Cineastas criticam falta de apoio ao cinema nacional pelo governo e defendem seu potencial de expansão internacional

Nesta quinta-feira, dia 18 de novembro, uma mesa da Expocine reuniu Fabiano e Caio Gullane e Ana Saito, todos profissionais da Gullane Entretenimento, com os cineastas Laís Bondazsky, Luiz Bolognesi e Daniel Rezende para discutir a internacionalização da cultura brasileira por meio das produções audiovisuais.

Para abrir o papo, Fabiano Gullane trouxe um dado relevante: de todo o dinheiro que se gera no mercado audiovisual ao redor do mundo, 85%, em média, é destinado a obras de língua inglesa. Ou seja: sobram 15% para todas as outras cinematografias coexistirem. A partir daí, ele questiona como, então, atrair o interesse do mercado para as obras brasileiras. Para esse debate, o produtor convidou diretores que trilharam caminhos de sucesso ao lado da produtora. 

Falta de apoio ao cinema nacional 

Luiz Bolognesi é o diretor e roteirista de "A Última Floresta", um dos filmes brasileiros mais premiados da atualidade. O longa foi lançado nos Estados Unidos no início de novembro e, no momento, está em campanha para conseguir uma vaga na short list do Oscar, na categoria da Melhor Documentário. "O Brasil estava construindo um bom caminho com o nosso cinema lá fora, na mesma pegada que a Coreia está nos últimos anos, mas, agora, estamos nadando contra a maré. A interrupção de investimento que tivemos causa consequências graves para o desenvolvimento da indústria. A corrida do Oscar é muito difícil principalmente porque não temos apoio, nem da Ancine e nem de nenhum tipo de órgão nacional", lamentou o diretor. 

"A Última Floresta" deu um salto importante em junho, quando ganhou o prêmio do público na mostra Panorama no 71º Festival de Berlim. Foi a terceira vez que a Gullane foi premiada no festival. Este ano, a mostra Panorama apresentou 16 longas-metragens, sendo "A Última Floresta" o único representante brasileiro. "A partir daí, ele estourou nos festivais e foi premiado em mais três continentes. Esse caminho culminou na venda para um canal de streaming e exibição para mais de 180 países", conta Bolognesi. 

"Só o salto do Oscar que ainda não conseguimos dar no Brasil. Não trabalhamos com força suficiente. Sinto que, com esse filme, temos o produto certo na hora certa. É um documentário premiado, bem recebido nas sessões, que aborda o tema do momento – fala da floresta e das questões indígenas. Tem tudo para estar lá. Mas o que falta vai além das nossas condições, do que uma produtora brasileira conseguiria fazer. Precisa ter uma estrutura por trás, que escolhe produtos audiovisuais todos os anos e aposta neles. Para trilhar esse caminho que a Coreia vem trilhando. É um aprendizado grande que tive e ainda estou tendo. Os festivais abrem caminhos pra gente, mas o caminho do Oscar é mais específico. Precisamos aprender melhor sobre esforços e investimentos que precisam ser feitos. Estamos falando de grana também. Documentários que estão na campanha do Oscar recebem investimentos de um a dois milhões de dólares – valores que são impossíveis para nós. Precisa de dinheiro para viajar, fazer campanha, divulgar. Não basta só o conteúdo. É importante toda essa estrutura e a inteligência comercial por trás", analisou. 

Mas ainda estamos no jogo 

Bolognesi afirma que o mundo vinha se mostrando interessado nos nossos produtos – colocávamos oito filmes em Berlim, três em Cannes, pelo menos dois em Sundance: "Éramos uma das três cinematografias com mais filmes nos festivais. Estávamos nesse caminho bom. Nossos filmes trazem um fresh air, isto é, uma brisa nova no meio da mesmice. Mas aí veio a crise. Ainda assim, continuamos produzindo. Toda semana tem um canal de streaming majoritário divulgando que determinado filme nacional está entre os mais vistos da semana. O Daniel Rezende ganhou um prêmio com 'Ninguém Tá Olhando' no Emmy de comédia. Ou seja, temos filmes de arte, tanto ficção quanto documentários, mas também bons dramas e comédias. Ainda não saímos do jogo, mas temos que abrir os olhos para não ficar para trás". 

Que cinema o Brasil quer fazer? 

