Diminuir preço, investir em divulgação e parcerias e fortalecer o diálogo: as estratégias para a retomada do cinema nacional

A discussão sobre a volta do público às salas de cinema dominou a programação do RioMarket, área de negócios do Festival do Rio, nesta quarta-feira, dia 12 de outubro. O debate teve início pela manhã, em um painel que reuniu os produtores Caio Gullane, Clélia Bessa e Julio Uchôa, e teve continuidade na parte da tarde, em uma grande mesa que envolveu mais de 15 nomes do mercado. A conversa teve, como objetivo, analisar o atual cenário e discutir as possíveis soluções. 

A "crise" das salas de cinema passa por diversos fatores. Uma pesquisa apresentada por Fátima Rendeiro, Diretora da Associação Brasileira de Propaganda (ABP) e Conselheira do Grupo de Mídia do Rio de Janeiro, feita com o público brasileiro em 2022, identifica que algumas das razões desse afastamento são o preço alto, a experiência pouco atraente, a chegada do streaming e, consequentemente a perda de exclusividade de lançamento, além da pouca divulgação e do conforto de casa, que ganha pontos na briga com a ida ao cinema presencial. 

Para Felipe Lopes, sócio-diretor da Vitrine Filmes, uma vez que estamos falando de um ecossistema complexo, não existe uma resposta única. A busca deve ser por soluções complementares. Há o ponto crítico do valor do ingresso, sim. "Claramente vivemos uma crise econômica e isso influencia muito. Nosso cinema historicamente sempre teve adesão com a classe C que, hoje, está perdendo seu poder de compra", mencionou. "Temos que entender como cada um de nós pode contribuir com a nossa expertise, tendo esse pensamento coletivo de respeito sobre o espaço onde cada um atua. Cada um tem seus dados, suas informações. Reunir tudo isso é importante para trazer o público de volta. A parte da regulação é fundamental. Não dá para ter uma concentração de um mesmo filme ocupando 80% das salas. A pluralidade de opções é benéfica para o mercado e para o público. Essas regras precisam ser revistas", defendeu. "E como distribuidor, vejo uma grande dificuldade de investir. Não teve uma retomada de fomento a nível nacional. 'Marighella', por exemplo, teve um fomento local de São Paulo que foi fundamental para a campanha acontecer. Precisamos olhar para o quanto trabalhamos nesse investimento de comercialização. Redes sociais, por exemplo, é lugar de investimento, é uma mídia, não dá pra achar que lá vai ser orgânico. Até os micro-influenciadores estão nessa lógica do mercado. Temos que dar valor para essa comunicação com o público final. É um trabalho coletivo, a partir das informações que cada um tem", concluiu. 

Como solucionar a questão do preço 

Jefferson Pugsley, Head of TV Sales Distribution Latam da Imagem Filmes pontuou que a trajetória do cinema é marcada por problemas semelhantes desde 2008, com os números de ingressos vendidos caindo cada vez mais e a renda se mantendo minimamente porque os valores dos mesmos sobem. Ele considera que, hoje, o setor está distante do consumidor final, já que ele não está indo espontaneamente ao cinema. "Tem que abaixar o preço para as pessoas irem, sim. O nosso negócio tem seu valor, mas uma vez que as pessoas vão ao cinema porque o preço está mais baixo, elas se conectam com a experiência, e vão querer voltar", opinou. 

Ainda falando sobre preços, Patricia Kamitsuji, managing director da Universal Pictures e consultora para formatação de projetos, definição de estratégias e distribuição, sugeriu possibilidades de preços dinâmicos, isto é, com valores variáveis dependendo do tempo que o filme está em cartaz e ainda promoções do tipo quem comprar um ingresso ganha um vale para trocar por outro dali a determinado tempo. "Isso já acontece em outros países e precisamos aprender com experiências que deram certo. Os exibidores precisam trabalhar a frequência, e não o filme em si, que é papel do distribuidor". 

