Spcine priorizará o cinema, diz Sturm

O novo secretário municipal de Cultura de São Paulo, André Sturm, trará sua experiência como exibidor e distribuidor de cinema para o desenvolvimento do audiovisual na cidade. Ele assume num cenário em que a política audiovisual do município está em seu momento mais estruturado, com a Spcine em funcionamento e vários programas em andamento, como a film commission e o circuito de salas populares.

Em entrevista exclusiva a TELA VIVA, o secretário conta que o escopo de atuação da Spcine, o principal órgão da política para o setor, após dois anos de experimentação, deve ser revisto, e o foco deve ser inteiramente no audiovisual, em especial o cinema. Umas das iniciativas será a expansão do Circuito Spcine (de salas de exibição) à toda rede de CEUs (escolas públicas municipais)

Algumas áreas da empresa pública já foram eliminadas, como as de assessoria internacional e de captação de recursos. Algumas ações, como os editais de games, por exemplo, serão revistas. Além disso, a Spcine deve passar a atuar mais em alavancar projetos que estão próximos da realização, e menos em editais que dão o "primeiro dinheiro".

De acordo com o novo secretário, o cinema será a prioridade da Spcine, que, no entanto, não abandonará o olhar sobre o conteúdo para TV. O Circuito Spcine e a film commission são instrumentos de política audiovisual que já são considerados prioritários. Uma novidade será o investimento em formação técnica.

Veja a entrevista na íntegra:

TELA VIVA – A principal herança da gestão anterior para o audiovisual foi a Spcine. Como o setor será trabalhado na nova gestão?

André Sturm – Acho que foi feito um trabalho muito meritório na Spcine. O que vamos fazer de diferente é reduzir um pouco o escopo de atuação. Nos últimos dois anos, a Spcine pôs as suas fichas em todos os cavalos do páreo. Acho que foi correto para o começo, para a Spcine descobrir a sua vocação, mas acho que agora eu posso analisar o resultado e afinar melhor. Essa é a nossa primeira medida.

Quais serão as prioridades?

A Spcine tem que ser uma agência de alavancagem de negócios. De um lado vamos fortalecer muito a film commission, que já tem feito um trabalho legal. Vamos trabalhar não apenas para facilitar a filmagem em São Paulo para os produtores, mas buscar oportunidades de negócio e vender a cidade para filmagens e serviços. Eliminamos a função de assessor internacional da Spcine, pois achamos que quem tem que ir para os festivais é a film commission. Não é papel da Spcine fechar negócio para os produtores. Já existem programas como o Cinema do Brasil, o Brazillian TV Producers e o Film Brazil (programas exportadores feitos em parceria com a Apex que promovem o audiovisual no exterior em suas diferentes vertentes – cinema, TV e publicidade). Esses programas já apoiam os produtores nos negócios internacionais.

Do ponto de vista dos editais e do fomento, queremos estreitar o leque e atuar como um catalisador de negócios. Acho que a Spcine tem que entrar como viabilizador. Se o produtor tem uma parte do dinheiro e falta um complemento para filmar, é onde a Spcine tem que entrar prioritariamente, mas não exclusivamente.

Vamos atuar no audiovisual como um todo, mas especialmente em cinema, porque o mercado de televisão, com a Lei do SeAC, mais o Fundo Setorial do Audiovisual e mais o Artigo 39, já está oxigenado. Não há nenhuma produtora grande que não esteja fazendo uma série. Em conteúdo de TV, o canal é seu parceiro e ajuda a viabilizar. Não é como em filme, que o produtor pega um pouco daqui e dali e às vezes falta R$ 300 mil ou R$ 400 mil para fazer o filme, gerar emprego, gerar negócios e movimentar a cidade. Por isso, vamos ter prioridade no cinema.

Isso não quer dizer que não vamos ter um outro olhar para outras atividades. Podemos ter um programa para conteúdos para televisão que precisam de um empurrão e sejam relevantes de acontecer, às vezes por data, por exemplo – se não for feito em determinado momento, perde a validade.

A Spcine tem que ser uma alavanca para o conteúdo acontecer. O primeiro dinheiro deve ser um papel menor, até pela quantidade de recursos que a gente tem. Não dá para a gente colocar R$ 500 mil em um projeto que vai levar três anos para ficar pronto. A Spcine é uma empresa e precisa ter retorno. Se não tiver retorno, não justifica a existência da empresa. Não somos como o Fundo Setorial do Audiovisual, que se levar três anos para conseguir retorno, não tem problema. A Spcine tem que ter algum retorno. Claro que a gente sabe que a atividade audiovisual é de risco e que alguns projetos não vão dar lucro, mas a gente precisa, no mínimo, de um retorno social. Vamos mostrar no que investimos e, se não teve retorno financeiro, quanto gerou de imposto para cidade, trouxe quantos negócios. É preciso mostrar que a empresa está devolvendo.

Como essa gestão avalia ações como editais de games e as salas de cinema?

Salas de cinema acho que é uma ação que deu certo. Não desvia o foco, tem uma coordenação da Spcine que cuida só disso. Tem um retorno positivo do ponto de vista de frequência e de números e custa pouco. Já falei com o secretário de Educação e estabelecemos como meta que, até o final da gestão, todos os CEUs façam parte do Circuito Spcine.

Vamos tentar buscar recursos privados e viabilizar o projeto na Lei Rouanet – só com o dinheiro da prefeitura será difícil. Alguma dessas empresas que investem em responsabilidade social provavelmente terá interesse. O circuito pode ser um gerador de renda, em médio prazo. O público é crescente em algumas salas. Em outras não, mas, mesmo nessas salas, precisamos apostar e investir. Também vamos ter uma programação menos horizontal, por blocos, descobrindo o que funciona melhor em cada local.

Já editais como o de games é algo que vamos reavaliar. Não adianta fazer 20 editais e dar R$ 200 mil para cada produtor. Não acontece nada, não resolve o problema de ninguém. Vamos concentrar nas atividades audiovisuais, com prioridade nos projetos próximos de "rodar".

Vamos manter também a linha de comercialização e de investimento em P&A, no filme pronto que, com apoio, vai ter um lançamento maior. Também é um programa fundamental e que deu certo, já passou por uma correção no passado. Também precisamos agir para criar e fortalecer as outras janelas. Não dá mais para achar que tem que passar só na TV aberta. Não é demérito ter espaço apenas na TV a cabo. Nem todo filme, só porque ficou pronto, tem que estrear no cinema, numa quinta-feira, com anúncio em jornal, assessoria de imprensa e com um "X" de salas. Tem filmes que têm vocação para outra coisa. Vamos descobrir e, com menos dinheiro, vamos ter mais resultado. São maneiras criativas de colocar os filmes no mercado.
A ação de VOD com a O2 continua. O mercado não precisa ter só duas plataformas de VOD.

Às vezes, um baita esforço para lançar um filme no cinema consegue fazer um público de 5 mil pessoas. Na TV aberta, só na cidade de São Paulo, se tiver meio ponto de audiência, vai atingir 50 mil pessoas. Dez vezes mais que um lançamento nacional. Vamos tentar parceria com a TV aberta. Eles precisam de conteúdo também – todo mundo está em crise. Tem filmes que podem ir direto para TV aberta, outros para TV fechada, ou ter um lançamento premium em VOD.

Alguma nova ação?

Também vamos atuar fortemente em formação. Vamos criar no Centro Cultural da Cidade Tiradentes, que tem vocação para formação profissional, cursos para técnicos de som, eletricista etc. Vamos dar uma formação que vai dar trabalho ao cidadão. Aqui quando tem ao mesmo tempo um Lolapalozza, duas peças estilo Broadway e uma série em produção, a cidade já tem que importar mão de obra técnica. Vamos formar pessoas com cursos de dois anos, em parceria com a Secretaria de Trabalho.

