Ao final de 2019, a produtora Conspiração, após uma análise de mercado, decidiu criar um núcleo interno para conteúdos de não-ficção. "Decidimos olhar para esse gênero de forma específica. A ficção tinha tomado um peso grande e estávamos produzindo séries grandes, importantes, mas precisávamos olhar com cuidado para esse outro negócio. Naquele momento, já enxergávamos uma tendência mundial, isto é, um cenário favorável para projetos de não-ficção. Como os realities, por exemplo. Vimos que era um terreno fértil. E na produtora, um dos pilares é trabalhar com diversos modelos e núcleos de negócios, mas considerando cada um de forma específica e com foco", contou Luísa Barbosa (foto), Diretora Executiva de Entretenimento, em entrevista exclusiva para TELA VIVA.
No entanto, o ano de 2020 chegou e, logo no primeiro trimestre, veio a pandemia e, com ela, o desafio de adaptar as produções audiovisuais ao novo cenário de restrições. Com alguns projetos já em fase de pós-produção, como a série "Anitta – Made in Honório", e outros já finalizados, a produtora se propôs a colocar na rua novos formatos remotos. Na época, foram lançados dois conteúdos em parceria com o GNT: o "Santa Ajude-se", no qual famílias em quarentena recebiam orientações e dicas da especialista Micaela Góes, e o "Arrasta Móveis", com Matheus Ilt, cuja proposta era ensinar o passo a passo para resolver novas e específicas demandas de decoração que surgiram a partir do excesso de tempo em casa e as novas funções dos espaços dentro do lar. "Os dois programas tinham tudo a ver com o momento e foram possíveis de ser filmados remotamente. Gravamos tudo, de fato, em meio à pandemia. Ao mesmo tempo, foi um período muito fértil para o desenvolvimento de projetos. Negociamos muitas coisas que acabamos produzindo no ano seguinte, que foi um ano ainda pandêmico, cheio de restrições, mas que já permitiu gravações presenciais. O grande desafio para nós foi de um momento para o outro pensar em como adaptar todos os projetos que a gente tinha para esse cenário de pandemia. Até hoje ainda estamos falando de uma readequação, pois ainda não estamos gravando nos moldes anteriores", pontua Barbosa.
Apesar do período desafiador, ela destaca pontos positivos: "Foi importante para nos concentrarmos e desenvolvermos projetos, criando um catálogo potente. Pegamos nossa força criativa e voltamos para isso. Aproveitamos para entender exatamente o que queríamos e como faríamos".
Desenvolvimento de projetos
Um dos destaques do novo núcleo da Conspiração é o programa "Jornada Astral", lançado em dezembro de 2021 com exclusividade na HBO Max – foi a primeira parceria da produtora com a plataforma de streaming após anos de trabalho conjunto para os canais HBO na Pay TV. Todo o processo de pré-produção foi feito de forma remota. "Ficamos bastante tempo discutindo o conceito, afinal estávamos falando de um formato original e totalmente novo. Partimos do zero, portanto o desenvolvimento requeria tempo. A ideia original era falar das intimidades das celebridades a partir da astrologia – a partir daí, pensamos na dinâmica. Ele foi criado originalmente junto da HBO. Começou a ser desenvolvido ainda em 2020 e foi lançado somente em 2021", relembra.
Outro projeto relevante para a produtora foi o "Abre Alas", lançado com o YouTube Originals. "A ideia da atração era contar as histórias das cantoras negras que foram abrindo alas umas para as outras. Os vídeos foram hospedados no canal do YouTube da cantora Agnes Nunes. Contamos com um casting fantástico, que incluiu especialmente a Elza Soares, em provavelmente uma de suas últimas gravações".
O núcleo também gravou outros projetos que não foram lançados ainda – um deles com a família Gil, para a Amazon Prime Video, que conta a história da família e celebra o aniversário de Gilberto Gil. Em fase de produção, há um documentário sobre o Rock in Rio, e já em pós-produção o documentário "Guardiãs do Samba" (título provisório), que reúne histórias de mulheres de sambistas conhecidos e renomados que sempre estiveram nesse lugar de "primeira dama", mas que são verdadeiras protagonistas e guardiãs dessas histórias, e o documentário "Mulheres Radicais", sobre uma exposição homônima realizada na América Latina.
"Foi um ano bem aquecido de modo geral no núcleo de não-ficção. Tivemos vários projetos em andamento ao mesmo tempo, ainda que alguns deles adaptados", resume Barbosa.
Consolidação de formatos
"Hoje, estamos fortalecendo esse núcleo para ter cada vez mais um catálogo de projetos e formatos originais – criados aqui, desenvolvidos no Brasil, mas que podem viajar. O primeiro objetivo é sempre fazer sucesso no Brasil. A partir daí, em uma sequência, pensamos em versões internacionais", define a executiva sobre o atual momento de sua área dentro da produtora. "O Brasil é um mercado forte de aceitação e referência, é um grande consumidor desses formatos. Tradicionalmente, na TV aberta, sempre fomos – vide o sucesso do 'Big Brother'. Tem muitos casos de formatos que dão certo aqui. Temos certeza que os canais estão enxergando isso. Como parâmetro mesmo", completa.