Walkiria Barbosa, produtora e ainda diretora executiva do RioMarket e diretora do Festival do Rio, pontuou que, diante de todos os acontecimentos dos últimos anos, faltou o setor se reunir para falar sobre sua fragilidade econômica: "Cada área dentro do audiovisual pensou nos seus próprios problemas. Nada fizemos, por exemplo, para tentar reduzir os custos dos impostos. Não falamos sobre isso junto das prefeituras. Precisamos olhar para os lados de todo mundo. Para o exibidor baixar o preço, precisa ter seus custos reduzidos. Mesmo que seja algo temporário. Vários outros setores fizeram isso durante a pandemia". 

Investimentos e parcerias para divulgação 

Para André Sturm, cineasta, produtor e gestor cultural, além de diretor da Pandora Filmes e do Cine Belas Artes, em São Paulo, o ponto mais crítico é que as pessoas precisam saber o que está passando nos cinemas: "Eu não acredito que o público mudou tanto. Cinema é hábito, sempre foi. Mas para continuar sendo, as pessoas precisam saber o que está em cartaz. Depois da pandemia, a imprensa não divulga mais o que estreia nos cinemas, só nas plataformas de streaming. Essa divulgação antes nos ajudava muito. É essencial que o público saiba onde achar a programação dos cinemas. A 'Semana do Cinema', por exemplo, foi muito divulgada na TV. Tivemos resultados muito bons. As pessoas gostam de ir ao cinema. É claro que, nesse caso, o preço baixo ajudou, mas falta a informação". Sturm prosseguiu: "Não é que as pessoas não vão ao cinema porque preferem ver filme no streaming. Tem futebol de graça na TV, mas os estádios estão cheios. Dá para pedir comida pelo Ifood, mas os restaurantes estão cheios. São várias questões envolvidas mas, para mim, a impossibilidade de saber o que está passando no cinema e o fato de não sermos mais impactados com conteúdos sobre as estreias são determinantes". 

Patricia acrescentou que, nesse sentido, não podemos esquecer dos talentos: "Nos Estados Unidos, tem conteúdo sobre cinema na TV todos os dias. Os programas falam sobre o que vai estrear, os jornalistas entrevistam os atores e os diretores, que são engajados em divulgar o próprio filme. Popularizar o cinema passa pelos talentos que trabalham nele se mostrarem para as pessoas. Quem faz cinema precisa aparecer, ter vontade de fazer isso. Essa divulgacão também parte de quem faz cinema". Ela ainda sugeriu: "Podemos investir na criação de fóruns e na busca por parcerias. Aproveitar esses movimentos das empresas de fora e fazer com que elas promovam nossos conteúdos. Somos o destino de novos players e investidores. Eles podem nos ajudar a fazer o nosso cinema ter a relevância que merece". 

Walkiria concordou que a aproximação com outros setores é necessária – entre eles, a imprensa, o mercado publicitário, as agências que cuidam de influenciadores e até com os shoppings: "O cinema é a âncora dentro desses espaços e, por isso, temos que contar a ajuda deles nessa comunicação. Os influenciadores também podem ajudar, precisamos engajá-los nesse movimento. É necessário realizarmos encontros com todos esses setores e também outros internos dentro do nosso próprio setor, para que tudo isso resulte em planos de ação efetivos". 

E seguindo no tema da comunicação e divulgação, Bruno Mezzena, CEO da VIBEZZ, empresa focada em inteligência de marketing, disse que o case da "Semana do Cinema", na qual os ingressos foram vendidos a dez reais, trouxe algumas respostas. "Os números foram fantásticos. O preço baixo foi fundamental, claro, afinal há tempos não passávamos por uma crise econômica dessa dimensão. Mas o ponto chave ali foi a comunicação integrada. Todos os níveis da cadeia se mobilizaram nessa divulgação. Desde a pandemia não víamos esforços de comunicação tão integrados. 

