Audiência na pandemia: público começou buscando conteúdos apocalípticos e notícias e trocou por produções leves e seriados

Após pouco mais de cinco meses da chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil, os canais de TV e as operadoras, junto das empresas de pesquisa, já conseguem tirar do período de isolamento social enfrentado algumas lições sobre audiência e preferências do consumidor – agora, o desafio é como aproveitar os dados obtidos e as experiências realizadas a longo prazo. Esse foi o ponto de partida da discussão da primeira mesa do segundo dia de Pay TV Fórum 2020. O evento, uma organização das publicações Teletime e Tela Viva, acontece neste ano de forma inteiramente online pela primeira vez.

Para trazer subsídios ao debate, Karine Kakazu, analista chefe da Parrot Analytics, apresentou alguns resultados e insights levantados recentemente pela empresa tendo como base diferentes formas de análise, como downloads, consumo em plataformas de streaming, comportamento em redes sociais e comentários em sites especializados, entre outras, levando em conta participações passivas e ativas para criar o chamado "índice de demanda". A observação parte da ideia de que, hoje, o tempo é o recurso mais valioso do planeta e por isso, no ambiente midiático, todos competem por atenção – especialmente porque os consumidores já escolhem o que querem assistir. Nesse cenário, a demanda é por conteúdo, e não por plataformas específicas. O objetivo então é entender, afinal, por qual conteúdo as pessoas estão buscando no Brasil.

Em relação aos gêneros, drama é o que possui mais oferta e, ainda assim, tem mais demanda do que oferta. A oportunidade está em ação e aventura, que está há três anos com excedente de atenção pela baixa oferta de títulos do gênero. Infantil também é um gênero em potencial, uma vez que existe uma média boa de títulos – estes, exercendo bom desempenho – e a demanda segue presente. Como exemplos práticos dessas demandas, a pesquisa da Parrot cita a propriedade "The Flash", de ação/aventura, que possui 28,4 vezes a demanda média de todos os programas, e o infantil "Patrulha Canina", com 17,4 vezes a demanda média de todos os programas. "O conteúdo infantil estava atingindo uma saturação nos últimos anos mas, em 2020, ganhou mais relevância, até por conta desse período com as crianças passando mais tempo em casa. Por isso, se atentar aos detalhes e ao contexto é muito importante", ressalta Kakazu.

Uma das conclusões dos dados apresentados é que a oferta nem sempre entende a demanda. Para trazer novos exemplos, a pesquisa fala das produções "Supergirl", do gênero super-herói/aventura/ação, que tem 21,7 vezes mais demanda que a média dos programas do primeiro semestre de 2020; "Chicago P.D.", drama procedural/criminal/ação, com 19,2 vezes mais; e "The Walking Dead", drama apocalíptico/terror/ação, que apresenta 38,7 vezes mais. E, para ajudar a entender o que motiva os consumidores a assistirem a esses conteúdos, o estudo divide os títulos em grupos a partir de suas características. Nesse sentido, no Brasil, o potencial maior – isto é, poucos títulos e muita demanda – está naquelas obras definidas como "espetacular", "corajoso", "sonhador" e "impressionante". Também existe demanda – apesar de mais opções de títulos disponíveis no mercado – para aqueles conteúdos agrupados em "brincalhão", "emocionante", "sombrio" e "pensativo".

Como a Parrot abrange todas as plataformas, a pesquisa também traz dados em relação ao share de demanda por tipo de fonte referentes ao primeiro semestre de 2020. Neste item, chamam a atenção os números da pirataria, que chegam a 70% em ação e aventura, a 84% em documentário e a 74% em terror. "A audiência está em todas as plataformas, mas pirataria ainda é uma grande geradora de demanda. Infantis, por exemplo, apresentam número baixo (12%) porque estão disponíveis em muitas plataformas de vídeo gratuitas", pontua a analista. Confira no gráfico:

