Bruno Wainer, da Downtown, analisa o impacto do streaming e critica inércia das políticas públicas

(Foto: Reprodução YouTube)

No novo episódio do "Café com Pixel", programa do canal TELA VIVA no YouTube coproduzido com o escritório CQSFV Advogados, Bruno Wainer, CEO da distribuidora Downtown e da plataforma de streaming Aquarius, falou sobre o mercado brasileiro de distribuição e produção e destacou que, apesar dos últimos anos terem sido marcados por uma série de transformações – tais como mudanças no gosto e nos hábitos de consumo da audiência, nas políticas públicas e a pandemia – "tudo depende da maneira como a gente enxerga os acontecimentos". Ele explicou: "Eu enxergo essas mudanças como oportunidades, como uma possibilidade de irmos para um outro lugar com o nosso audiovisual. Em 2020 e 2021, por exemplo, a Downtown foi bem em matéria de negócio, apesar da pandemia. Tínhamos filmes prontos e vendemos bem para as plataformas. Se estivermos bem regulados, com o pensamento correto sobre o atual estado do audiovisual, ele pode viver momentos de glória como nunca viveu antes". 

Nesse sentido, ele afirmou que um dos maiores desafios do mercado é a velocidade com a qual as coisas acontecem. Para Wainer, enquanto o mundo audiovisual se transforma na velocidade da luz, as decisões sobre ele ainda acontecem como "no tempo da charrete". O CEO ressaltou que é essencial equalizar essa velocidade. 

Em relação ao cinema, ele disse que o espaço das telas já estava em transformação mesmo antes da pandemia: "As telas do cinema cada vez mais, e agora totalmente, se transformaram em um lugar para filmes com capacidade de se tornarem eventos. O que move o consumidor a sair de casa, pagar o ingresso, o estacionamento e a pipoca é o evento. O que não é evento, não consegue vencer na tela de cinema. Isso já vinha acontecendo e, depois da pandemia, se consolidou". Do ponto de vista de uma distribuidora que por dois anos (2018-2019) foi a terceira que mais vendeu ingressos de cinema, e que ainda é detentora do maior recorde de bilheteria do cinema brasileiro ("Minha Mãe é Uma Peça 3"), o CEO garante que o segredo está no filme que consegue se comunicar com o público. "Quando as pessoas vão assistir um filme estrangeiro é para se alienarem do mundo, esquecerem da sua realidade. Quem decide ver um filme brasileiro precisa se identificar com o que está na tela. Grandes sucessos populares são aqueles que geram grande identificação com o público", definiu. "Mas a elite brasileira não gosta do cinema brasileiro – nunca gostou. Não adianta fazer filmes para eles porque não vão assistir", acrescentou. 

Chegada do streaming e a desvalorização do conteúdo 

Fazendo uma linha do tempo, Wainer apontou que a chegada das plataformas de streaming foi um "sopro de renovação" para a produção nacional porque, até aquele momento, o único caminho para os filmes brasileiros serem exibidos fora da tela do cinema era por meio do Grupo Globo, que era o único que comprava esses conteúdos. "Quando as plataformas chegaram, chegou a possibilidade de concorrência para aquisição do produto brasileiro. Isso transformou o setor pra muito melhor. Com desafios, claro, e coisas que temos que ajustar. Mas foi para melhor. O produto brasileiro passou a ser disputado e começou a se pagar um preço melhor por ele. Por outro lado, sofremos por causa de tudo o que aconteceu com a nossa política pública. Não foi só a pandemia ou o governo Bolsonaro. Começou antes", relembrou. 

No entanto, o executivo mencionou que, no início desse mercado de streaming, os estúdios eram os fornecedores de conteúdos para as plataformas. Para eles, foi uma "bóia de salvação", mas essa mudança na dinâmica do consumo acabou com um mercado que gerava muito lucro, que era o TVOD. "O filme saía do cinema e tinha essa janela para ser alugado individualmente, era uma renda muito importante. Acabaram com uma importante fonte de receita quando acabaram com o TVOD. E quando os estúdios resolveram criar seus próprios streamings, todo o modelo enfraqueceu", analisou.