Barbosa conta que a Conspiração sempre produziu muitos documentários, musicais especialmente, mas que, ao longo do tempo, foram notando um caminho possível na criação de formatos originais: "Acabamos de fazer isso com o 'Jornada Astral'. É um formato brasileiro, em parceria com a HBO, e que pode ser produzido em qualquer lugar do mundo. Eles estão começando a ter conversas nesse sentido. Vimos esse espaço de termos projetos originais nossos a partir de uma tendência principalmente no streaming, que exibe bastante esse tipo de conteúdo e facilita sua exportação".
O próprio núcleo de não-ficção é dividido em dois: documentários, chefiado por Carolina Albuquerque, e formatos, comandado pelo recém-chegado Sebastian Gadea, que trabalhou por anos na produtora argentina Cuatro Cabezas, que chegou ao Brasil especialmente para produzir formatos e atuou em parceria com a Band em programas como "CQC" e "A Liga", por exemplo, e recentemente teve ainda uma passagem pela equipe de não-ficção de Boninho, na TV Globo.
"O caminho é entender que documentário e formato são coisas diferentes. Documentário parte de pesquisa, estudo, aprofundamento no assunto. É quase um trabalho jornalístico. E formato é complexo. São muitas coisas envolvidas: posicionamento de câmera, entrada do apresentador, dinâmica. São realidades distintas, por isso estamos trabalhando com áreas de criação separadas. Para dar força para ambas e ter foco. Variedade de produções é importante, mas foco também", ressalta Barbosa.
Multiplicidade de janelas
Considerar todas as possibilidades de janelas disponíveis hoje é importante para a Conspiração. "Estamos nos organizando para atender todo esse leque. O streaming, claro, segue crescendo cada vez mais, então temos um pensamento forte para ele. Ainda temos uma presença forte com projetos de não-ficção produzidos em parceria com a TV paga. E o YouTube é uma descoberta muito importante para nós. Por ali, conseguimos ter um contato mais direto com a audiência. Vemos os números de visualizações dos episódios e os comentários, por exemplo, enxergando a audiência de uma forma que não conseguimos em outros canais. É um feedback muito imediato, com o qual entendemos onde nossas produções estão reverberando", analisa a diretora.
Para além desse contato pelo YouTube recém-descoberto pela produtora – um exemplo foi a experiência com a série "Abre Alas" – também é costume acompanhar o feedback do público por meio das redes sociais. "Com 'Sob Pressão', por exemplo, que é exibido na TV aberta, acompanhamos pelo Twitter. É um acompanhamento mais quente, em tempo real. Mas mesmo assim, é uma informação de audiência relativamente filtrada. Esse contato direto é só nesse tipo de projeto mesmo, isto é, para a internet. Para nós, esse contato com o público é bem importante, por isso conteúdos assim continuarão sempre no nosso radar de prioridade. É um feedback relevante até para entendemos quais serão nossos próximos passos", explica.
Tendências e expectativas para 2022
"Estamos sempre atentos às tendências. Levantamos o que está em alta no mercado audiovisual mas também no mercado de consumo. Fazemos pesquisas constantes. A criação do 'Jornada Astral', por exemplo, veio muito disso. Astrologia e famosos são temas muito consumidos no Brasil. Mas é claro que tem o perfil de projetos que nos interessa mais. Queremos produzir grandes formatos, claro, mas que façam sentido e que sejam respeitosos com quem participa e com a audiência. Esse é um princípio norteador nosso", reitera. Falando em tendências, a diretora destaca a mistura de gêneros e formatos dentro do meio de reality show: "Formatos de cooking show, por exemplo, sempre existiram, mas agora misturam com games. Tem date show, talk show, game show… São muitas as possibilidades. Acredito que a tendência dos realities é caminhar cada vez mais para essa mistura de gêneros, com coisas diversas dentro do mesmo".
Por fim, ela afirma que a expectativa para 2022, após o crescimento do núcleo de não-ficção da produtora, é a sua consolidação. "Conseguimos nos últimos anos um catálogo de projetos que entendemos como potentes e interessantes. Agora, a expectativa é que seja um ano de consolidação e crescimento nesse sentido, colocando na rua tudo o que andamos desenvolvendo e pensando nesses últimos tempos. Queremos criar de fato propriedades – isto é, novas temporadas, exportação de conteúdos. Temos mais interesse na qualidade e no fortalecimento dos conteúdos do que no número de produções. Nosso objetivo está em criar propriedades fortes e que comuniquem algo para a audiência. E que tenham vida longa – isso é muito importante pra gente em projetos no geral", conclui.
