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Cota no streaming ainda divide indústria

Poucos dias após a aprovação do projeto de lei que regulamenta o streaming na Comissão de Cultura (CCULT), cuja autoria é do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) com substitutivo elaborado pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), parlamentares, representantes de entidades do setor e demais envolvidos com a área se reuniram no primeiro dia do Ambiente de Mercado do 52º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro para debater as mudanças na lei da TV paga e a regulação do VoD. O braço do Festival voltado ao mercado teve início nesta segunda-feira, 25 de novembro.

Para abrir o painel, Leonardo Edde, representante do Sicav (Sindicato da Indústria Audiovisual), apresentou dados positivos do mercado audiovisual brasileiro, reforçando seu papel como gerador de emprego e renda, entre outros fatores, para justificar a necessidade de regulamentações no setor. “A discussão da regulação não é simples, porém necessária. Regulações vêm para consertar falhas do mercado e a questão não é mais se vamos regular, e sim como iremos regular”, disse. Entre as consequências positivas de um ambiente regulatório, Edde citou aumento de competitividade, ausência de privilégios a grupos específicos, isonomia na cadeia produtiva, mais oportunidades para empresas nacionais e estrangeiras e maior geração de renda.

O senador Humberto Costa (PT-PE), autor do PLS 57/2018, que versa sobre a tributação sobre os serviços de vídeo sob demanda, ressaltou que os principais objetivos com a nova lei procuram repetir o sucesso da legislação anterior, referindo-se à Lei 12.485/2011, como definição de cotas nos catálogos para produção nacional independente e também de proeminência e recolhimento de Condecine, por exemplo. “Nas discussões, temos sentido uma resistência menor em relação à Condecine, mas a questão das cotas ainda é problemática. Na versão aprovada, falamos em ‘investimento mínimo de produção nacional’. Acredito que, se é possível chegar a um mesmo objetivo estabelecendo essa exigência, a conversa pode seguir por esse caminho, desde que realmente se cumpra”, opinou. O senador refere-se em sua fala à alteração do substitutivo elaborado por Benedita da Silva que que obriga as distribuidoras de conteúdos formatados em catálogo a aplicar anualmente o equivalente a 10% do seu faturamento no licenciamento ou investimento direto em produção de conteúdo brasileiro no lugar da obrigatoriedade de cotas no modelo da TV paga.

Já a advogada Ana Paula Bialer, que é especializada no setor de tecnologia, mídia, telecomunicações e audiovisual, se posicionou com receio em relação a uma suposta “revisão da Lei 12.485”. “A discussão da regulação do VoD não deveria ser baseada no discurso ‘porque na TV por assinatura fizemos assim e deu certo’. Estamos falando de realidades diferentes e, por isso, precisamos partir de premissas diferentes para entender essa nova estrutura de mercado. É um conjunto complexo de agentes, com meios de atividade e origens distintas. E ainda estamos falando de um ambiente de convergência tecnológica. A natureza humana tende a olhar para o que já conhece, mas precisamos sofisticar essa discussão”, declarou. Para a advogada, o modelo de cotas estabelecido pela Lei do SeAC funcionou porque tratava de um mercado com limitações físicas, isto é, uma programação de TV que vai ao ar 24 horas por dia, sete dias por semana – algo que não existe no VoD. “Nesse mercado, me pergunto se cotas seriam o melhor caminho. Acredito que um investimento mínimo seria a melhor solução, considerando as características próprias desse mercado”, justificou. Bialer ainda falou sobre a questão da proeminência, pontuando que enquanto na TV paga é o programador que decide o que o público vai assistir, no VoD a dinâmica é diferente: “A internet empoderou os consumidores, que agora buscam, dentro de um leque muito vasto, pelo que eles realmente querem assistir. Por isso, acredito que a legislação deva buscar esse equilíbrio: respeitar o movimento de disrupção das plataformas garantindo o espaço da produção brasileira e respeitando o poder de escolha do usuário nesse processo de navegação”.

