Para formadores de opinião, mesmo em queda, momento da TV paga é otimista

Pela primeira vez, o Pay-TV Forum, evento promovido pelas publicações TELETIME e TELA VIVA que em 2021 chega à sua quinta edição, convidou observadores que acompanham o mercado de TV por assinatura para trazerem uma visão independente sobre a percepção do público e dos formadores de opinião sobre o presente e o futuro da TV paga no Brasil. E é praticamente consenso entre eles que o momento atual é positivo – apesar das constantes perdas de base, os canais e as programadoras estão dispostos a discutir novos modelos de negócio e se abriram de vez para o universo do streaming. 

Para Cristina Padiglione (Zapping/Telepadi): "É um bom momento para produzir e consumir e, felizmente, ultrapassamos esse sufocamento por parte do governo. Estamos descobrindo novas maneiras de produzir, financiar, recebendo incentivos de fora, que permitem que filmes e séries sejam finalizados… O momento é bom porque hoje roteiristas e donos de grandes ideias encontram janelas e telas para seus projetos. Estamos vendo muita gente conseguindo botar suas ideias na mesa e tendo voz, graças à chegada de novos players e mudanças que a tecnologia trouxe". Daniel Castro, do Notícias da TV, completa: "Entendendo televisão como o consumo de audiovisual na tela, é um bom momento para a TV, sim. Nunca se consumiu tanto conteúdo como agora e o mundo nunca mudou tão rapidamente, de forma tão radical como estamos vendo. A pandemia, particularmente, mudou os hábitos. Acredito que seja um bom momento para produzir, investir, acreditar e, principalmente, inovar. Conteúdo de qualidade sempre será consumido". Fernando Lauterjung, editor do TELA VIVA, afirma que é positivo ver o setor de TV paga abraçando o streaming e se propondo a sair de suas zonas de conforto com otimismo – coisa que não acontecia anteriormente.

Ricardo Feltrin, do Splash/UOL, é o único a apontar ressalvas: "Acho que é um bom momento para o consumo e péssimo para a produção. Os canais estão fazendo demissões em massa, o governo não apoia o setor, a Cinemateca está pegando fogo… Os players internacionais ainda estão vindo pra cá, mas não sabemos até quando. A fase é boa pro consumo por causa da pandemia, mas é uma situação temporária". 

A TV por assinatura ainda faz sentido para o consumidor? 

A resposta tende a ser "sim" – no entanto, a pay TV ganhou um novo significado nos últimos anos. "A TV por assinatura ainda faz sentido. Temos milhões de assinaturas resistindo nesse modelo que comprovam isso. Mas a queda é irreversível, ao mesmo tempo que o hábito de consumir conteúdo por streaming ou outros meios não-lineares vai permanecer", afirma Padiglione. "O que aconteceu foi que ela ganhou outro sentido. Hoje, busca-se casá-la com o streaming para oferecer um custo-benefício pro consumidor que, antigamente, resistiam muito a oferecer. Hoje, aquele velho pacotão de canais pagos é inviável. Mas não acredito que a TV paga vá morrer ou deixar completamente de fazer sentido". 

Daniel Castro, por sua vez, é mais categórico: "A TV por assinatura como conhecemos no século passado está fadada ao extermínio. Não faz mais sentido pra muita gente. Pra mim, por exemplo, não compensa mais ter operadora de TV por assinatura. Operadora virou provedora de banda larga. Todas as programadoras e canais estão indo para o streaming, para essa forma de consumo sob demanda. Isso veio para ficar. Operadoras estão tentando se mexer, oferecendo pacotes híbridos. Mas acho que a tendência é elas se tornarem grandes provedoras de internet. E tem que investir nisso mesmo, em levar boa internet para o consumidor. Enquanto isso, as programadoras estão pulando fora desse barco, investindo em suas próprias plataformas. O segmento do streaming foi o único que cresceu na pandemia – dependendo do horário do dia, de 40 a 45%. O hábito mudou". 

