Atenção do espectador em tempos de mídias sociais

O sol esquenta o corpo. O azul do mar reflete a luz. O visual da praia é exuberante. Ao seu lado, o amor da sua vida. Um sorriso lindo. Ele resolve dar um mergulho. Você assiste àquele lindo mergulho. A pessoa amada acena e sorri para você. Até o momento em que ela é devorada por um enorme tubarão branco. Você ainda escuta um último grito do seu amor enquanto é mastigado aos poucos.

Guilherme Quintella é graduado em Psicologia pela PUC, é pós-graduado em Roteiro de Cinema e Televisão pela FAAP, frequentou os cursos "Film and Television Business" da FGV e AIC, e o curso técnico de roteirista de documentário de autor no "Observatório de Cine", na Espanha.
É o criador e roteirista-chefe da série de ficção "Sintonia," uma colaboração com Kondzilla e grande sucesso da Netflix. Teambém já trabalhou com Hector Babenco e Arnaldo Jabor e em produções da HBO, GloboNews, Globoplay, Star Plus, Gullane Entretenimento, Boutique Filmes, Conspiração Filmes, O2 filmes e Saigon Filmes.

Este não é um conto de terror nos mares, nem uma proposta de continuação a ser apresentada para Steven Spielberg para o seu clássico filme. Trata-se de um texto sobre a apreensão da atenção nos tempos atuais. Com essa cena impactante, muito provavelmente consegui que você prestasse atenção por mais um parágrafo. Preciso agora de mais uma virada para que você não busque outra fonte de entretenimento.

Olhe para o lado. Quantas pessoas estão mexendo em seus celulares. Não estou aqui para propor uma volta ao passado, dizendo que devemos jogar os telefones fora e usar apenas mapas de papel, listas telefônicas, assistir a novelas que passam em horário específico e manter apenas fotografias impressas. Todos usufruímos das facilidades da tecnologia. Mas é importante pensar em como o formato de contar nossas histórias e criar conteúdo nos tempos de hoje transformou-se de forma tão intensa. A disputa pela atenção do espectador é cada vez mais acirrada e é fundamental que pensemos no formato se quisermos mais alguns instantes de sua atenção.

Uso como exemplo a obra de Itamar Vieira Júnior, "Torto Arado": um livro absolutamente bem escrito e que atingiu grande público. Ao mesmo tempo que constrói grandes personagens e histórias maravilhosas, o livro se desenvolve com um estilo literário profundo, de uma linguagem regional e bem cuidada. Assim são muitos. Mas o diferencial mesmo (na minha opinião) é o formato. Itamar começa com uma cena impactante logo de cara. Ou melhor, um corte. Na língua. Com essa cena, ele já foi educado o suficiente para que você dance com ele. Mas ele continua, com uma cadência impressionante. Com capítulos fortes e viradas emocionais constantes, ele faz com que você siga. Com novos personagens mais e mais potentes, você continua lhe dando mais e mais tempo de sua atenção.

Guardadas as devidas proporções, mas quando começamos a trabalhar em "Sintonia", série de minha autoria junto com Kondzilla, Felipe Braga e outros grandes roteiristas como Duda de Almeida, Thays Berbe, Luiza Fazzio, Hanks, Thayná Mantesso, Gui Freitas, Denis Nielsen, Fernanda Terepins, Donna de Oliveira, Raul Perez, Leonardo Todeschini, pensamos muito nisso. Afinal, nosso público-alvo talvez seja o mais complexo nessa disputa por atenção. Jovens dos 16 aos 24 anos. Não preciso explicar o porquê do desafio, certo?

Criamos então regras para o formato da série. Em primeiro lugar, os universos seriam os mais próximos deles: música, religião e crime. Estes universos se transformariam sempre, trazendo um frescor a cada temporada (precisamos pensar com dois anos de antecedência no que vai estar em alta na hora do lançamento – meu trabalho favorito). Em segundo, o formato da série: cenas de no máximo duas páginas. Rápidas, transições agressivas. Com três personagens, isso facilita muito. Estamos sempre mudando e trazendo novidades para a tela. Quando escrevemos Sintonia, pensamos inclusive no momento em que deixamos as pessoas pegarem seus telefones. Diminuímos a tensão durante não mais do que um minuto. E voltamos com um impacto potente de som. Uma porta batendo. Uma freada de carro. Um tiro. Uma batida de funk. Pegamos sua atenção de volta. Por fim, utilizamos as técnicas mais clássicas de construção de personagem para que o espectador não se desligue. Ele precisa se ver na tela. E Sintonia é, no fundo, sobre amizade. Quem não tem ou teve bons amigos? Família? Quem não sofreu por eles? Quem não se emocionou por eles? Quem não foi feliz ao lado deles?

Técnicas novas e clássicas se misturam neste momento de transição de narrativa que vivemos. Compreender os novos formatos permite que atinjamos mais pessoas. Entender o que nos une como seres humanos garante que nos identifiquemos uns com os outros. Contar histórias é o que nos une em grupos. É o que nos faz seres sociais. E é o que faz com que as boas histórias continuem a se propagar.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui