Audiência revela bastidores da briga entre os grupos de comunicação

A audiência pública realizada pela Comissão de Educação do Senado para discutir o programa do governo de ajuda à mídia teve um mérito, que foi o de trazer à luz um debate que até então estava sendo travado nos gabinetes. O BNDES garantiu aos senadores que vai encaminhar imediatamente uma cópia do projeto que está sendo desenhado pelo banco ao Senado, para conhecimento público. Mas a audiência serviu também para mostrar alguns pontos sutis da briga entre as empresas de comunicação e de suas estratégias.
Johnny Saad, presidente do grupo Bandeirantes, insinuou em sua fala que alguns grupos têm financiamento cuja origem não é conhecida. "Alguns grupos não têm dívidas, outros não precisam de financiamento porque têm outras fontes de recursos, que aliás precisamos saber quais são". Pode ter sido uma referência, indireta, à relação entre grupos religiosos e emissoras de televisão, já criticada por Saad em entrevista à PAY-TV e à revista Tela Viva em fevereiro. O presidente da Bandeirantes defende que dinheiro "de caridade" não seja usado em atividades econômicas que visam o lucro sem que passem a pagar importos por isso.
Já o senador Hélio Costa (PMDB/MG) colocou em uma de suas intervenções que quando se fala de dívida dos grupos de comunicação não se deve pensar apenas em dívidas contraídas em dólar. "Há grupos que devem R$ 200 milhões ao INSS e que têm quase 100 anos para pagar essa dívida pelo Refis", declarou, provavelmente referindo-se a uma suposta dívida da Record. Hélio Costa também repetiu o discurso da Globo, que se mostra preocupada com o avanço das empresas de telecomunicações sobre o setor de comunicação social.
Já as emissoras que são contrárias ao projeto do BNDES da forma como está colocado (SBT, Record e Rede TV) não escondem que a estratégia é usar a crise financeira para crescerem. Mas insistem que o dinheiro público não vá para pagamentos de dívida, o que favoreceria Globo e Bandeirantes, as mais endividadas.
Fontes próximas às negociações reconhecem que o programa de ajuda às empresas de comunicação é o projeto mais complicado que o BNDES precisou desenvolver em toda a sua história. Ressaltam que muitas regras do banco não são compatíveis com os pleitos das empresas de comunicação, mas que, por enquanto, a pressão política para que o programa saia não existe.
Darc Costa, vice-presidente do BNDES, fez questão de ressaltar que há uma preocupação verdadeiramente técnica e estratégica do BNDES em relação à questão, que a disposição de tratar as empresas de comunicação vem desde antes da apresentação de uma proposta formal de ajuda, feita pela Abert, Aner e ANJ, e que as ferramentas usadas serão as mais transparentes possíveis.

Ameaça fatal

Um último, mas extremamente relevante detalhe da audiência pôde ser percebido na fala de Evandro Guimarães, vice-presidente das Organizações Globo. Ele ressaltou em vários momentos o esforço produtivo da Globo, a capacidade de exportação de conteúdo, a valorização de autores nacionais entre outros feitos. "A Globo é viciada em trabalhar com brasileiros, para brasileiros", disse em tom emocionado, ao responder a uma colocação do senador Hélio Costa, que perguntou por que razão a Globo não havia vendido 30% de seu capital para empresas estrangeiras. "Não vendemos porque entendemos que existem salvaguardas sérias que exigem que o controle do conteúdo permaneça nas mãos de brasileiros. Defendemos isso. Não há hipótese de vendermos participação a empresas que não tenham interesse nacional. Isso só será feito em caso fatal", disse Guimarães. Depois de todas as colocações sobre a importância estratégica do setor de comunicação, essa colocação do representante da Globo soou como um recado.

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