IA ajuda na produção de conteúdo, mas não exclui papel humano e demanda responsabilidade 

(Foto: Tela Viva)

Nesta terça-feira, dia 8 de agosto, o SET Expo, evento que acontece em São Paulo ao longo desta semana, foi palco para um debate sobre o uso de IA na produção de conteúdo. Sob a moderação de Fernando Castelani, Cloud Consulting Account Lead do Google Cloud, o painel partiu da premissa de que o tema é atual, porém não é novo. "O que mudou é que os processadores estão cada vez mais rápidos, as fontes de dados são cada vez mais abundantes, as próprias ferramentas para processar, gestar e guardar os dados funcionam em tempo real e estão evoluindo ao longo do tempo, assim como as próprias ferramentas de machine learning", contextualizou Castelani. 

"Atualmente, estamos presenciando uma multiplicação de modelos já existentes para diferentes tipos de uso, de maneira mais rápida e confiável, com resultados cada vez mais precisos. Para a nossa indústria, as aplicações já estão sendo feitas na prática, gerando experiências mais imersas e personalização não só do lado comercial, mas também do próprio conteúdo. Mas, como toda inovação, sempre surgem os dilemas – nesse caso, os principais giram em torno dos possíveis impactos que essa evolução terá nos empregos da indústria, nos usos ilegais de tecnologias de deep fake e ainda questões de propriedade intelectual. É uma discussão complexa, e não devemos pensar só em qualidade, novidade e eficiência, correndo o risco de deixar de lado a responsabilidade no uso dessas ferramentas", ressaltou. 

A responsabilidade está no centro das discussões sobre os usos da inteligência artificial não só na indústria de mídia e entretenimento, mas também em outros mercados e até entre o público final. Gabriel Carvalho, Key Account Director do Google Cloud, enfatizou: "Desde 2016 somos uma empresa 'AI-First', o que significa que todos os produtos lançados a partir daí têm que ter uma feature de AI. Temos mais de 3 mil pesquisadores dentro do time e mais de 7 mil publicações a respeito. Mas o nosso grande diferencial é a preocupação com a parte da responsabilidade. Temos um controle enorme em cima da forma como os dados são gerados e quais dados são gerados. Estamos trabalhando em garantias, especialmente nesse começo de uso. Precisamos entender até que ponto faz sentido ou não o uso da tecnologia". 

Carvalho ainda explicou que existem dois tipos de inteligência artificial: a tecnologia do consumidor, isto é, que pode ser usada por "pessoas comuns" no dia a dia para pesquisas de roteiro de viagem, receitas culinárias e resumos de textos, por exemplo, que funciona a partir de dados já existentes no mercado, e que são públicos, e a tecnologia corporativa, voltada para empresas, cujo objetivo é construir dados exclusivos da empresa, todos criptografados, e que serão usados só por ela.  

Usos criativos: produção e experiência do usuário 

"De forma geral, IA melhora a criação, produção e gerenciamento de conteúdo; otimiza e personaliza as experiências da audiência e potencializa a monetização. Mas na parte da criação, eu ainda acredito no humano no meio do processo, fazendo a auditoria e validando as informações, e usando a IA como uma ferramenta adicional", destacou Carvalho. 

O executivo apresentou alguns possíveis usos na indústria da criatividade. Entre eles, a busca de informação: "Uma das maiores dores das empresas de mídia é encontrar dados – como arquivos, imagens e vídeos. O Google está não só expondo essa inteligência de busca de informação, mas também uma segunda parte, que é nosso algoritmo do YouTube, a busca contextual de informação. Temos testado com clientes sem nem precisar gerar metadados adicionais, pois está tudo na ferramenta de busca". Como exemplo, ele citou o NY Times, que agora permite que todos os assinantes do jornal busquem o que quiserem no acervo da publicação: como fotos específicas de determinado período de tempo. As informações são encontradas de forma automática – desde que estejam disponíveis online. "Empresas podem explorar isso como forma de monetização", sugeriu. 

Na parte do conteúdo jornalístico, as utilidades passam por geração de sumarização e de títulos, que hoje são feitas manualmente, além de recomendações editoriais – a IA pode, por exemplo, ajudar o editor a escolher as melhores matérias para colocar hiperlinks dentro dos textos. As sugestões seriam aprendidas com o conteúdo de acervo, entre matérias mais clicadas e aquelas que têm similaridade, entre outros critérios. A IA é capaz ainda de classificar as reportagens, entre as temáticas de "política", "economia" e etc. 

Saindo da parte de produção e entrando em experiência do usuário, a IA aparece na recomendação, seja em vídeo, no OTT, ou em reportagens jornalísticas e conteúdo em texto de modo geral. Nesse sentido, o Google já tem entre os clientes a Starz, e garante que o aprimoramento das recomendações aumenta o engajamento e diminui o churn de usuários. "Todos esses casos, no fim, estão ligados à monetização e são exemplos reais, que contam com ferramentas que as empresas já podem começar a usar. Ainda existem várias outras em desenvolvimento", adiantou. 

