O PL das Fake News era cavalo selado e o Governo deixou passar (outra vez)

As eleições de 2018 foram marcadas por uma tempestade de notícias fantasiosas, as chamadas Fake News, que culminaram na eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República. Após a corrida eleitoral e os desfechos daquele ano, os órgãos fiscalizadores começaram a dar mais atenção ao tema, quando foi proposto o Projeto de Lei 2.630, em 2020. Nele, ficam estabelecidas algumas normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, principalmente sobre a responsabilidade dos provedores dos serviços no combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet.

*Paulo Loiola é carioca, estrategista político, entusiasta de memes, uso de dados e tecnologia em campanhas, sócio-fundador da BaseLab e fundador do PerifaLab. Administrador, com experiência de 15 anos em planejamento estratégico, com passagem por prefeituras e empresas estatais, foi funcionário público por 12 anos, mestre em gestão pública pela FGV, MBE em responsabilidade social e terceiro setor pela UFRJ e MBA em Gestão energética. Loiola também é autor de dois livros de marketing político: "Construindo Campanhas o Caminho para a Eleição", em parceria com a RAPS, e "Marketing Político", para a Uninter. É professor de Marketing Político na Uninter, já escreveu para Carta Capital, Estadão, Folha, entre outros. (Crédito foto: Ana Nicolau/Divulgação)

É uma pauta que, a princípio, era defendida por progressistas e questionadas pelos extremistas de direita, alegando uma censura dos meios de comunicação. Quem não se lembra das Big Techs como Telegram e Google que criaram campanhas contra o PL das Fake News? Pois bem, o tempo passou, o PL que era para ser votado em maio saiu da pauta da Câmara e o Governo Federal, mais uma vez se perdeu no timing da história e o pior, acabou dando munição para a direita.

Nesse processo, alguns fatos chamaram a atenção, principalmente a falta de articulação com influenciadores que pensam o assunto e que poderiam fazer uma defesa do tema. Além disso, faltou uma comunicação clara, um alinhamento entre os atores do governo de uma maneira que permitissem, de fato, um entendimento comum. Até mesmo dentro do governo havia discordância sobre o tema e cada um dando um tom.

Um dos pontos polêmicos do Projeto é a regulação da mídia. Para uns, uma censura, para outros imposição de limites e responsabilização de veículos e provedores. Em conversa com a Mestre em Economia Política da Comunicação (PPGCOM-UFS) e doutoranda em Sociologia (PPGS-UFS), Ana Carolina Westrup, ela elencou alguns pontos sobre a importância da regulação nas mídias sociais. Ela ressalta que o PL 2.630 fala muito mais de comportamento do que conteúdo propriamente dito, como os robôs utilizados na disseminação de notícias fantasiosas e a responsabilização das plataformas, como o Google, que não realiza um filtro do que é veiculado.

Algumas pesquisas revelam que as plataformas são muito monetizadas pela desinformação porque é um conteúdo que viraliza, que tem uma entrega mais ampla, e quando esse conteúdo não verdadeiro viraliza, você tem a monetização dessa plataforma e, por isso, o movimento que as big tech fizeram contra o Projeto, elas terão perda de receita com a derrubada dessas fake news. E a extrema direita usa esse discurso de "censura" sobre o PL porque a regulação das mídias vai atacar o que eles têm usado de mais potente, as fake news.

Existe um ecossistema muito bem movimentado de produção desses conteúdos, que, convenhamos, muitas pessoas no mercado sabem como funciona, sabem como poderiam fazer até para reduzir ou evitar, mas de fato, o que temos visto e, de certa forma, piorando, uma maior resistência das big techs em relação a qualquer processo nesse sentido.

Há algum tempo, o WhatsApp teve um problema na Índia, quando algumas pessoas foram espancadas na mesma semana por causa das fake news e a própria plataforma limitou o encaminhamento de mensagens. Então, é nesse mesmo sentido que hoje percebemos quase que um retrocesso nesse processo, a função de comunidade, por exemplo, dando muita escala para as ferramentas e dificultando ainda mais essa regulação.

Mas, obviamente, sabemos que existem conteúdos que as plataformas querem e conseguem tirar, e existem conteúdos que elas não querem e não conseguem. Desta forma, estamos falando de interesse público completamente nas mãos do setor privado, de plataformas que, muitas vezes, têm relações até com outros países.

Na América Latina, que tem características muito mais próximas do Brasil, alguns países já realizaram a regulação da mídia. Na Argentina tem a Lei dos Médios, no Equador um avanço significativo, durante o governo de Rafael Correa, no Uruguai também, muito puxado pela iniciativa da Argentina. Ou seja, percebemos que existe um espelho, uma possibilidade porque mostrou que é possível se fazer uma legislação que aponte para questões estruturais da comunicação. Quando se fala de regulação sobre os meios de comunicação, muito pouco se fala de conteúdo, mas de regulação econômica. O que está sendo discutido, por exemplo, é que uma empresa não pode ter rádio, TV, Jornal e todos eles operando numa lógica de propriedade de um apoio cruzado vertical e horizontal.

O governo não viu todas essas possibilidades e se perdeu, inclusive nos rachas interino e a realidade é que o cavalo selado passou na frente do governo e a base governista não soube aproveitar do tempo que ele ficou parado, esperando ir para o Plenário. A extrema direita soube colocar o PL como uma proposta ruim para a sociedade. Agora, é esperar uma nova oportunidade, ou criá-la.

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