Roger Madruga, do CBC (Congresso Brasileiro de Cinema), vê essa questão regulatória do VoD de forma mais simples. “Quando se fala em VoD, o parlamento ainda o associa a tecnologia. Mas a guerra no streaming é de conteúdo, e não de tecnologia. A Lei do SeAC pode, sim, ser referência, porque deu certo e os resultados são óbvios. Mas no Congresso temos que trabalhar com o tripé regulação, fomento e indução – para evitar usar o nome cota, que não é tão apropriado. Se perder um desses pés, a Lei não ‘vinga’ e não terá os bons resultados esperados”, defende. Nesse sentido, Madruga concorda com o senador Humberto Costa e diz que o impasse ainda está nas cotas, e não na questão do faturamento, e defende que a regulação do VoD deve manter as cotas ou quaisquer outros mecanismos de indução. Já o assistente parlamentar Marcos Souza, que trabalha junto do senador Humberto Costa e tomou seu lugar no painel quando o mesmo precisou se retirar, apresentou preocupações em relação à formulação da nova PL: “Se abrirmos mão da política de cotas agora, como vamos cobrar a cota de tela nos cinemas, que é nossa primeira janela?”.

O deputado Tadeu Alencar (PSB-PE) também fez elogios à Lei 12.485/2011, afirmando que ela foi responsável por uma ampliação significativa da produção brasileira e que a somatória das cotas de obrigatoriedade com a arrecadação de Condencine resultaram em um vigor do setor. Sobre as mudanças na lei e a regulação do streaming, ele comenta: “Uma regulação adequada tem que garantir segurança jurídica e equilíbrio para que todos sejam beneficiados. Nesse cenário, é necessário assegurar veiculação por inclusão no catálogo. Não é impossível e nem tão diferente das demais modalidades do audiovisual. É fundamental insistirmos nessa inserção, seja com cotas ou outros mecanismos que garantam a veiculação do conteúdo nacional.

O deputado ainda esclareceu que o debate ainda não está encerrado – o projeto passará pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Demais pautas

Alencar, que é presidente da recém-criada Frente Parlamentar em Defesa do Cinema e do Audiovisual Brasileiros, lembrou que a pauta legislativa atual no que se refere ao setor audiovisual é extensa: “Estamos vivendo um momento muito desafiador, onde as perdas são muitas e muito relevantes. A Frente vai cuidar de impulsionar essas pautas, passando pela prorrogação da Lei do Audiovisual, o debate do VoD, as discussões com relação aos fundos setoriais entre outras. Nós nos prestamos a unir todos esses esforços em um diálogo amplo com a produção independente e as demais instituições”. Entre os projetos já apresentados pela Frente, Alencar cita o PL 5540/2019, de sua autoria ao lado de demais integrantes do grupo. A ementa estabelece normas gerais para a atuação do Estado no âmbito do fomento à cultura, estabelecendo o critério de “Cultura Sem Censura” como norteador das políticas, programas, projetos e ações culturais. “O projeto, que está em tramitação, será importante para barrar iniciativas já tomadas nesses dez meses de governo que impõem filtros de conteúdo em obras audiovisuais”, explica.

A imposição de medidas judiciais para que o Governo defina a situação da Ancine, uma tentativa de reversão do projeto do presidente Jair Bolsonaro que quer cortar 43% do orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual e uma resposta à PEC 187/2019, que permite a criação de novos fundos públicos apenas por lei complementar e a extinção dos atuais que não forem ratificados até o final do segundo exercício financeiro seguinte à promulgação da Emenda Constitucional, também estão entre os planos de trabalho da Frente.

Caminhos apontados

Os integrantes da mesa concordam que o caminho para o setor é a união, com mobilização no Congresso a partir de pautas claras e bem definidas. “A discussão do VoD puxou o assunto da revisão da 12.485 e aí surgiu uma série de outras demandas, onde cada um tem um problema com a legislação passada, com o que já estava regulado. Tem que haver entendimento entre todo o setor para levarmos essa regulação para frente, tendo em mente a preocupação com o fomento e a produção nacional, os direitos do consumidor e um mercado equilibrado”, concluiu Marcos Souza.

A advogada Ana Paula Bialer completa: “O setor audiovisual tem historicamente uma série de problemas. Não vamos conseguir equacionar todos eles em uma única lei que olha para uma maneira específica de distribuição como é o VoD. Não temos que afastar discussões, mas entrar em muitos detalhes diminui muito a chance de conseguirmos dar um passo para frente com um projeto equilibrado, em uma situação de ganha-ganha. O caminho é considerar a complexidade nas relações do VoD para focar no que a gente precisa trazer para esse mercado, e não para resolver todas as problemáticas existentes”.

Roger Madruga conclui: “A classe precisa seguir se mobilizando cada vez mais no Congresso, com as associações e os líderes dos estados. Nossa presença lá faz diferença. O Congresso é sensível ao nosso setor”.

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