Cases e possibilidades 

Rafael Vieira, co-fundador da isportistics, acredita que, falando em IA, a principal novidade talvez seja o poder computacional. "A evolução disso num passado recente tem feito com que as pessoas passem a ver tudo isso como ameaça – tanto a empregos quanto a coisas mais existenciais também", apontou. "Não podemos prever o futuro a esse respeito – até porque o caminho deve ser menos linear do que a gente espera. Mas podemos pensar em bons usos, de forma responsável. Ferramentas como essas do Google e da nossa empresa colocam pequenos criadores de conteúdo em condição de igualdade e deixam os espaços mentais das pessoas livres para tarefas mais criativas e menos repetitivas", ressaltou. 

Vieira também apresentou alguns usos já possíveis da IA na produção de conteúdo. Para ele, os destaques são: detecção e tagueamento; remoção de objetos e background; monitoramento de exposição; monetização; e transformação e edição. Como exemplo, ele citou uma cena da série "Game Of Thrones" que acidentalmente foi ao ar com um copo de café do Starbucks aparecendo em segundo plano. "Nesse caso, a IA poderia ajudar na edição e na pós-produção, com ferramentas de detecção e tagueamento, e aí remover o copo usando tecnologias e de forma automática, sem que fosse necessário regravar a cena. Seria possível ainda alterar o objeto que está na cena ou assumir que existe um objeto ali e trocar a marca, por exemplo, monetizando aquele conteúdo", sugeriu. 

Um case específico da isportistics é uma parceria com a Federação Paulista de Futebol, para a Copa São Paulo, na qual a empresa permite que eles publiquem os melhores momentos de todos os jogos da Copinha – que são mais de 200, em um intervalo de três semanas – e que esse conteúdo esteja no ar até 15 minutos após o apito final em 100% das partidas, incluindo os dias que contam com mais de 40 jogos na mesma data. "Temos levado esse projeto adiante e precisamos apenas de dois editores trabalhando ao lado de inúmeras ferramentas de tecnologia", afirmou. "Não é mais o conteúdo que é rei, e sim o ROI, e a IA ajuda a pensar nesses tipos de retorno em cima dos investimentos. Criar, mensurar e iterar nunca foi tão fácil, inclusive para pequenos criadores individuais", completou. 

Clonagem de voz 

A inteligência artificial usada para clonagem de vozes também está em pauta. Miguel Dorneles é Business Development da ucraniana Respeecher na América Latina e atua diretamente trazendo as inovações desse meio para o nosso mercado. Na essência, a clonagem de voz é uma tecnologia que permite que um humano performe na voz de um outro humano. Nesse sentido, é importante diferenciar da deep fake, pois estamos falando de uma voz sintética. A Respeecher isola determinada voz e permite que essa identidade vocal seja usada para performar outras coisas. Hoje, ela só é falada, mas no futuro poderá ser cantada. Como exemplo, ele citou uma exposição do Ayrton Senna que contou com a voz do próprio piloto, que faleceu em 1994, recepcionado o público. Foi a Respeecher que tocou o projeto que, claro, adquiriu os direitos da família para tal. 

"O grande ponto é a intenção do seu projeto – é isso que diferencia. A voz sintética é um uso positivo da IA porque parte da premissa juridicamente legal, isto é, que conta com a permissão e a autorização de uso daquela voz. A ideia é democratizar a tecnologia, fazendo com que ela possa ser usada tanto por grandes estúdios quanto pelo público em geral. Todos, inclusive os pequenos produtores de conteúdo, podem ter acesso ao nosso voice marketplace, que é um banco de dados com mais de 100 vozes já disponíveis", explicou. 

O trabalho funciona a partir do seguinte passo a passo: a Respeecher garante as permissões para o uso da voz; reúne os dados da target voice; faz a "mágica", ou seja, coloca em cena a deep learning; e converte os novos dados como fonte. A partir daí, as aplicações são variadas: em TV, animação, dublagem e localização; games; publicidade; podcasts e audiobooks, entre outras. São disponibilizadas vozes consistentes, escaláveis e com flexibilidade criativa. Há inclusive possibilidades para as chamadas "vozes de alta demanda", como as de celebridades de agendas cheias, difíceis de conseguir num estúdio para gravar um comercial, por exemplo; e para "vozes do passado", de personalidades que já faleceram. 

Mas a conclusão é que, apesar de a tecnologia permitir coisas muito positivas, inovadoras e capazes de transformar completamente a indústria, seu mau uso pode levar a questões ilegais e políticas. "É importante ficar sempre alerta e se comprometer com o uso legal dessas tecnologias, inclusive na contribuição e disseminação desse uso legal. Tem que existir um disclaimer – um aviso ao público de que se trata de uma voz ou imagem gerada por IA, por exemplo -, além de transparência e bom senso sempre", finalizou Dorneles. 

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