O tema da regulação dos serviços de vídeo sob demanda (VOD) tem recebido especial atenção, não apenas no âmbito do Congresso, mas também do Executivo, da mídia e da sociedade em geral. Faz sentido que assim o seja: ao longo da última década tais serviços, em todas as suas modalidades e formatos, foram conquistando espaço no país, crescendo em diversidade de ofertas e investimentos, assim como em número de assinantes.
É natural portanto que surjam discussões a respeito da necessidade de regulação de tais serviços, dadas as suas particularidades que os diferenciam de outros serviços de mídia audiovisual. O tema tem de fato merecido grande atenção do Poder Legislativo, havendo diversas propostas tramitando no Congresso Nacional discutindo o tema em todas as suas dimensões.
Para além das discussões específicas em relação à potencial regulação dos serviços de VOD, vemos atualmente no país uma grande quantidade de proposições que afetam tais serviços, direta e indiretamente. De projetos de lei voltados à regulação do ambiente digital àqueles que determinam a imposição de tributos sobre negócios realizados on-line; de propostas de modificação da Lei de Direitos Autorais ao projeto de emenda constitucional relacionado à reforma tributária.
Não constitui objeto do presente artigo debater o mérito de tais proposições, visto que cada uma delas possui um intrincado conjunto de aspectos técnicos que tornaria impossível sua análise pormenorizada neste espaço. Ao revés, trata-se aqui de questão ainda não suficientemente enunciada: diante de tantas iniciativas legislativas que, individualmente, possuem elevado impacto na prestação dos serviços de VOD, quem está a exercer o papel de analisar o impacto conjunto quando (e se) as medidas propostas venham a ser efetivamente aprovadas?
Para tornar mais evidente o exposto, tomemos como exemplo algumas das proposições atualmente em discussão no Congresso com impacto potencial sobre os serviços de VOD:
- (a) o PL n. 8.889/2017, se aprovado em sua última versão, imporia uma alíquota adicional de até 4% sobre a receita anual bruta dos provedores do serviço, a título de Condecine (disposição similar encontra-se em outras proposições, como o PL 1.994/2023);
- (b) o PL n. 2.370/19, que propõe a criação de uma camada adicional de remuneração a titulares de direitos autorais, exclusivamente em função da sua utilização por meios digitais que, se aprovada, representará cobrança adicional sobre as receitas dos provedores de serviço de vídeo sob demanda;
- c) os PLs 2.358/2020 e PLPs 131/2020 e 218/2020, que visam a estabelecer tributação adicional sobre serviços digitais em geral, com alíquotas que chegam a 5% sobre a receita bruta do prestador de serviço;
- d) a própria reforma tributária (PEC 45), que com o nobre objetivo de simplificar e modernizar nosso sistema tributário, amplia significativamente a tributação incidente sobre o setor de serviços, em geral, e sobre os serviços de VOD, em particular – unificando alíquotas que atualmente giram em torno de 5% e elevando-as para patamar acima de 10%, segundo estimativas.[1]
Vale destacar que as propostas legislativas acima mencionadas têm avançado individualmente no Congresso Nacional, sem que as lideranças políticas tenham atentado para o seu potencial impacto conjunto; impacto este que pode reduzir drasticamente o potencial de desenvolvimento dos serviços de VOD no Brasil.
Os serviços de vídeo sob demanda, em seus diversos formatos e modalidades, constituem hoje o principal vetor de investimentos da indústria audiovisual em todo o mundo. São fonte robusta de investimentos na produção de conteúdo nacional e impulsionam atividade econômica para muito além da indústria audiovisual propriamente dita. São parte essencial do ecossistema das indústrias criativas, que atualmente representam mais de 3% do PIB brasileiro, de acordo com o Observatório Itaú Cultural das Indústrias Criativas, e crescem a taxas mais altas que o conjunto da economia nacional, de acordo com dados da PwC.
Sem negar, portanto, a importância do debate legislativo em torno de temas tão relevantes como a reforma tributária ou a regulação dos serviços de VOD, é chegado o momento em que as lideranças políticas devem ampliar o debate a partir da perspectiva da floresta, e não apenas das árvores. Apenas a partir de uma análise sistêmica é que se poderá chegar a um formato regulatório e fiscal que permita o desenvolvimento sustentável dos serviços de VOD no Brasil – um desenvolvimento que certamente interessa não apenas aos espectadores de filmes, séries e vídeos, mas também à cadeia produtiva do setor audiovisual e à economia nacional como um todo.
[1] Impossível calcular exatamente o impacto devido ao fato de que as alíquotas efetivamente cobradas em substituição aos tributos estaduais e municipais serão definidas por meio de Lei Complementar, posterior à aprovação da PEC.