Luta por direitos autorais é investimento na indústria e caminho para fortalecer os criadores

Elísio Lopes Jr., Gandja Monteiro, Alice Braga, Rosane Svartman e Thiago Dottori (Foto: Divulgação/ Rio2C)

A autoria é um ponto de debate constante no mundo – são questões que passam por direitos patrimoniais, morais e a valorização dos criadores das obras e de suas perspectivas e visões de mundo. A figura do autor e as visões criativas dentro do mercado foram discutidas num painel no Rio2C intitulado "Visões Criativas: direitos autorais e o futuro do audiovisual" nesta sexta-feira, dia 7 de junho, com moderação de Thiago Dottori, que é roteirista e presidente da Gedar (Gestão de Direitos de Autores Roteiristas). 

Na conversa, Rosane Svartman, diretora e roteirista (das novelas "Totalmente Demais", "Bom Sucesso" e "Vai na Fé", entre diversos outros projetos), ressaltou a importância de iluminar e celebrar a criação e os criadores, que muitas vezes são invisibilizados pelas marcas de onde suas obras estão circulando. "Em novela, quando ela dá errado, a culpa é do autor. Principalmente porque é uma obra aberta, que dialoga com o público. A gente reconhece a novela de cada autor. Mas iluminar os criadores é necessário em todas as obras", afirmou. 

Elísio Lopes Jr., roteirista, dramaturgo e diretor artístico, tem experiência com cinema, teatro e televisão e lançou sua primeira novela, "Amor Perfeito", em 2023. Sobre a situação dos autores, ele é categórico: "A estrutura do mercado não dá conta da nossa criatividade. Tem muita gente quer quer e pode contar boas histórias e não tem oportunidade. Eu estou aqui, faço parte do mercado, sou um autor contratado no momento, mas sei que, ao meu lado, tem uma parcela enorme de criadores que estão sem janela. Isso nos dá uma contextualização concreta do mercado". 

O roteirista chamou a atenção ainda para outro ponto relevante: a centralização das histórias. "Eu vim de Salvador, na Bahia, o que significa que o eixo central do mercado fica bem longe de casa. Para eu chegar a uma vitrine e falar nacionalmente o que eu quero falar, eu tenho que sair de casa e me deslocar para um mercado onde sou estranho. Por isso comecei a encontrar parceiros, construir a contação de histórias do meu lugar. Se eu abro mão do meu olhar para contar histórias pelo olhar do outro, eu não conto. Porque aí eu não tenho nada para dizer. E por isso que não posso abrir mão de que as pessoas saibam que fui eu que escrevi aquilo. São pilares. Temos o direito moral de receber os créditos, para além do direito patrimonial", defendeu. 

As outras participantes da mesa – a atriz Alice Braga e a diretora e produtora Gandja Monteiro – trabalham muito fora do Brasil e por isso também consideram importante levar suas visões de mundo para suas histórias. "Consegui atravessar uma porta muito difícil e agora, a cada projeto que eu faço, mesmo que seja dirigir um episódio de uma série, é impossível não ser eu mesma, levar a minha perspectiva. O tipo de conteúdo que me interessa é o que tem subjetividade", pontuou Monteiro. E para Braga, o que a faz escolher estar em um filme é a história – daí entra essa questão de valorizar a autoria. "É a alma do projeto, o ponto de vista de quem vai contar. E isso é muito bonito, tem que ser honrado nesse lugar, a beleza da criação do seu próprio ponto de vista. Tem que ser honrado porque é onde tudo começa. Se não existe esse roteiro, não vai existir o que vamos ver na tela", ressaltou. 

