O audiovisual, sua regulamentação e a liberdade econômica

Empresas como a Netflix, a Microsoft, a Apple ou o Google jamais teriam nascido em garagens brasileiras. Os nossos sistemas tributários e regulatórios são excessivos, complexos e muitas vezes abusivos. Estaríamos condenados a sermos competitivos, em escala global, apenas no agribusiness?

Os monopólios estatais e as reservas de mercado tornaram o Brasil um país economicamente atrasado e de baixa produtividade. No audiovisual, não foi diferente.

A lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado, que regula a TV por assinatura) foi indispensável num ambiente em que havia um player hegemônico no mercado brasileiro. Um filme, para ter sucesso de bilheteria, dependia do apoio ou da coprodução da Globo. Nesse ambiente mercadológico, autores, diretores e demais talentos só teriam uma carreira de sucesso e estabilidade financeira se tivessem contrato com esse player. Canais de TV por assinatura brasileiros independentes e a produção independente brasileira só tinham acesso ao mercado com o seu aval. Direitos esportivos como futebol, Copa do Mundo e Olimpíadas eram exclusivos em seus canais. Clubes de futebol dependiam financeiramente deste mesmo grupo de comunicação.

De lá para cá as redes banda-larga ganharam qualidade e hoje têm mais assinantes do que os pacotes de canais lineares das operadoras de TV por assinatura. Além disso, o Netflix criou um novo paradigma para a distribuição e oferta de conteúdo aos consumidores. O modelo horizontal e linear de janelas de exibição por territórios se tornou obsoleto. O novo paradigma é a distribuição on demand, vertical, simultânea e global.

A Lei do SeAC, a qual no passado defendi, teve enorme êxito e hoje o Brasil é um dos maiores mercados de produção independente do mundo graças, em grande parte, a este novo e agora velho marco legal. Porém, o fato é que não se consolida e se amplia um setor com tanto impacto no PIB, como o do audiovisual, olhando através do retrovisor. Ao contrário, esse setor, em especial, exige uma rápida e constante revisão do seu marco regulatório e um permanente olhar para o futuro.

As restrições da Lei do SeAC relativas à propriedade cruzada e às restrições que impedem as empresas de telecomunicações de produzirem conteúdo brasileiro e também de adquirirem diretos esportivos se tornaram entraves ao desenvolvimento do mercado brasileiro.

O avanço tecnológico tem sido cada vez mais disruptivo. A tecnologia 5G chegará em poucos meses ao mercado brasileiro e a regulamentação da Ancine, que estabelece a cobrança de Condecine Título das plataformas OTT, ainda não foi ajustada. Uma medida infralegal que inibiu novos investimentos ao criar um entrave regulatório desnecessário.

É inevitável nos prepararmos para o mercado pós-SeAC que, ao invés de um player hegemônico, como tínhamos no passado, estabelece a diversidade e concorrência saudável entre diversas plataformas, como Netflix, Amazon Prime, Globo Play, UOL Play, YouTube Red, Disney+, HBO Max, Peacock, Apple TV+, Pluto, TIM, VIVO, CLARO e tantos outros, em que assinantes e consumidores são disputados, assim como produtores de conteúdo, talentos e propriedades intelectuais. Este é um cenário muito promissor onde teremos a maior demanda por produções independentes brasileiras da história.

A Disney anunciou que os canais The Disney Channel, Disney XD e Disney Junior deixarão de existir na Inglaterra a partir de 1º de outubro, o conteúdo destes canais será incluído no Disney+. A decisão foi tomada após as negociações para distribuição dos canais com a SKY, da Comcast NBCUniversal, e com a Virgin Media fracassarem.

É importante proteger o fomento blico do audiovisual, disso não há dúvida. É importante também ter uma estratégia para tornar autônoma a produção audiovisual brasileira. E ao mesmo tempo é fundamental o desenvolvimento saudável, sem o entrave da regulamentação excessiva, tal como a Condecine Título, os canais obrigatórios e as cotas (para citar apenas três exemplos), que já tiveram sua importância, mas hoje são obsoletos e não refletem a fluidez do mercado.

Assim, parece mais adequado que as teles migrem do SeAC para o OTT do que impor o modelo do SeAC aos novos players. Pela lógica da Lei da Liberdade Econômica, é sempre melhor para o desenvolvimento e crescimento dos mercados reduzir a regulamentação ao invés de aumentá-la. Este artigo não propõe a total desregulamentação, pois neste novo ambiente a neutralidade da rede, a regulamentação do zero rating e a preservação do controle da propriedade intelectual das obras nas mãos dos produtores independentes brasileiros são fundamentais.

Neste cenário, faria sentido a Condecine Teles continuar sob gestão de uma agência regulatória? As Teles deveriam subsidiar os seus concorrentes pagando Condecine ou poderiam substituir o pagamento desta contribuição indireta pela obrigação de fazer a gestão destes recursos transformando-os em investimento direto em produção independente brasileira? Seria ótimo para a produção independente ter plataformas que se tornam sócias de suas obras, preservando o controle da propriedade intelectual.

As teles pagam mais de um bilhão de reais por ano de Condecine e apenas uma pequena parcela destes recursos chega ao mercado. A Ancine vem alegando incapacidade para gerir e fiscalizar o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), e o Estado gasta muito para fazer sua gestão e sua fiscalização. Como diz o ministro Paulo Guedes, o principal problema do nosso país é a má alocação de recursos.

Se as teles migrarem para o OTT e investirem recursos da Condecine Teles diretamente em projetos para as suas próprias plataformas, a produção independente brasileira teria à sua disposição uma dúzia de players no mercado, cada um com capacidade de investimento de centenas de milhões de reais por ano, para vender os seus projetos.

Essa nova obrigação das teles, que substituiria a de pagar Condecine, mas preservaria os principais elementos da sua regulação (como a da distribuição geográfica dos recursos), poderia durar um prazo mínimo de dez anos, com redução gradual a partir do sexto ano até a sua extinção completa. A partir daí caberia ao mercado criar novos fundos privados para substituir o FSA. Isso tiraria o ônus do Estado de fazer a gestão e fiscalização do FSA, economizando recursos públicos e, ainda, livraria os participantes deste mercado da obrigação de prestar contas do uso de recursos públicos para financiar os seus projetos, que se acumulam sem serem analisadas.

Teríamos assim um mercado mais dinâmico, mais competitivo, mais próspero, mais democrático e mais independente do Estado. A expansão deste mercado que gera empregos qualificados e cresce acima do PIB é muito importante para a cultura do país e, também, para o seu desenvolvimento econômico.

* Sócio-fundador da LightHouse Produções Cinematográficas Ltda., ex- Secretário do Audiovisual

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