As entidades que acompanham a disputa entre Ancine e Tribunal de Contas da União, atuando como amicus curiae no processo – o Sicav, o Siaesp e a Bravi -, leram como uma vitória da indústria a forma como o ministro relator do Acórdão nº 721/2019 tratou a paralisação da seleção e da contratação de novos projetos audiovisuais com recursos públicos. Conforme noticiado, no julgamento dos embargos de declaração, o TCU apontou que pedirá explicações à Ancine sobre porque suspendeu os repasses ao setor. Isto porque o ministro André Luis de Carvalho afirmou reiteradamente, e no próprio julgamento, que jamais houve por parte do TCU qualquer determinação ou recomendação para a paralisação do setor.
Em nota, as entidades afirmam esperar que a Ancine reconsidere a decisão que paralisou o setor e retome os projetos em curso.
Leitura conservadora
A sustentação do ministro é que a paralisação seria fruto de uma interceptação indevidamente conservadora da Ancine. A própria Ancine já apontou que a paralisação de repasses partiu de uma leitura literal e conservadora do acórdão, considerando o risco de exposição do órgão regulador e do servidor a uma responsabilização. A medida, conforme apontou o diretor-presidente da Ancine, Christian de Castro, em apresentação na Rio2C, visou "preservar o CPF dos servidores". Conforme apurou TELA VIVA junto a servidores da agência reguladora, a paralisação já teria ocorrido de fato antes da decisão da gestão da agência, motivada por um forte receio entre os trabalhadores em serem responsabilizados pelo que consideram leituras equivocadas do TCU. Vale lembrar, o acórdão do TCU destacou "a possibilidade de responsabilização pessoal do agente público pelas eventuais irregularidades perpetrada, com ou sem dano ao erário, em desfavor da administração pública".
O temor pela responsabilização não se resume à interpretação de que o trecho do acórdão seria uma ameaça velada do TCU, mas também à inclusão do servidor Andrete Cesar Santos da Silva na matriz de responsabilização do processo "À Deriva". De acordo com a defesa apresentada pela Ancine nos embargos, o servidor não tem o dever de supervisão técnica da análise de cumprimento do objeto. Sua responsabilização por parte do TCU, seria, no entendimento de servidores ouvidos, uma sinalização do que poderia acontecer.
Entidades
Veja a nota das três entidades da indústria audiovisual sobre a manifestação do TCU:
Em julgamento de 30/04/2019, TCU esclarece que projetos em andamento não devem ser suspensos
1- Hoje, dia 30/04/2019, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou Embargos de Declaração da Agência Nacional do Cinema (Ancine) contra o Acórdão nº 721/2019-Plenário, proferido no processo TC 017.413/2017-6, que versa sobre o Ancine+Simples. Observa-se que esse recurso não tem o objetivo de rediscutir o mérito do processo, e sim suprir eventuais omissões, contradições ou obscuridades da decisão.
2 – A fim de evitar a paralisação do setor, o SICAV, o SIAESP e a BRAVI atuaram perante o TCU para demonstrar a preocupação do mercado em relação à decisão da ANCINE que, sob o argumento de cumprir a decisão da Corte de Contas, determinou a paralisação da seleção e da contratação de novos projetos. Neste sentido, as entidades buscaram sua habilitação nos autos e apresentaram manifestação específica sobre a necessidade de se indicar à ANCINE e ao mercado a possibilidade de seguir com os projetos em curso, inclusive reunindo-se com o Relator do caso, o Ministro André Luís de Carvalho para explicar as particularidades do setor e os riscos de manutenção da interpretação indicada pela ANCINE.
3 – No julgamento, o Relator afirmou que jamais houve por parte do TCU qualquer determinação ou recomendação para a paralisação do setor, razão, inclusive, pela qual rejeitou os Embargos. Sustentando que a paralisação é fruto de uma interceptação indevidamente conservadora da ANCINE, determinou que os gestores responsáveis pela decisão de suspensão sejam chamados para prestar explicações ao Tribunal pela ação abrupta e desnecessária de paralisar os projetos em curso.
4 – De relevante para destravar o setor, a Corte determinou que sejam reiteradas as determinações à ANCINE, esclarecendo que há um prazo de 4 meses para a apresentação de um plano de ação para solucionar as impropriedades identificadas e que, após a apresentação deste plano, haverá um período de cerca de 8 meses para a implementação das ações necessárias para que a Agência adote medidas para equacionar os problemas identificados. Neste sentido, a Corte esclareceu que apenas ao final deste período de 12 meses é que poderia ser cogitada a paralisação de projetos e apenas se o déficit da capacidade fiscalizatória não for equacionado dentro do prazo indicado.
5 – Em relação à determinação contida na decisão embargada de instaurar Tomadas de Contas Especiais – TCEs envolvendo projetos específicos, no debate em Plenário os Ministros manifestaram que as especificidades do setor precisam ser melhor conhecidas pela Corte e, neste sentido, decidiram por postergar a instauração das TCEs para após a apresentação de esclarecimentos pela ANCINE no plano de ação que terá de ser apresentado em dois meses ao TCU, quando a Corte revisitará a necessidade de instaurar esses processos.
6 – Desta forma, espera-se que a ANCINE reconsidere imediatamente a decisão adotada que paralisou o setor e retome os projetos em curso, que não devem ter seu prosseguimento obstado. Em paralelo, a Agência deverá preparar o plano de ação e, na sequência, implementá-lo em 12 meses para que, ao final, tenhamos uma Agência mais forte e uma melhor fiscalização da aplicação dos recursos públicos.
7 – Ressalva-se, contudo, que essas informações foram extraídas das discussões ocorridas durante a sessão de julgamento, não do voto e acórdão que serão materializados, já que a decisão ainda estava sendo ajustada às discussões ocorridas na sessão e ainda não havia sido disponibilizada até e emissão desta nota.
8 – O SICAV, o SIAESP e a BRAVI entendem que a decisão proferida hoje representa uma importante vitória do setor, já que representa uma manifestação expressa do TCU de que não há óbice ao prosseguimento dos projetos em curso. Não obstante, há ainda um longo percurso a ser percorrido para a construção de um modelo mais eficiente de fomento ao mercado audiovisual.
9 – As entidades reiteram que permanecerão colaborando com a ANCINE e o TCU para este processo de modernização do setor, com o qual se busca um modelo mais transparente, eficaz e perene, que proporcione segurança jurídica e previsibilidade à execução de projetos audiovisuais no Brasil.