Para Lauterjung, estamos num momento de rearranjo do mercado – mas, no fim das contas, os agentes são parecidos. "A TV por assinatura está mudando porque entraram players novos, mas a Netflix é como se fosse uma TV por assinatura. O modelo tradicional vai erodindo e perdendo base, mas o público está migrando para outros. No mercado norte-americano, que é mais maduro, o cabo perde base constantemente há 20 anos. Mas, ainda assim, a TV por assinatura não perdeu relevância. Todo mundo tem seu papel – mas, o que estamos vendo, são os agentes dessa cadeia dispostos a rediscutirem seus papéis, os empacotamentos, os preços". 

O hype do streaming 

Feltrin relembra que, quando a Netflix surgiu no Brasil, tudo que ela lançava era elogiado e tratado como "a melhor coisa do mundo". Lauterjung, por sua vez, recorda que nos eventos do mercado era até desagradável falar sobre a empresa. Já para Castro, o serviço teve um hype porque era uma novidade, uma espécie de revolução para o setor. No entanto, a "bolha do streaming" começou a furar – plataformas como a própria Netflix não bateram suas metas de assinantes, surgiram concorrentes e, aí, foi necessário aumentar os preços. "A Netflix deve seu sucesso a uma geração emocionada. Mas hoje é diferente. Os acionistas já pressionam para colocar anúncio, por exemplo", ressalta Feltrin. 

O editor da TELA VIVA explica que a TV por assinatura, por mais que tenha inúmeros conteúdos e de boa qualidade, não tem o mesmo modelo disruptivo que o streaming trouxe – como a possibilidade de assistir a uma série inteira de uma vez. "O streaming promoveu a cultura do binge watching, um novo jeito de ver TV. Foi isso que trouxe esse hype, tanto na imprensa quanto com o público em geral, que foi para as redes sociais falar sobre isso. Criou-se um hábito de consumo completamente diferente da TV linear. A demanda por mais conteúdo aumentou. Os canais tradicionais demoraram para oferecer esse jeito disruptivo de consumo – alguns não têm até hoje", observa. 

Para Padiglione, antes do streaming nós nem tínhamos a percepção dessa sede de maratonar conteúdos. "Alguns canais infantis exibiam essas maratonas. Depois vieram os canais de filme, como o Megapix. Mas esse costume de empacotar conteúdos e fazer listas temáticas do que assistir veio mais forte com o streaming. É o poder de escolha do consumidor, que passou a montar sua própria programação", diz a jornalista. Além disso, Castro traz outro ponto relevante desse meio: "É muito mais fácil fazer listas do tipo 'Dez séries imperdíveis' para o streaming porque o conteúdo está lá disponível, a dica se torna válida por muito tempo. Isso não acontece na TV. O conteúdo online tem cauda longa, vai se reciclando". 

É claro que o streaming segue com uma aceitação enorme junto do público – no entanto, essa mudança do linear pro digital não é tão simples assim. "As pessoas que optaram por essa troca percebem que substituir os canais de TV por streaming é complicado. Porque são muitos serviços e nenhum deles terá todas as ofertas. Se você for somar todos os pacotes, plataformas, aplicativos, no fim das contas fica caro. Tem apps baratos, claro, mas eles não têm tudo em termos de conteúdo. Somando tudo, fica quase o preço de uma TV por assinatura", destaca Edianez Parente, do Observatório da TV. 

"O consumidor faz essa conta e vê o que para ele faz mais sentido. Quem pode assinar o pacote de TV paga e os streamings faz as duas coisas – mas quem tem que escolher acaba abrindo mão da TV por assinatura. Por anos ela pareceu um serviço que não era supérfluo, mas agora ela é questionada quando a pessoa precisa cortar gastos em casa", completa Padiglione. "Por outro lado, a TV por assinatura normalmente vem empacotada com outros serviços – como internet e telefone – que os streamings não oferecem. Esse é um diferencial", pondera. 

