Artistas e Sindicatos no Brasil: o que podemos aprender com a experiência norte-americana?

Quando o assunto envolve artistas e sindicatos, é comum nos depararmos, especialmente nos veículos midiáticos, com notícias referentes a permissão ou a negativa de algum cantor ou influenciador em uma novela, por exemplo, entre outras situações similares. No entanto, você sabe como funciona a relação entre artistas e sindicatos no Brasil e como isso pode afetar as produtoras audiovisuais?

Alessandro Amadeu – Gerente do CQS/FV Advogados. Graduado em Direito pela Universidade São Francisco. Pós-graduado em Propriedade Imaterial, Direitos Autorais, Propriedade Industrial, Direitos da Personalidade e Comunicação pela Escola Superior da Advocacia da OAB SP. Pós-graduado em Direito do Entretenimento e da Comunicação Social pela Escola Superior da Advocacia da OAB SP. Consultor de Clearance, Música e Entretenimento de projetos na área de Lazer e Cultura. Autor de artigos sobre Direitos Autorais e Direitos da Personalidade.

Originalmente, a atuação sindical está relacionada à defesa dos direitos trabalhistas e pela busca por melhores condições de trabalhos para diversos setores, incluindo o artístico. No caso dos trabalhadores da indústria cultural, são várias as entidades sindicais atuantes, como por exemplo: Sindcine (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica), Sated (Sindicato de Artistas e Técnica em Espetáculos de Diversões), SICAV (Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual), STIC (Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual), Sindmusi (Sindicato dos Músicos Profissionais), Sindelivre (Sindicato das Entidades Culturais), Sindiversão (Sindicato dos Empregados e Trabalhadores nas Empresas de Entretenimentos, Casas de Diversões e Similares), entre muitas outras. Embora cada uma destas entidades possua uma atuação regional específica, há uma base normativa que serve como guia para a grande maioria destes sindicatos: a Lei nº 6533/78, também conhecida como "Lei dos Artistas".

Em complemento à Constituição Federal e à CLT, duas grandes referências normativas quando o tema é sindicato, a Lei dos Artistas e o Decreto nº 82385/78 que a regulamenta, estabelecem, juntos, regras fundamentais tanto para os artistas e técnicos em "espetáculos de diversões", quanto para os contratantes destes serviços artísticos. Estes dispositivos foram fruto de reinvindicações por trabalhadores deste ramo, à época, e algumas das suas previsões são, por exemplo: a necessidade de contratos por escrito, definição de padrões para o pagamento de cachês, a obrigatoriedade de registro profissional, entre outras regras que são atribuídas aos sindicatos representativos da categoria profissional. Ou seja, são uma resposta direta ao cenário sindical de determinado momento histórico. Hoje, mais de quatro décadas depois, estamos frente à uma nova realidade.

Alice Calixto – Advogada do CQS/FV Advogados. Graduada em Direito pela FGV Direito SP com passagem pela University of Southern California (USC) e University of California Berkeley (UC Berkeley). Atualmente, integra a equipe de Clearance do escritório e desenvolve pesquisa nas áreas de Direito do Entretenimento, Direitos Autorais, direitos da personalidade, liberdade de expressão e novas mídias, além de legal design. Foi pesquisadora bolsista do Programa de Iniciação Científica da FGV com enfoque em Direito e Arte e pesquisadora do Programa de Introdução à Pesquisa do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV (CEPI-FGV). Durante a graduação, fundou o Grupo de Estudos de Direito do Entretenimento, Mídia e Cultura da FGV (DEMC FGV) e o Centro de Assistência Jurídica Saracura (CAJU FGV), responsável por prestar assistência jurídica gratuita à comunidade do Bixiga (São Paulo).

Muito embora a legislação tenha a função de assegurar os direitos destes profissionais a partir de parâmetros legais, é importante – especialmente para produtoras audiovisuais – considerarmos as constantes mudanças e a evolução de diversos conceitos quando o tema envolve arte, cultura e as respectivas formas de divulgação e disseminação destas áreas. Sendo assim, para além das funções descritas na Lei dos Artistas, destacamos que cada sindicato apresenta estatutos, regulamentos próprios, ou Convenções Coletivas, com a função de ampliar direitos já previstos, além de serem entidades que se propõem a praticar um diálogo constante diante de um conjunto normativo que ainda não acompanhou todas as modificações do mercado. Aqui, quando colocamos as produtoras inseridas neste cenário, a realização de um acompanhamento jurídico adequado aos direitos e deveres dispostos é fundamental.

Assim, certamente existem e existirão desafios, que caminharão de acordo com as novas tendências do mercado. Desde questões envolvendo inteligência artificial, novos padrões de remuneração frente aos serviços de streaming ou ainda as inovações referentes às questões de compliance e riscos de relações públicas. Então, se você leu até este ponto, provavelmente já desconfia aonde chegaremos: a inevitável associação entre o cenário brasileiro para com à greve que tem parado a indústria do entretenimento norte-americana nos últimos meses.

Uma vez centro do mercado global de entretenimento, os Estados Unidos passaram os últimos anos estabelecendo bases sindicais fortes no setor (popularmente conhecidas como "unions" ou "guilds"). Dentre às principais associações, destacam-se: WGA (Writers Guild of America), DGA (Directors Guild of America), SAG-AFTRA (Screen Actor Guilds – American Federation of Television and Radio Artists), IATSE (International Alliance of Theatrical Stage Employees), AMPTP (Alliance of Motion Picture and Television Producers), entre outros.

Isabela Ceccarelli – Advogada do CQS/FV Advogados. Graduada em Direito pela FGV SP, onde participou do Grupo de Estudos de Direito, Entretenimento, Mídia e Cultura. Possui experiência na área de Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e Sincronização/Licenciamento Musical.

Sendo assim, no caso de demandas por trabalhadores norte-americanos do ramo artístico, é comum verificar a quase completa paralisação desta indústria – sobretudo em um país que é considerado como o berço do entretenimento. Estas movimentações impactam, por exemplo, em paralisações de produções audiovisuais conhecidas – como foi o que houve com a primeira temporada de "Breaking Bad" (2008) considerada uma das melhores séries de todos os tempos e que foi encurtada para sete episódios ao invés de nove, devido à greve de roteiristas à época; ou ainda, como é o que ocorre atualmente no caso de diversas produções de Hollywood, como "Besouro Azul" (2023), filme que a atriz brasileira Bruna Marquezine integra o elenco e, aderindo à greve dos sindicatos enquanto atriz representada nos Estados Unidos, conta com o apoio de diversos amigos e amigas para divulgar o longa-metragem.

No Brasil, por outro lado, verifica-se uma cultura sindicalista ainda sendo construída no setor. No entanto, se por um lado estamos em frente a um mercado cultural historicamente subvalorizado; por outro, vivemos momentos de mudanças e evoluções de cenários políticos, sociais e culturais, em busca de um – necessário – equilíbrio nesta indústria, em que as produtoras audiovisuais ocupam um espaço essencial

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