Laís Bodanzky, no entanto, ressalta que não devemos fazer cinema para entrar em festivais ou ganhar prêmios – e sim para colocar uma ideia que seja significativa e importante para nós na tela. "E não estou falando só de filmes com temática social. Mas tem que ter um discurso. Esse foi meu grande aprendizado na época de 'Bicho de Sete Cabeças', quando recebi o convite para finalizar o filme na Itália. Foi muito inesperado. Mas é isso: temos que fazer com a certeza de que aquela história ter que ser contada. E contada com o olhar do seu tempo", afirmou. 

A cineasta acredita que, no Brasil, o novo audiovisual negro é a cinematografia que merece destaque agora: "Tem projetos incríveis, originais e com discursos necessários para quem está narrando. Quando isso acontece, temos um case como foi 'Parasita'. O diretor sempre falou que fez o filme para a Coreia, e não para ganhar o Oscar. Mas, nesse processo de contar a sua história, ele conseguiu falar com o mundo inteiro". 

Mas para além da certeza de que a história tem que ser contada, em paralelo, estão os "matches", que seriam as políticas públicas, o apoio do país e, ela destaca, o conhecimento sobre as possibilidades de coprodução internacional: "No Brasil não temos tanto essa pegada ainda, que na Europa é super comum. Qualquer filme envolve vários países e, consequentemente, incentivos de governos diferentes". 

Questões de curadoria 

Bodanzky reflete sobre a curadoria dos grandes festivais:  "Sempre me pergunto quem são esses curadores e qual olhar eles têm para a América Latina. São eles que dizem qual a cinematografia que deve ser assistida. Noto, em alguns momentos, que á uma coisa viciada. Com o streaming, estamos vivendo um cenário diferente. Ali, falamos diretamente com o público. A curadoria é outra. É, de fato, o que interessa ao público. A curadoria é importante, claro, ela destaca coisas num mar de projetos e filmes. Mas ela não pode ser determinante e única, e nem limitar nossa criatividade. Muito me preocupa que grandes talentos comecem a se moldar para atender um desejo. Aí, não fica verdadeiro". 

Nesse sentido, Bolognesi complementa: "Acho que nós, como produtores, temos que ter autenticidade. Mas os curadores das plataformas precisam ter um pouquinho mais de ousadia, sair do algoritmo. Não é porque um filme deu certo que outros parecidos vão dar também. Os que dão mais certo são sempre diferentes de todos os outros. É importante se abrir pro novo. É claro que o algoritmo é importante, mas ele não precisa ser um aspecto determinante em todos os projetos". 

Para Daniel Rezende, essa relação mais direta com o público que o streaming proporciona é benéfica: "Ao longo da história, nosso mercado foi um pouco distante do nosso público. O streaming permite mais essa troca, vai nos dando esse feedback". Ao mesmo tempo, ele ressalta: "O mundo está mudando tão rápido que, hoje, os festivais selecionam e filtram filmes par um lado e, o streaming, por outro. Qual o caminho certo? Nós não sabemos. A série 'Ninguém Tá Olhando', por exemplo, ganhou o Emmy Internacional, mas não foi renovada aqui". 

Troca criativa 

Rezende traz para a conversa algumas auto-críticas para o audiovisual nacional. "Passei por uma grande escola de cinema que foi montar filmes. Dei a sorte de começar com 'Cidade de Deus', que me catapultou para o mercado. Aprendi e troquei muito nesse processo. Acho que todas as categorias do cinema – produção, direção, montagem, roteiro – no fundo fazem a mesma coisa, que é contar histórias. Mas acredito que o nosso mercado não troque tanta informação. Existe uma dificuldade nos criativos de um somar com o outro. É um mercado que se formou de forma um pouco egoísta. Essa troca é muito importante. Ouvir, discutir, promover fóruns… Isso engrandece o nosso mercado", pontuou. 

O que importa são as boas histórias 

Para Rezende, que se prepara para estrear "Turma da Mônica – Lições" no final deste ano, no fim das contas, o que importa são as boas histórias, que se conectem com as pessoas. "Os festivais, as plataformas e as pessoas pedem pelos temas urgentes, claro, os assuntos que estão muito quentes. Mas eu sempre digo que se você sente uma faísca, uma sensação de 'preciso falar sobre isso', então vale a pena. Qualquer que seja o assunto. Sempre me pergunto se o mundo vai ficar melhor depois desse filme que estou pensando em fazer. Se for ficar melhor só pra mim, então não faz sentido". 

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