Haverá cortes de pessoal e orçamento na Spcine e na secretaria?

Não. Na Spcine, além da área internacional, eliminamos a área de captação de recursos. Acho que não cabe a ela captar, mas aos produtores. É claro que precisamos economizar dinheiro, mas, ao invés de eliminar pessoas, reavaliamos as áreas da empresa e eliminamos algumas funções.

A secretaria não fará editais próprios. Temos uma verba pública para o audiovisual que será repassada à Spcine. Não faz sentido ter uma equipe de cinema aqui na Secretaria de Cultura.

O governo do Estado se comprometeu com uma capitalização da Spcine desde o seu nascimento (de R$ 15 milhões/ano), que acabou não se concretizando. Esse recurso está sendo cobrado, agora que há um maior alinhamento político entre estado e prefeitura (ambos do PSDB)?

Ainda não, porque assumimos há pouco tempo, mas será levado. É um governo mais alinhado. Acho que, num primeiro momento, o problemas foi a lerdeza da burocracia, e depois entramos em um ano de disputa eleitoral e a situação se acirrou. Mas temos que ir lá buscar. Se conseguiremos ou não, não sei. Acho que o governador, até por um gesto para o prefeito, deve, de alguma maneira, contribuir.

Como está a tramitação da Lei da Film Commission?

A câmara está em recesso. A film commission é uma prioridade para nós, inclusive para o prefeito, que já compreendeu a importância da film commission em Nova York, por exemplo. Lá, o cinema foi fundamental para a recuperação da cidade, pro turismo etc. Todo o mundo na prefeitura já tem essa visão.

O orçamento da Secretaria de Cultura sofreu cortes?

O corte geral (na cidade) foi de 25%, menos para Saúde e Educação, mas na Secretaria de Cultura será maior, não por determinação do prefeito. Na tramitação do orçamento, na tentativa de proteger o dinheiro de algumas atividades, essas atividades foram transformadas em projetos. Quando a fazenda analisou o orçamento, decidiu cortar 25% de atividades. Já os projetos (que, por definição, são coisas novas e considerados novos investimentos) tiveram cortes de 100%. Então vários programas da Secretaria de Cultura que existem há anos e que são, na verdade, atividades, foram cortados a zero. Expliquei para o secretário da Fazenda que não são projetos, e sim atividades, e ele concorda. Só que na conta que foi feita considerou-se aquela economia integral. Estamos tentando recuperar alguma coisa, mas vamos ter um corte além dos 25%.

Há, entre cidades, uma certa concorrência pelo mercado produtor. O Rio de Janeiro têm levado projetos de produtoras paulista para lá, por exemplo. Qual a estratégia de São Paulo para ganhar mercado?

O Rio de Janeiro é uma cidade linda e a gente não tem como concorrer. A gente não tem o Cristo Redentor, o morro e a praia. O Rio de Janeiro é uma locação linda. Mas São Paulo é uma cidade do mundo. Você pode fazer aqui um filme ambientado em qualquer lugar do mundo. Tem gente diferente, tem diversas raças, tem cor, tem arquitetura. Tirando os hindus, que é a única coletividade não representada aqui, você tem tudo: japonês, índio, africano, branco. Tem até um bairro de letões, a Vila Zelina, com 400 mil habitantes.
Acho que não temos que pensar na concorrência com o Rio, mas pensar no que a gente tem. É uma cidade multirracial, multinacional e internacional e, principalmente, que tem uma vocação para negócios.

Pensando no mercado interno, precisamos tornar a filmagem em São Paulo muito fácil. A film commission já fez muito sobre isso, mas precisamos avançar ainda mais. Com isso, a gente viabiliza a produção de publicidade, de séries e televisão. Em cinema, uma parte vai ser mesmo no Rio de Janeiro. Podemos fazer de São Paulo um destino de produções internacionais, e é por isso que quem tem que viajar é a film commission, e não uma comissão internacional da Spcine. Ela que tem que ir aos principais mercado do mundo para vender a cidade.

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