"De Volta aos 15", de Vivianne Jundi, é a quarta série de língua não-inglesa da Netflix mais vista no mundo

Lançada no último dia 25 de fevereiro, "De Volta aos 15" já é a quarta série de língua não-inglesa da Netflix mais vista do mundo. Em seis episódios, a história gira em torno de Anita, interpretada por Maisa na fase jovem e por Camila Queiroz na fase adulta. Aos 15 anos, ela sonhava em crescer logo e deixar sua pequena cidade no interior de Minas Gerais para viajar pelo mundo. Mas, ao completar 30, morando em São Paulo e cheia de boletos para pagar, percebe que as coisas não são bem como imaginava. A trama foi inspirada no livro homônimo da escritora Bruna Vieira e adaptada e roteirizada por Janaina Tokitaka. 

A série tem direção-geral de Vivianne Jundi, que ainda dirige três episódios (os outros três foram dirigidos por Dainara Toffoli). Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, Jundi conta que o bom resultado logo de cara foi uma boa surpresa: "A gente começa a fazer um trabalho e nunca sabe o que vai acontecer com ele. Eu me sentia muito responsável pelo projeto desde o começo, até por estar com o nome da Maisa envolvido. Pensava que precisava fazer uma coisa muito legal para ela, que fosse verdadeiramente um próximo passo na sua carreira. Além disso, estamos falando de um público que é delicado e muito importante pra mim, que são os jovens adultos e adolescentes. Ou seja, era um projeto que poderia tomar todo o tipo de crítica em cinco minutos. Tem que cuidar muito e nunca subestimar esse público, que sabe muito bem o que quer assistir". 

Cena da série "De Volta aos 15"

Como a diretora pontuou, ela carrega essa relação com o público mais novo. Jundi dirigiu "D.P.A. 2 – O Mistério Italiano", produzido pela Paris Filmes e Globo Filmes, que venceu o prêmio de Melhor Longa-Metragem Infantil de 2018 pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. E de 2017 a 2019, esteve à frente da série de grande sucesso "D.P.A. – Detetives do Prédio Azul", produzida pela Conspiração Filmes, onde foi diretora-geral de seis temporadas. Também foi responsável pela direção e concepção das duas temporadas do projeto de sucesso "Vlog da Mila", que teve mais de 2 milhões de visualizações na internet, e dirigiu outros spinf offs de "D.P.A." como "Vlog da Berê", "Talk Show do Severino" e "O Som do D.P.A". 

Quando foi chamada para "De Volta aos 15", Jundi logo foi ler o livro no qual a série se baseou. "Entendi totalmente a história mas sabia que para transformá-la em audiovisual precisaria de viradas, novos personagens. Mas quando li a bíblia do projeto pela primeira vez fiquei feliz, porque a Janaina tinha conseguido exatamente isso, criando personagens ricos e densos". Para ela, um dos grandes pontos altos está no fato de a história ser realista e não reproduzir padrões já vistos no cinema adolescente mundo afora. "Até eu fui me identificando. Na escola tinha cabelo rebelde, sofri bullying. E tem toda a questão da transformação da personagem, de como ela começa a ver a própria família a partir de outro ponto de vista quando tem a oportunidade de voltar no tempo. E isso acontece com a gente – com o passar do tempo, vamos olhando para os nossos pais de outra forma. Todos os pontos humanos reais estavam ali na história, com todas as falhas e medos que cada um carrega. Isso é riqueza pura. A partir daí, a missão era desenvolver a série para que ficasse claro para todo mundo sobre o que estávamos querendo falar", reflete. 

Um dos grandes objetivos era realmente se atentar ao lado humano dos personagens e suas histórias, e não colocá-los em caixinhas de mocinhas, vilões, nerds e bad boys: "Não queria aquela coisa que vemos o tempo todo nos clichês. Esse público, inclusive, não tolera mais. Buscamos trazer para 2022 e sem 'levantar defuntos', isto é, sem reproduzir expressões erradas, agressões absurdas que existiam no passado… Tivemos um cuidado muito grande para que os assuntos mais delicados, como homofobia, fossem tratados sem levantar frases ou polêmicas que não são necessárias, que não vão agregar em nada. Temos um espaço grande e isso traz responsabilidade. Até por isso me sinto tão cansada quando acabo um projeto, porque de fato carrego essa responsabilidade pra mim". 

Vivianne Jundi e parte da equipe feminina no set de "De Volta aos 15"

Equipe majoritariamente feminina 

Trazer mulheres para trabalhar consigo era uma prioridade para a diretora. "Isso vem muito da minha história. Trabalhei anos em uma emissora extremamente masculina, com homens nos cargos de chefia. Eu trabalhava demais e não era reconhecida. Então eu pensei: 'Se eu tenho a chance de, agora, chefiar uma equipe para um canal de streaming que também se importa com esse assunto, então vamos encabeçar os times com mulheres", conta. "Não é fácil e nem simples. Você passa o tempo todo argumentando. Ouve frases como 'Ah, mas tal diretor de fotografia já fez cinco séries para a Netflix'. Isso não me importa. Eu quero que uma mulher faça – ainda que seja a primeira experiência dela. A gente tem que abrir portas. Eu entendo que no começo é mais difícil – a pessoa não tem a vivência do set, ainda não tem o ritmo necessário. Então, como diretora geral, preciso dar o suporte para que ela consiga ter ferramentas para exercer o trabalho, porque o talento e a capacidade já estão ali. Alguém tem que dar esse tempo e o espaço para que a mulher faça", ressalta. 