"Embora as análises falem de todos os conteúdos disponíveis, independente de onde eles estão, é importante verificar as especificidades locais", alerta Kakazu. Para produções nacionais, a pesquisa identifica oportunidades em potencial no gênero de aventura, além de conteúdo infantil, adolescente e de ficção. Como exemplos, o tópico traz as produções "3%, de ficção científica/drama/ação, que apresenta 5,1 vezes mais demanda que a média dos programas do primeiro semestre de 2020; "Malhação – Viva a Diferença", adolescente/comédia/drama, com 17,9 vezes mais; e "Galinha Pintadinha", com 22,6x mais. "Aqui, é interessante ressaltar que se tratam de produções disponíveis em diferentes tipos de plataforma, o que evidencia essa busca pelo conteúdo, e não por serviço. Não depende da plataforma", observa. Falando em produção nacional, o estudo pontua que os conteúdos estão cada vez mais internacionalizados, e Portugal, Estados Unidos e países da América Latina são os mercados potenciais para conteúdo brasileiro. Contexto e tendência também são tópicos levantados pela pesquisa, que identifica a diversidade como um assunto cada vez mais em pauta – mas a forma como ela é representada nas produções faz diferença. Analisando programas de maior demanda com estreias em 2020 na América Latina, mais de dois terços têm representatividade na comunidade LGBTQIA+, e produções que trazem essa temática concentram três quartos da demanda, superando em 48% os programas sem essa representatividade. A autenticidade também é importante e geralmente é um reflexo de quem está por trás da tela – quando o diretor também faz parte da comunidade LGBTQIA+, por exemplo, a demanda cresce 14%.

E na pandemia?

É claro que a pesquisa neste ano se voltou especialmente à observação das mudanças de hábito de consumo na pandemia. No início, notou-se um aumento na busca por conteúdos apocalípticos, de terror e notícias. Mas, com o passar dos meses, a procura caminhou para conteúdos mais leves, como as séries de super-heróis. E em todo o período as novelas e sitcoms continuaram performando bem. Quem acompanhou diariamente essas mudanças foi Giani Scarin, diretora de pesquisa do Grupo Globo. Em relação ao aumento do consumo de notícias, ela chama atenção para dois fatos: o crescimento da audiência do gênero no horário vespertino dos canais Globo e a faixa-etária jovem passando a consumir mais conteúdos noticiosos. Já em relação às novelas, Scarin afirma que mesmo com a interrupção das gravações das tramas inéditas e as reprises de obras já exibidas anteriormente, as audiências do gênero continuaram altas, inclusive no canal Viva, que mantém índices semelhantes ao da GloboNews no total do dia. O "Big Brother Brasil" foi outro fenômeno, batendo recordes no número de votos dos paredões, nas audiências (tanto na Globo quanto no Multishow) e no consumo de conteúdo ao vivo via Globoplay. "Acredito que o que vimos no período foi uma potencialização de conteúdos que já iam bem, como jornalismo, novela e filmes. Além dos esportes, é claro, que apesar de termos perdido o ao vivo, também continuam bem com as reprises. O mais interessante, olhando para todas as plataformas, foi a aceleração da chegada dos mais velhos ao digital e a volta dos jovens para a TV – o grupo vinha se desligando dela nos últimos anos, consumindo uma quantidade menor de horas", analisa a executiva do Grupo Globo.

Nesse contexto, Gustavo Fonseca, VP de estratégias da Sky, relembra um fator importante: a parceria que as operadoras e programadoras firmaram no início da pandemia para abrir o sinal dos canais de TV por assinatura, o que contribuiu diretamente para o crescimento de audiência no período. "Esse movimento surtiu insights interessantes de comportamento. Muita gente experimentou pela primeira vez conteúdos premium que a Pay TV produz e que a suas capacidades de pagamento não permitiam acessar. Pelas nossas medições, por exemplo, o Viva teve grandes picos de audiência, assim como CCN Brasil, Globo News e Discovery Home & Health", afirma Fonseca, indo ao encontro das observações feitas por Kakazu e Scarin. "Nossa plataforma de TV everywhere cresceu muito também. Se você tiver um bom sistema de recomendação, curadoria e experiência, como acreditamos ter no Sky Play, o consumo explode. Temos muita audiência linear na plataforma, o que demostra que as pessoas curtem o conteúdo da TV e querem vê-lo em qualquer lugar", acrescenta.

