As novas leis de cotas do audiovisual e outras consequências

No dia 16 de janeiro de 2024 foram publicadas duas Leis que tratam de cotas de tela de filmes e obras audiovisuais brasileiras.

A Lei 14.814/2024 recriou a cota de tela para salas exibidoras cinematográficas até o ano de 2033.

* Marcos Alberto Sant'Anna Bitelli é Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP e advogado e sócio sênior de Bitelli Advogados. (Foto: Divulgação)

Diferente do modelo anterior que era um número de dias anuais com apuração semestral, agora a exibição de obras cinematográficas brasileiras de far-se-á proporcionalmente durante o ano, nos termos do regulamento. A lei anterior determinava que seria fixado anualmente por Decreto a quota de tela de cinemas. A nova lei, igualmente trata da periodicidade anual para fixação da quota por Decreto. Além disso fica autorizado definir número mínimo de sessões e a diversidade dos títulos a ser praticada pelas salas de cinema, o que antes não era previsto na Lei.

A primeira dúvida que fica é se somente será possível a fixação para o ano de 2025, ou se com base no novo §1º que diz que a exibição de obras cinematográficas brasileiras far-se-á proporcionalmente durante o ano, nos termos do regulamento, abrir-se-ia uma porta para se criar uma cota já em 2024. A conferir o debate que não será trivial.

Um decreto presidencial seria o instrumento adequado para a regulamentação, uma vez que a Agência Nacional do Cinema – Ancine não é agência regulatória plena da atividade de exibição. A Ancine terá responsabilidade de fiscalizar o cumprimento dessa cota de tela.

As novas regras de fiscalização da Lei noviça exigirão a revisão do Decreto nº 6.590, de 1º de outubro de 2008, que dispõe sobre o procedimento administrativo para aplicação de penalidades por infrações cometidas nas atividades cinematográfica.

Outra novidade é a previsão de que a regulamentação deverá dispor sobre a variedade, a diversidade, a competição equilibrada e a permanência efetiva em exibição de obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem em sessões de maior procura, com a finalidade de promover a autossustentabilidade da indústria cinematográfica nacional e do parque exibidor, a liberdade de programação, a valorização da cultura nacional, a universalização do acesso às obras cinematográficas brasileiras e a participação delas no segmento de salas de exibição.

Essa regulação prevista no novo §5? da redação dada ao novo art. 55 da Medida Provisória 2228-1/2001 não tem exatamente vinculação temática com a cota de tela nele prevista e se trata regra de regulação ex ante da atividade empresarial de exibição. Será necessário entender como ela conversará com a Constituição Federal e com a Lei de Liberdade Econômica. Um decreto regulando essa parte da nova Lei será necessário e terá que ser muito cuidadoso para andar dentro da legalidade e constitucionalidade.

As multas antigamente previstas de 5% da receita média diária dos cinemas, por descumprimento de cota prevista no art. 55 foram retrazidas. A nova Lei parece, contudo, conter um equívoco ao prever um bis in eadem de multas, pois incluiu uma multa que vai até dois milhões, no novo artigo 60 para o mesmo descumprimento de cota de tela de cinema. Ou seja, duas multas pelo mesmo fato infrator. Na Lei anterior a multa de 5% era apenas para descumprimento da cota de cinema (no então art. 59), com um teto de 2 milhões e a multa de 2 milhões prevista no então art. 60, que era para a cota de vídeo doméstico. A nova Lei deve ter se confundido e juntou as duas coisas, pelo que a risco de segurança jurídica nesta nova regra de sanção, porque a multa de até 2 milhões prevista no novo art. 60 também inclui agora a violação ao art. 55, que já é apenado com a multa do inciso II do art. 59 (5% da receita de bilheteria). No antigo art. 60 o art. 55 estava corretamente excluído.

A demais cotas (vídeo doméstico e televisão por assinatura) estão previstas na Lei 14.815/24.

A nova redação dada ao art. 56 prorroga a cota de tela para o segmento de distribuição de vídeo doméstico até 2043. O certo é que essa cota não fosse recriada tendo em vista que esse setor foi praticamente extinto há vários anos. Seria como estabelecer cotas para discos de vinil na música ou fitas cassetes. É hoje uma tecnologia "vintage" para nichos de colecionadores. Não faz mais sentido se pensar em regulação dessa atividade que deveria ser incentivada a sobreviver como um nicho de mercado, inclusive isentando-a da Condecine Título, o que não ocorreu. A permanência da Condecine Título nessa atividade é um impedimento a que ela exista ainda que marginalmente. Mais difícil entender ainda porque é a mais longa da cotas, 2043?

Além disso a nova Lei prorroga até 2038 a cota de tela nos canais de programação qualificados de televisão por assinatura e a cota de grade de canais de programação brasileiros das operadoras, de que tratam os artigos 16 a 23 da Lei 12.485/11 (A Lei do SeAC).

Assim nos canais de espaço qualificado, no mínimo 3h30 semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser brasileiros e integrar espaço qualificado, e metade deverá ser produzida por produtora brasileira independente. Em todos os pacotes pelas operadoras de televisão por assinatura ofertados ao assinante, a cada três canais de espaço qualificado existentes no pacote, ao menos um deverá ser canal brasileiro de espaço qualificado. Da parcela mínima de canais brasileiros de espaço qualificado de que trata o caput, pelo menos um terço deverá ser programado por programadora brasileira independente. A empacotadora continua obrigada a cumprir essa cota até o limite de 12 canais brasileiros de espaço qualificados. Se mantém também a regra de que nos pacotes em que houver canal de programação gerado por programadora brasileira que possua majoritariamente conteúdos jornalísticos no horário nobre, deverá ser ofertado pelo menos um canal adicional de programação com as mesmas características no mesmo pacote ou na modalidade avulsa de programação.

As cotas de programação em canais lineares, não afetam canais de radiodifusão e de distribuição obrigatória, nem canais ofertados por tecnologias over the top, por streaming na internet. Igualmente, as cotas de grade de programação não atingem plataformas e serviços distribuídos na internet de canais de programação lineares.

A novidade talvez mais importante seja a inclusão nessa Lei da previsão de que a Ancine terá a competência de ações antipirataria com o poder de determinar a suspensão e a cessação do uso não autorizado de obras brasileiras ou estrangeiras protegidas, confirmando os objetivos legais da Agência de zelar pelo respeito ao direito autoral sobre obras audiovisuais nacionais e estrangeiras desde sempre previstos no art. 6º da MP 2228-1/01, inciso XI. 

A Ancine, a nosso ver, poderá estabelecer diretamente os procedimentos antipirataria, sem necessidade de edição de decreto presidencial, pois a defesa dos direitos autorais já estava incluída nos seus objetivos. Deverá ainda se aparelhar para o desempenho dessa nobre e necessária função.

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