O objetivo foi alcançado. Para além da direção geral de Vivianne Jundi, a série tem produção de Carolina Alckmin e Mayra Lucas, da Glaz Entretenimento, e direção de Vivianne Jundi e Dainara Toffoli (cada uma dirige três episódios). Rita Faustini assina a direção de arte; Fernanda Tanaka, direção de fotografia; Carol Li, figurino; Gabi Britzki, caracterização; Valéria Ferro, técnica de som; Anna Luiza Paes de Almeida, produção de elenco; Marina de Medeiros e Symone Strobel, preparação de elenco; e as continuístas são Paula Mercedes e Florence Weyne. Todos os episódios da série foram montados também por mulheres: Maria Rezende, Joana Ventura e Mari Becker. "Consegui reunir mulheres em todas as equipes. Foram poucos os homens no set. O clima foi divertido e acho que a presença feminina tem a ver também com comprometimento. A mulher tem uma maneira de se comprometer com assuntos delicados e humanos integralmente. A gente, como mulher, se sente mais responsável pelo bem-estar de quem vai estar com a gente no set e depois assistindo. Isso pra mim é muito bom. Fico feliz de ter colocado mulheres no projeto e, mais do que isso, como chefes. O negócio é esse, colocá-las lá em cima. Quanto mais nós mesmas fizermos, mais chances temos de conseguir aumentar o número de mulheres na chefia", opina. 

Além de ter dirigido uma série que traz à tona dilemas da adolescência e dos jovens adultos, que trata com cuidado de temas delicados e que contou com um time forte de mulheres, outro destaque para Jundi é, claro, o fato de estarmos falando de uma produção nacional que alcançou o mundo. "Ainda mais considerando o período tão difícil que passamos. A série traz temas universais, mas tem muita coisa nossa. Na edição de som, por exemplo, nos preocupamos muito com quais ruídos uma cidade daqui do interior deveria ter. E a questão dos afetos também é muito brasileira. Tenho lido críticas americanas e, para eles, o que chama a atenção é essa preocupação com o bem-estar do outro. É engraçado, porque pra gente é uma coisa muito natural. Na trilha sonora também colocamos músicas brasileiras legais. Entraram várias, mas eu queria muito mais. Fizemos escolhas de Sofia para construir um panorama da época. Tem Pitty, Charlie Brown Jr. e Los Hermanos, por exemplo". 

"Meninas Não Choram" estreia nos cinemas no segundo semestre de 2022

Novo longa-metragem 

O segundo longa de ficção de Jundi, "Meninas Não Choram", chega aos cinemas no segundo semestre deste ano. No filme, a adolescente Pipa (Letícia Braga) é fã de futebol feminino e o destaque do time da escola. Popular e com um futuro promissor, ela vê os seus planos interrompidos com o diagnóstico de leucemia e uma internação inesperada. A jornada no hospital é marcada pela empatia e amizade de Beca (Duda Matte), que se torna uma referência para a menina. Inspirados pela coragem e positividade de Pipa, sua família e amigos se unem para superar todos os desafios. Produzido por Tiago Rezende, Mariza Leão, Gabriel Gurman, Ricardo Constianovsky e Tomas Darcyl, "Meninas Não Choram" é um remake de "Jogo da Vida" ("Cool Kids Don't Cry" / "Achtste-Groepers Huilen Niet"). A produção é da Morena Filmes em coprodução com a Galeria Distribuidora e Telefilms.

"Saí da série e entrei no filme no mesmo dia", relembra Jundi. "Entrei de cabeça nessa história, que é muito intensa. Me sinto muito responsável pela atriz principal, a Letícia Braga (que fez a Sol em 'D.P.A.'). Tenho uma preocupação constante para ela estar bem, se sentir suficiente para fazer, ainda mais em um período de pandemia, que foi muito duro para os adolescentes. O filme explora o tema que já vimos em outros que fizeram sucesso, como 'A Culpa é das Estrelas' e 'A Cinco Passos de Você', mas tentamos levar para um outro caminho. Fizemos um filme delicado e emocionante, mas de esperança. A Pipa, a personagem principal, está enfrentando essa doença mas quer viver o melhor que ela pode dentro do que ela tem. Trazemos um pouco de humor também, tem momentos de sarcasmo dela com a personagem da Duda Matte. Conseguimos seguir por um caminho que não é o do sofrimento, e sim do amor. Tem o amor da família, do médico, o primeiro amor, que ela descobre durante esse processo. O amor à vida", analisa. 

Expectativas para o futuro 

Jundi olha para o futuro do audiovisual com esperança: "Podemos ter em breve um novo governo. Aí, pode ser que as políticas públicas voltem e o cinema retome os processos pessoais dos diretores, que são delicados e tão profundos". Ela explica: "Pude acompanhar de perto alguns filmes que precisaram da Ancine para serem feitos e foram super bem, ganhando prêmios e participando do festivais. A gente perdeu isso. Não existe mais. Só vai acontecer de novo se um novo governo estabelecer que tem que voltar. Agora, estamos nos apoiando no streaming. É um desafio novo para todos nós, como artistas brasileiros, mas uma grande oportunidade também. Especialmente para levar nossos conteúdos para outros lugares para além daqui. É o que está segurando todos nós, nossas famílias, as produtoras. Eu espero muito que as políticas públicas voltem. Sem elas, não conseguimos mais fazer o cinema que era feito oito, dez anos atrás. Precisamos da nossa liberdade de criar, opinar e lutar pelo que a gente acredita. Isso deixa nossos filmes mais brasileiros ainda, mais profundamente enraizados". 

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