Os gargalos da TV paga 

Para Feltrin, um dos grandes problemas da Pay TV é a questão da legislação, que ele define como "absolutamente ultrapassada". O jornalista afirma que, enquanto essa legislação não mudar, o futuro será incerto – inclusive no que diz respeito aos empregos das pessoas que trabalham no setor. "Que a TV paga precisa se reinventar, apresentar um novo formato, sair do pacotão engessado nós já sabemos. Tem um monte de coisa para discutir. Mas começa pela legislação. Sem uma legislação atualizada não funciona. E o que estamos vivendo hoje é uma terra sem lei". Ele acrescenta que essa é uma discussão que não envolve a população – e que quem deve tomar à frente dessa briga são as operadoras e os canais, levando o debate ao governo e fazendo pressão. 

A "preguiça" da TV paga é outro gargalo apontado por Feltrin. "Mesmo antes do streaming eu já falava sobre isso. Os canais são preguiçosos. Tem canal com a mesma chamada há anos; canal que interrompe a programação para passar a mesma propaganda 50 vezes por dia. Não tem como ter fidelidade. Eles reprisam muita coisa, fora de ordem. É difícil". 

Outro ponto crítico levantado pelos especialistas é a comunicação com o público – que muitas vezes não tem consciência dos serviços aos quais tem acesso – especialmente por parte das operadoras. "A comunicação com o cliente é mal feita. Só no momento em que vamos cancelar nosso pacote descobrimos todas as funcionalidades disponíveis. Enquanto o assinante não reclama do serviço ou não reivindica um preço menor, ele não é comunicado corretamente. É muito recorrente isso, as pessoas ligam para cancelar e descobrem um mundo de ofertas. Ou seja, essa comunicação ruim acaba sendo conveniente, porque aí o cliente desiste de cancelar. Mas numa dessas eles podem perder muito público pro streaming". 

Pirataria 

A indústria da pay TV usa muito a pirataria para justificar sua perda de base – mas para os especialistas, o problema é real e ainda não é tão combatido quanto deveria. 

É comum vermos os usuários de serviços piratas justificando suas ações com o argumento do preço, dizendo que a TV por assinatura supostamente é muito cara. Para Feltrin, isso é hipocrisia: "O consumidor não pirateia só os canais pagos, mas também serviços de streaming que custam dez reais. As pessoas querem o pirata, a marca pirata, tudo pirata. Não é só com a televisão. E quem está sentindo isso hoje é o streaming, com o tanto de boxes falsificados disponíveis no mercado. Vemos até propaganda deles o tempo todo", critica. 

Padiglione reforça que esse é um problema que vai muito além do setor de TV. Segundo a jornalista, as pessoas não têm a percepção de que isso prejudica a indústria como um todo. "Isso não é sentido pelo público", acredita. "Existe uma cultura de receber um bom conteúdo audiovisual de graça por causa da TV aberta, então as pessoas não veem a pirataria como um problema. Ficaram a pandemia toda assistindo a séries e filmes, mas quando falamos em financiamento do setor, fundo setorial, acham um absurdo. Dizem 'Ah, mas precisa? Essas pessoas vivem bem!'. Sendo que elas estão consumindo o trabalho dessas pessoas o tempo todo!".  

Castro concorda que existe zero empatia da parte do público diante dessa questão e acrescenta: "Existe ainda um componente social e geográfico nessa história que alimenta a pirataria. Em muitas comunidades dominadas pelo tráfico e por milícias o 'gatonet' é obrigatório. Não tem a opção de assinar uma operadora legal. E isso é muito grave". 

Para Edianez Parente, as pessoas não se sentem criminosas consumindo pirataria porque estão pagando por esse serviço pirata. Segundo ela, um caminho possível seria apelar para o emocional, como fez a última campanha da ABTA, que convidou crianças para falarem sobre o assunto. Já para Lauterjung, é necessário deixar mais claro para os usuários de serviços piratas quem eles estão financiando ao consumir esses produtos. "Falar sobre empatia com o setor e remunerar a cadeia audiovisual não está funcionando. Então, temos que mostrar quem é que está sendo remunerado. Qual cadeia o serviço pirata está financiando", conclui. 

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