Troca criativa e ambiente de escuta

Lopes Jr. ainda trouxe o papel do entusiasmo no trabalho. "Não é que iremos trabalhar de graça, mas é nosso dom, o lugar que escolhemos para nos expressar", explicou. "Escrever novela é absolutamente diferente de qualquer outra dramaturgia. São muitos capítulos, numa rotina que tem um trabalho braçal, físico mesmo, além de ser um negócio ao mesmo tempo. A novela exige mais do que apenas seu processo de criação. O autor tem que fazer a gestão de todo esse conteúdo junto da equipe, que é muito grande, e estar pronto para resolver qualquer problema. Tem que ter um entendimento e uma inteligência do que você pode ou não abrir mão na história. E nesse caminho, o entusiasmo não pode te abandonar. É fazer aquilo mantendo o sentido do porquê estamos fazendo aquilo". 

Nesse sentido, Svartman destacou que uma boa relação entre todos os envolvidos – autores, elenco, direção, produção – resulta na tela. "Quando a troca é generosa, é nítido. Generosidade e escuta são importantes na troca criativa. É escutar outras ideias, sem perder o pulso. Estar permeável, mas encontrar esse equilíbrio delicado. Mas sem a escuta, não consigo pensar nos projetos", declarou. Ela, que escreve novelas, mas também filmes para cinema, disse que em ambos os casos é fundamental manter essa parceria na tríade autor, diretor e produtor. "E na novela, devem existir acordos e combinados para um não atropelar o outro numa obra de tantos capítulos", pontuou. A autora costuma levar a sala de roteiro para dentro dos estúdios, o que ajuda a manter esse trabalho harmonioso. "Eu não interfiro no que o diretor está fazendo, mas ele também não muda meu texto sem me falar. Acredito que os atores precisam saber quem é o autor que escreveu as cenas para ele. Isso cria uma relação, impacta nesse reconhecimento do trabalho. E os autores escrevem melhor nessa coletividade. Estar nos estúdios melhora relação com a produção, os autores sentem esse pertencimento. Se aparece algum problema, estamos lá para ajudar. A produção não muda o cenário sem nos avisar – a gente pode adaptar o texto, melhorar. A gente se ajuda". 

Monteiro, que trabalhou com equipes variadas nas produções internacionais, como as séries "Wandinha" e "The Witcher", ambas da Netflix, concordou e acrescentou: "Você precisa se conectar a si mesmo e aos colaboradores para, depois, conseguir se conectar com a audiência. Se falta parceria, isso também se reflete. Perde-se muito quando não se consegue firmar essas parcerias". 

Luta por direitos autorais é investimento na indústria

Num cenário em que ficou tão comprovada a importância da autoria nos projetos, os direitos autorais se tornam ainda mais urgentes. "Lutar por direitos autorais é investir na nossa indústria", disse Alice Braga. "Precisamos regulamentar isso. Nos Estados Unidos, os autores e também os atores recebem os 'residuals' da exibição das obras, o que permite que, se eu não estou trabalhando agora, eu possa continuar graças ao suporte do trabalho que eu já fiz. É gerar mais dinheiro para a sua própria indústria e fortalecer o mercado. Uma regulação no Brasil só tende a fortalecer os nossos pontos de vista e as pessoas que estão ali criando. E esse investimento na indústria é muito importante. A greve nos Estados Unidos foi dura, mas necessária. Os roteiristas estavam ganhando menos do que ganhavam sete anos atrás, sendo que de lá pra cá a indústria só cresceu. O Brasil precisa pensar onde quer estar", enfatizou. 

Svartman lembrou que, no Brasil, não existe essa força capaz de parar a indústria em uma greve, mas que é importante lutar por esses direitos. "Falamos há muito tempo sobre a importância da regulação – do streaming e dos direitos autorais também. O assunto está na pauta. A sociedade, a cultura e as indústrias avançam mais rápido do que as leis. Mas o que precisa acontecer é termos uma regulação que leve em conta o direito dos criadores. É uma questão trabalhista. Para podermos descansar, nos renovar até o próximo trabalho. Os direitos e esses valores residuais ajudam nisso. Aqui, temos que trabalhar o tempo todo". 

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