Febraban, e a força do setor de telecom a gente não vê, não estamos unidos. Cobram o mesmo imposto de quem vai fazer a inclusão digital que cobram de bebida alcoólica.", acrescenta o executivo.
O conselheiro da Anatel reconheceu que, para fazer frente aos desafios futuros de inclusão digital e da Internet das Coisas, será preciso ir além dos incentivos fiscais, como a redução do Fistel para M2M, e investir muito dinheiro. "Temos gargalos, a infraestrutura tem de dar conta e é preciso botar muito dinheiro. As empresas têm feito investimentos e o governo, mais do que ajudar, tem tentado não atrapalhar. Ano que vem, independente do governo que estiver lá, vamos ter que discutir questões fundamentais, como a regulamentação do Marco Civil da Internet, os novos contratos de concessão, a licitação das sobras de frequências e se possível até reforma tributária; então, caiam dentro do debate, se unam. Se não, não conseguiremos um Brasil Digital", alerta o conselheiro.