Novo episódio do "Tela Viva em Foco" debate demandas dos roteiristas do audiovisual

(Foto: Reprodução YouTube)

A realidade dos roteiristas brasileiros é o tema do novo episódio do "Tela Viva em Foco", podcast e programa da TELA VIVA em seu canal no YouTube que aprofunda o debate sobre temas relevantes do mercado audiovisual. O episódio inédito contou com a presença de Newton Cannito (ex-secretário do audiovisual, criador de "Unidade Básica"), Duda de Almeida ("As Aventuras de José e Durval", "Angela", "Sintonia") e Juliana Araripe ("Férias Trocadas", "Vai Ter Troco", "Mothern"). O debate aconteceu num momento próximo ao fim da greve dos roteiristas nos EUA. O assunto, claro, reverberou no Brasil, uma vez que os roteiristas daqui têm muitas demandas em comum com os profissionais lá de fora. 

Com anos de experiência no mercado e passagens pela Secretaria do Audiovisual e pela presidência da ABRA, Newton Cannito analisou: "Tenho a impressão de que, com o streaming, ficou ambíguo: por um lado, surgiram mais oportunidades e mais empregos e, por outro, a autoria ficou mais dispersa. A gente não tem mais aquilo de antigamente de falar em 'uma série de' determinado autor. Você não sabe quem é o autor. E é um perigo isso. Estamos em um momento de recuo dessa importância do roteirista no mercado, o que é um grande equívoco, porque ele é cada vez mais importante". 

Juliana Araripe, por sua vez, relembrou que por volta dos anos 2000, quando ela esteve na equipe da série "Mothern", o conceito de sala de roteiro estava surgindo no Brasil. "Não havia esse hábito porque não tinha essa demanda de mercado", pontuou. "A profissionalização da nossa categoria foi acontecendo ao longo da demanda. É tudo muito novo ainda. Eu quero sempre ser positiva. Temos muito para conquistar. Nos Estados Unidos, acabaram de chegar num primeiro acordo. E eu vislumbro um lugar digno pra gente. Direito autoral é inquestionável – independente do registo da obra, quem criou tem direito sobre aquilo. Mas no Brasil tudo se questiona – e até isso virou uma coisa não-óbvia", observou. 

Duda de Almeida faz parte de uma geração de roteiristas que nasceu junto com o streaming. A primeira série que ela assinou como roteirista foi "Sintonia", um sucesso da Netflix, em 2017. "Já nasci dentro do streaming e agora estou num momento de compreender todas essas pautas e todas essas lutas e como poderia ser diferente, uma vez que eu não tive essa referência", afirmou. "Mas desde 2017, quando comecei no streaming, tenho percebido muitas mudanças. São perspectivas de algo que pudesse evoluir e essa evolução não está acontecendo em termos de algumas condições de trabalho", completou. 

Precarização e condições de trabalho 

Juliana ressaltou que a indústria vem se profissionalizando, com mudanças acontecendo devagar. Ela destacou que, hoje, já existe uma representatividade e uma diversidade muito maior nas equipes, por exemplo, o que são coisas positivas, que sinalizam essa evolução. A roteirista ainda avaliou: "O Brasil é um país pobre e as pessoas precisam de dinheiro. Às vezes, um roteirista excelente é obrigado a assinar um contrato 'leonino' porque se não assinar, não trabalha. Essa é a realidade brasileira. Não dá para crucificar um profissional que se sujeitou a um trabalho em condições questionáveis porque ele precisa pagar suas contas. É muito importante lutarmos pelos nossos direitos, mas o que precisamos mesmo é mudar a indústria, que é muito grande. Por isso começamos aos poucos". 

Cannito salientou que os roteiristas do audiovisual no Brasil não têm um sindicato, somente associações representativas, e que são justamente os sindicatos que "protegem a classe para que ela cresça". O roteirista acrescentou: "A situação dos roteiristas não é só problema dos roteiristas. Estamos investindo dinheiro público nas nossas obras e, por isso, temos que entregar qualidade. Mas não tem outra forma de entregar qualidade se não for com um roteirista forte nos projetos. Para mim, a crise é esse desrespeito, a falta de percepção do autor mesmo. Aí vem o salário baixo e a precarização. Uma das pautas dos roteiristas nos Estados Unidos foi ter equipes – e conseguiram conquistar esse direito. Garantir qualidade e condições de trabalho interessa para nós e para o sucesso das obras". 

Nesse sentido, Duda mencionou que dentro das dificuldades, que passam por condições, salários e contratos, está a questão das métricas para o trabalho do roteirista. "Fazemos um trabalho criativo pautado em entregas, mas não conseguimos estabelecer uma contagem de horas para o que estamos fazendo. São coisas micro, do dia a dia, que vão sucateando o resultado final. Minha régua é privilegiada, pois escrevi uma série que está indo para a sua quinta temporada. Mas ainda assim, trago muitas questões. São coisas que atravessam uma classe inteira", defendeu. 

Algoritmo e inteligência artificial 

Os roteiristas também debateram sobre como o uso de dados e o famoso algoritmo popularizado pelas plataformas de streaming podem ter impactado seus trabalhos. Para Cannito, o streaming está "acreditando demais" no algoritmo. "O cara do dinheiro tem que entender que é uma área de risco. Não dá para ter tudo sob controle. Tem que dar liberdade para os artistas – é a única chance do produto fazer sucesso. É claro que pode usar dados – eu adoro pesquisas, me preocupo com isso e como usá-las para dialogar e criar. Mas não dá certo querer controlar a criação – o excesso de controle do algoritmo tira o charme da série. Dados não conseguem prever qual vai ser a tendência daqui a um ano. O artista tem uma antena social, mas as pessoas estão perdendo a confiança nisso", lamentou. 

Já Juliana acredita que o sucesso não tem segredo e que a graça está justamente no fato de as coisas nesse mundo serem inexplicáveis. "Claro que as empresas precisam das pesquisas, saber o que as pessoas estão querendo ver, mas você pode ter a receita do bolo e ele não ficar bom mesmo assim. Essa tentativa de controle vai, de alguma forma, ser sempre frustrada. Não tem como controlar o incontrolável", declarou. "Em relação à inteligência artificial, acho que ainda estamos começando a flertar com isso. Não sabemos onde vai dar. Mas eu acho, sim, que ela é muito perigosa até para os cérebros dos seres humanos". 

No caso dos EUA, por exemplo, os roteiristas conquistaram o direito de que eles usassem a inteligência artificial, e não que ela fosse usada de forma a substituir o trabalho criativo humano. 

Crise da cota de tela 

Por fim, Duda ressaltou que, para além de discutir essas condições de trabalho, é importante também falar sobre o direito dos profissionais de terem seus filmes assistidos. "A ausência da cota de tela prejudica nossa indústria como um todo. Cria-se uma noção de que o produto brasileiro de audiovisual vende menos e não gera renda e que, portanto, não vamos apoiar. Isso impacta na formação de público, que consome cada vez menos nosso produto. O público precisa ver o que estamos fazendo. Hoje, os filmes brasileiros dão conta da diversidade e são muito interessantes, mas não estão tendo a oportunidade de chegar às salas. Estamos de um lado lutando pelos nossos direitos e, do outro, pressionando para que o que a gente faz seja visto pelo público", concluiu. 

Assista ao debate na íntegra:

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