Destruição de valor 

Apesar dos efeitos positivos em muitos aspectos, o streaming teve um efeito colateral ruim: Wainer criticou o fato de que assinaturas de plataformas custam cerca de 20, 25 reais por mês, reiterando que isso faz parte desse processo de destruição de valor. "É a desvalorização do seu próprio patrimônio. Quantos bilhões têm naquela plataforma? O consumidor se acostuma com o preço. Depois aumenta para 40 reais, ele reclama. É a desvalorização do negócio", declarou. "Para mim, a pior crise do setor é de autoestima. Gastamos dinheiro para fazer filme e, três meses depois, o consumidor está reclamando do preço da assinatura do streaming". 

Para ele, a questão passa por valorizar e reconhecer o audiovisual como uma indústria: "No Brasil, é preciso organizar esse negócio como indústria. Se nós formos apenas consumidores de produções estrangeiras, o dinheiro gerado por esse consumo vai para fora. Quando consumimos produtos brasileiros, o dinheiro fica aqui, é investido novamente, gera empregos. Muitas vezes essa lógica não é compreendida – não sei se por falta de informação ou por má fé". 

"O governo precisa sair da inércia" 

As políticas públicas também foram abordadas por Wainer na conversa. O CEO reconheceu que há um enorme esforço do setor audiovisual em chamar o governo para o diálogo em busca de um maior entendimento, mas advertiu que, nesses dez meses de governo, "ele não disse claramente ao que veio". Uma de suas grandes críticas é a respeito da demora na nomeação do novo Conselho Superior de Cinema – conforme noticiamos, deve sair ainda nesta semana, mas a portaria ainda não foi oficializada. "Sem o Conselho, você não define quais são as prioridades do setor, não nomeia o novo Comitê Gestor do Fundo Setorial, não decide como o dinheiro do Plano Anual de Investimentos vai ser aplicado, não decide nada. O governo precisa sair da inércia", enfatizou o CEO, pontuando ainda que é necessário que o Brasil tenha políticas de Estado, e não de governo. "A cada novo governo, temos que escalar a montanha de novo". A entrevista foi dada antes da divulgação dos nomes do novo Conselho Superior de Cinema, cuja portaria está prevista para esta semana.

E ainda nesse caminho, Wainer definiu a Lei Paulo Gustavo como "a maior tragédia". Ele discorreu: "Nunca vi um retrato mais claro da vocação indiscutível do Brasil de perder oportunidades quanto essa lei. Foram dois bilhões de reais jogados para o alto. Não vejo nenhum ganho da Lei. Todo município ganhou dinheiro. Qual é a coordenação com o Fundo Setorial? Quem comanda, quem fiscaliza esse dinheiro? Para mim, é um escândalo. Não faz o menor sentido, não vai deixar nada. Não há legado". 

Espaço dos serviços de nicho

Por fim, o executivo também relembrou o processo de criação de sua plataforma de streaming, a Aquarius, que começou na pandemia como um serviço focado em conteúdos de meditação, yoga e budismo e logo expandiu também para as temáticas ambientais, de ativismo e inclusão. Ele afirmou que tem convicção que as plataformas de nicho têm espaço nesse mercado de streaming. "Aprendi que esse modelo de concentração de plataformas permite justamente a existência de nichos. Já estou migrando para oferecer a Aquarius nos canais da Amazon, na Claro, e conversando com o Mercado Livre. É uma explosão de possibilidades de oferecer seu produto nessas hiperplataformas. É um pensamento que eu não tive quando comecei, mas vi que existem mil portas de entrada". 

Assista à entrevista na íntegra no canal da TELA VIVA no YouTube ou abaixo: 

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