Fonseca ainda comenta sobre os esportes, que retornaram primeiro com os eventos internacionais e, depois, com os campeonatos nacionais. "A grande volta da audiência veio dessas ligas do Brasil mesmo. Ainda existe preferência por conteúdo de esporte nacional ao vivo", reforça. O diretor de marketing da Vivo, Alfredo Souza, também traz dados desse mercado: "Desde o mês passado, a demanda por esportes voltou a crescer, e não só na TV por assinatura, mas também nos serviços de alguns OTTs, como o da NBA, por exemplo". Do ponto de vista da operadora, Souza diz que, na pandemia, as residências se tornaram grandes centros de entretenimento, trabalho e estudo, e que por isso a empresa viu crescer a demanda por serviços de internet, conexão de fibra e IPTV – no último trimestre, a Vivo teve recorde de demanda e adição de clientes nesses serviços, além de um número muito menor de cancelamentos de quem já os assinava. Entre quem não assina TV paga, a Vivo também notou um recorde de adição de serviços de OTT, inclusive nas camadas de rendas mais baixas da população, o que o diretor de marketing relaciona diretamente ao fechamento dos espaços de entretenimento físicos, como bares, cinemas e estádios. Ele também acredita que os diferentes meios de pagamento oferecidos pela operadora para esses serviços, como pré-pago e cobrança na fatura, também ajudaram nesse crescimento.

O legado das experiências e os desafios para o futuro

Fonseca chama a atenção para o fato de que, na pandemia, a operadora refletiu ainda mais sobre a pirataria no mercado de conteúdo, e concluiu que a falta de capacidade de pagamento ainda empurra as pessoas a procurarem opções mais econômicas. Outra avaliação da empresa diz que, na experiência de quem vende na porta do consumidor, eles descobrem que muita gente ainda acha que não está consumindo conteúdo pirata por ter pago pelo serviço, isto é, elas compram pirataria acreditando se tratar de uma oferta legal. "Vejo oportunidades latentes para a indústria de reduzir a pirataria. Se hoje é possível medir o consumo em níveis tão profundos como a Parrot faz, podemos chegar exatamente onde está o pirata. Ele é nosso inimigo comum e, no fim do dia, é quem rouba a audiência, extrai valor do nosso mercado e gera uma ilusão para o consumidor. Precisamos trazer mais players nesse combate. Para o pirata não tem tempo ruim, não tem pandemia que prejudique seu negócio", declara o diretor da Sky. Kakazu, por sua vez, conta que a Parrot observou que com a abertura de sinal dos canais, a pirataria teve uma leve queda, e depois ficou estável. "Isso pode ser um insight para o futuro. Quem consumia conteúdo pirata e assistiu ao mesmo conteúdo na TV, como séries, por exemplo, percebeu que a experiência é muito melhor", afirma.

Os profissionais acreditam que o desafio para indústria nos próximos meses é aproveitar essa degustação que as pessoas tiverem de conteúdos de alta qualidade fazendo com que isso seja perene ao longo do tempo. Para Souza, o caminho é evoluir os modelos utilizando os aprendizados do momento. "As residências como centros mais conectados é uma mudança de comportamento que veio pra ficar. Talvez não de forma tão intensa quanto foi na pandemia, mas é um hábito que vai permanecer. Esse período nos gerou uma série infinita de dados a rspeito de consumo de conteúdo nesses lares e, agora, nosso objetivo é trabalhar esses dados para entregar uma proposta de conteúdo mais customizada para cada um dos nossos clientes. Essa já era nossa estratégia, mas o processo foi acelerado nos últimos meses", conta. "Vamos criar propostas baseadas em horário de consumo, gostos e hábitos, e não só pensando no vídeo, mas sim em todos os serviços que oferecemos", completa. Fonseca concorda: "O consumidor brasileiro nunca teve tanta oportunidade de degustar os conteúdos premium disponíveis, e nós sabemos como foi essa experiência. O que pretendemos fazer agora na Sky é usar essas informações para apresentar mais conteúdos. Temos que usar todos os dados obtidos para fazer recomendações e oferecer experiências de uso ainda melhores do que as anteriores. As operadoras têm que aproveitar essa riqueza de dados".

Por fim, Scarin reflete: "Cada um viveu a pandemia de um jeito diferente, mas certamente toda a parte de aceleração do uso do digital veio para ficar. Vejo ainda o conteúdo permeando ainda mais a vida das pessoas – na internet, na TV, nas plataformas, no streaming de vídeo e também de música – e a conectividade da casa em todos os pontos, não só no entretenimento. Foi um processo rico de experimentação e, agora, temos o desafio de reter essas pessoas".

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