Principal proposta de ação é o diálogo 

Todas as possíveis soluções passam pela ampliação do diálogo, tanto interno quanto externo. "É um trabalho de união. Precisamos estar juntos, porque as soluções são complexas e envolvem fortalecer esse trabalho de comunicação mesmo. Muitas vezes pensamos de forma segregada – produtores, distribuidores e exibidores – mas o desenho de audiência vem desde o começo, segue no lançamento e tem que ser pensado por todos juntos. É um cenário diverso, com muitos públicos e muitos filmes", afirmou Felipe Lopes. 

"No fim das contas, não tem exibição se não tiver produção, por isso precisamos trabalhar em conjunto", concordou Jeff Pugsley. "Para falarmos com essas pessoas – empresas, parceiros, imprensa – precisamos nos estruturar, isto é, alinhar discursos específicos para chegar em cada uma delas. Só assim seremos ouvidos. Temos que ter uma só palavra, mas que vai chegar nesses diferentes lugares", completou. 

"Precisamos ter mais encontros de discussão e provocar mais o mercado. É uma iniciativa que deve ser contínua, com debates mais aprofundados e com maior frequência. Dentro do ecossistema do cinema, cada um tem sua informação, seu elemento a contribuir. É hora de unir todas essas ideias", acrescentou Bruno Mezzena. 

Flavio Carvalho, head de programação do Kinoplex, explicou que, para os distribuidores, o sucesso do filme está totalmente ligado a data em que ele é lançado: "Por isso temos que fazer esse grande planejamento anual, que ainda não acontece. Tem que existir essa aproximação entre as áreas. Tem informações que só o exibidor tem acesso, como por exemplo sobre que tipo de filme performa melhor em qual horário. A realidade hoje é difícil, mas confio que pode melhorar especialmente no próximo ano, com produções novas". 

Como fica a produção? 

Mariza Leão, da Morena Filmes, assina a produção de grandes sucessos do cinema nacional, como "De Pernas Para o Ar", e é uma das profissionais mais empenhadas na formulação de políticas públicas para o cinema. No papo, ela refletiu sobre a produção nacional e o seu espaço nos cinemas: "Penso que nossa pandemia não começou com a Covid. Ela começou lá atrás, quando perdemos a cota de tela e o espaço que os nossos filmes perdeu e segue perdendo para os filmes de fora. Eu não tenho mais tempo a perder. Tem que ser agora. E esse agora só pode ser recomposto quando tivemos, de fato, esse tripé de produção, distribuição e exibição com a consciência de que nós não estamos tratando bem o nosso cinema". 

Recentemente, a produtora de Mariza estreou "Eike – Tudo ou Nada" nos cinemas, um filme de ficção inspirado na trajetória de Eike Batista. "Nosso filme não entrou na sessão noturna de várias salas de cinema. Não é um filme para se ver à tarde. A fragmentação da programação é muito cruel. Pesquiso um filme nacional e descubro que ele só está em cartaz na sessão das 14h, num bairro distante. Isso não dá. Precisamos parar de nos enganar e identificar de verdade quais são as mazelas e o que podemos fazer para modificar essa situação. Para isso, cada um de nós tem que assumir sua responsabilidade. Usar sua inteligência para saber qual é o seu papel. Se um único filme ocupa 80% do circuito, que chance os outros têm de serem percebidos? Mas o problema não é único. Não é só colocar o meu filme à noite. Temos que olhar pra isso como um todo para entender como resolver. Não vamos equalizar a situação se não falarmos a verdade", ponderou. "Somos uma indústria cultural, tem a ver com percepção de vida. Em quem as pessoas vão votar na próxima eleições, as condições sociais, nada disso está dissociado. Por que nos recusamos a voltar a carimbar o que fazemos como indústria cultural?", questionou. 

Por fim, a produtora Iafa Britz, da Migdal Filmes, ressaltou que precisamos, como setor e como país, resgatar nossa autoestima. "É um momento em que o brasileiro não quer se ver, não quer ter que se olhar no espelho. Nossa autoestima está lá embaixo. E para além disso, precisamos muito das políticas públicas. Nossos maiores filmes contaram com recursos do Fundo Setorial, com a cota de tela. São mecanismos essenciais", finalizou. 

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