Direitos autorais e uso de dados são pontos sensíveis no avanço da inteligência artificial 

O advogado André Belfort e o produtor Bruno Pedroza (Foto: Mayara Varalho)

O segundo painel do Lanterna Film Market, braço de mercado do Lanterna Mágica – Festival Internacional de Animação, realizado na tarde desta quarta-feira, dia 20 de março, teve como tema "Inteligência Artificial: Direitos Autorais e os Desafios do Futuro do Audiovisual". O bate-papo reuniu Bruno Pedroza, sócio-fundador e head of interactive da Broders e membro fundador do XRBR, e André Belfort, advogado na área de propriedade intelectual. 

Para introduzir o assunto, Pedroza exibiu um pequeno curta sobre a história da animação. O filme foi feito por ele em apenas uma hora e 40 minutos, utilizando diferentes ferramentas de inteligência artificial, todas gratuitas, que desenvolveram do roteiro à animação, passando pela dublagem e legendagem. Foram elas: Chat GPT, Eleven Lab, Suno AI, Midjourney, Runway, PIKA e Capcut. "Talvez metade dessas ferramentas não existisse há um ano. As coisas estão evoluindo em um ritmo muito acelerado, e esse é só o início de uma revolução. Não sei onde vamos parar, mas acredito que o conteúdo que criamos hoje será criado por máquinas no futuro, em sua grande maioria. A IA vai substituir tarefas, não necessariamente pessoas – mas algumas pessoas serão substituídas por outras que saibam usar essas ferramentas", analisou o especialista. 

Em sua apresentação, Pedroza contextualizou que um boom de volume de dados, capacidade de processamento e a evolução de pesquisas e modelos foi o que levou essa evolução da IA até o status atual. Empresas e usuários começaram a ter mais contato com chatbots via IBM Watson ou assistentes virtuais, como Alexa ou Siri, e o tema ganhou popularidade mesmo no fim de 2022, com o lançamento a nível consumidor de ferramentas apoiadas em LLMs, como o Chat GPT. Para ele, a difusão da inteligência artificial causará uma revolução equivalente ao surgimento da máquina a vapor, o computador e a Internet. "Estamos presenciando algo desse porte, que acabará ocasionando transformações nos postos de trabalho, assim como aconteceu em todos esses casos", afirmou. 

A evolução da IA se deu principalmente com o aumento do volume de dados e o refinamento no tratamento dos mesmos. "Hoje, tudo o que existe de texto e imagem na Internet já foi lido por ferramentas de inteligência artificial. Na fase atual, essas ferramentas estão tratando os vídeos", pontuou. "O que veremos é um boom dos aplicativos construídos em cima dessas tecnologias. Serão apps integrados em aplicações que já estamos acostumados a usar. A ideia é que essa tecnologia seja o mais fácil de usar o possível. Esse é o conceito da IA: barata e de linguagem natural. O objetivo principal é que qualquer pessoa possa conversar com ela e receber de volta o conteúdo que espera", completou. 

Nesse sentido, ele ressaltou a ligação das redes sociais com esse cenário – "É o ambiente onde existe o maior consumo de dados para treinar as ferramentas de IA em relação a comportamento humano. É assim que elas estão sendo treinadas" – e concluiu: "Precisamos ver as oportunidades. Mas para chegar lá, é necessário trabalhar informação, educação e acessibilidade. Conversar sobre. Usar IA não é caro e não é difícil, mas precisa de conscientização. Quem usar bem, chegará a lugares que antes eram impossíveis. Ao mesmo tempo, outras pessoas serão atropeladas por ela". 

Inteligência Artificial e Direitos Autorais 

André Belfort, que atualmente atua como coordenador da área de Clearance da DNRF, à frente da análise de direitos autorais e direitos da personalidade em projetos audiovisuais, pontuou que, conceitualmente, a inteligência artificial não é uma coisa nova, mas que as questões práticas relacionadas a ela são mais recentes e envolvem mais perguntas do que respostas – especialmente porque ainda não há um arcabouço legal e até social. "Estamos trocando a roda do carro enquanto ele anda", brincou. 

A relação da IA com o direito traz dois pontos essenciais que devem ser olhados de imediato: o direito autoral, que versa sobre quem seria o titular de algo criado por IA, e se usar artes criativas produzidas por pessoas reais para treinar ferramentas de IA seria uma infração de direitos; e o uso de dados. "Todas as fotos que postamos nas redes sociais já foram em alguma medida usadas para treinar algum modelo de IA sem que autorizássemos. Uma fração disso pode ter sido usada para criar uma figura humana que não é real, mas tem um pouco de nós", observou.  

Questões de autoria 

A legislação atualmente não tem uma resposta sobre quem é o autor de um material criado por inteligência artificial. "Por definição legal, a única pessoa que pode criar um objeto com direito autoral é o ser humano. Por isso, um software nunca será titular de um direito autoral. Hoje, criações de IA não levam a assinatura de um criador legal. Elas nascem pertencendo a todo mundo. A autoria é necessariamente a expressão do espírito humano", explicou. Sendo assim, tudo o que é desenvolvido por IA é liberado para uso? Sim e não, respondeu o advogado. "As próprias empresas donas das ferramentas de IA devem estabelecer os limites de uso em termos e condições. Na prática, o que limitará é o tipo de contrato que aceitei para usar o serviço. A maioria dos softwares é de uso gratuito – mas para usá-los para distribuir as criações no mercado mediante pagamento, os valores para uso se tornam mais caros. É uma discussão ligada a contratos, mas não direitos", definiu. 

O fato de não existir um autor por trás é uma discussão complicada, e que deve gerar desdobramentos no futuro. "Só teremos uma resposta se tivermos uma legislação que discuta explicitamente isso. Temos cada vez mais discussões parlamentares sobre o assunto, mas a verdade é que temos duas velocidades dos acontecimentos: a que a IA evolui e cria novas ferramentas, que é acelerada, e a resposta legal, que é lenta. Sempre estaremos trabalhando atrasados. É acelerar os processos ou aceitar que algumas coisas acontecerão sem resposta legal para isso", concluiu. 

Uso de dados 

Conforme o advogado mencionou, a "moeda atual" da inteligência artificial é o dado. "Qualquer modelo de IA atual precisa de um volume de dados gigante. Os dados são recolhidos na Internet e jogados dentro de uma ferramenta de IA sem transparência, sem a opção de escolhermos se autorizamos que nossas fotos ou criações artísticas sejam usadas para isso. Em qual medida isso significa que o resultado final tem participação minha?", questionou Belfort. "Temos que ter uma porta de saída. Não existe, hoje, uma ferramenta para baixarmos nossos dados das redes sociais e pedir que eles sejam deletados. Não conseguimos descobrir se nossas fotos foram utilizadas para treinar ferramentas de criação de imagem. Provavelmente foram, e sem o nosso consentimento. É um uso feito contra a nossa vontade e sem que possamos escolher sair", alertou. 

Produtividade, empregos e contratos 

Um dos argumentos de quem defende o amplo uso da inteligência artificial é o aumento da produtividade individual, uma vez que ao usarmos essas ferramentas, economizamos tempo e, assim, conseguimos produzir mais. Mas isso resultaria também em equipes mais enxutas, já que cada profissional seria mais produtivo e um menor número deles seria necessário. É uma mudança positiva, mas alguns empregos deixariam de existir porque perderiam o sentido, já que a IA faz bem e mais rápido. Um mercado onde isso já é bem visível é o da programação: os desenvolvedores sênior não precisam mais de desenvolvedores júnior abaixo deles, já que as coisas mais básicas podem ser feitas rapidamente pelas ferramentas de IA. Essa fatia está sendo bastante afetada. Ainda não sabemos se outros mercados responderão dessa forma", observou o advogado. "Do ponto de vista jurídico, teremos que discutir relações de trabalho e bem-estar social. São debates que ainda não acontecem em larga escala, mas logo devem chegar ao centro da discussão", completou. 

Outro ponto de atenção deve estar nos contratos. Por exemplo: dubladores devem ter muito claro em seus contratos assinados se as vozes gravadas para determinado projeto poderão ser usadas futuramente pela empresa para treinar ferramentas de IA – o que, obviamente, eliminaria a necessidade de contratar aquele profissional novamente. "Quem faz serviços criativos tem que pensar nessas cláusulas, assim como quem vai contratar os serviços ter que deixar isso muito claro". 

Por fim, Belfort ainda sinalizou a importância de entendermos se as possíveis regras em torno do uso da inteligência artificial serão adotadas de forma global – caso contrário, geraria um problema de competitividade muito grande entre países de regulações mais flexíveis e restritivas. 

"Temos que discutir os pontos positivos para potencializá-los e os negativos para minimiza-los. Mas não existe voltar atrás em termos de tecnologia", finalizou. 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui