Diretora do coletivo Mais Mulheres, CEO da Barry Company defende mais dados sobre a presença feminina no audiovisual

Juliana Funaro, CEO e diretora executiva da divisão de entretenimento da Barry Company (Foto: Divulgação)

Na edição mais recente do Festival de Cannes, a Barry Company esteve presente com alguns projetos e fechou importantes acordos de coproduções internacionais. Além disso, a CEO e diretora executiva da divisão de entretenimento da produtora, Juliana Funaro, participou do Marché du Film, um dos mais importantes mercados do setor audiovisual do mundo, que ocorre durante o Festival. A convite do francês Collectif 50/50, um dos maiores coletivos femininos do mundo na questão da paridade de gênero no audiovisual, em parceria com La Fabrique des Cinemas du Monde, ela foi uma das painelistas da mesa "Paridade, igualdade, diversidade: iniciativas internacionais". Juliana, que é diretora do braço internacional do coletivo Mais Mulheres, também participou de um encontro exclusivo com a delegada-geral do Collectif 50/50, Fanny de Casimacker. 

"Cannes este ano foi para mim a edição mais importante da minha vida, porque eu estava lá representando as mulheres do audiovisual. Acho que a gente expande as produções brasileiras e a nossa presença toda vez que estamos em um painel desse tipo, com representantes de países como Estados Unidos, Inglaterra, Egito e França. Para mim pessoalmente foi incrível", contou Juliana em entrevista para TELA VIVA. 

O Mais Mulheres é um coletivo que nasceu depois do movimento MeToo e muito inspirado justamente nas ações e conquistas do Collectif 50/50. "Temos esse espelho. Ao longo dos anos, a gente promovendo inúmeras ações no Brasil com a presença de mulheres de outros lugares do mundo. Em relação à presença feminina no audiovisual, ainda temos um caminho extenso para percorrer. Não somente nós, mulheres brasileiras, e sim as mulheres do mundo. Existem coletivos que já trabalham há mais tempo, nos Estados Unidos por exemplo, já com ações muito efetivadas, inclusive com algumas garantias na regulatória desses países. Esse é o caminho", apontou a produtora. 

Ela citou o CNC – que é como se fosse a Ancine da França – e contou que já existe dentro dele uma política estabelecida de incentivo da paridade de gênero, que garante 15% de valor adicional em todas as produções que contam comprovadamente com o mínimo de 50% de mulheres. "Isso é um incentivo muito importante e demonstra uma compreensão da necessidade dessa igualdade. De equipararmos – ou pelo menos aproximarmos – a quantidade de mulheres dentro desses projetos", destacou. E lá, todo esse trabalho é feito a partir de uma rígida fiscalização: é necessário fazer, por exemplo, cursos anti-assédio e adotar políticas anti-assédio sexual e moral contra as mulheres. Caso contrário, o dinheiro aportado é devolvido na integralidade. 

Juliana Funaro participa da mesa "Paridade, igualdade, diversidade: iniciativas internacionais" no Marché du Film (Foto: Divulgação)

Capacitação, cargos de liderança e acesso a dados 

"Entendo que nós, brasileiras, conquistamos muita coisa de 2019 para cá", citou Juliana, se referindo ao ano em que o Mais Mulheres nasceu formalmente. O coletivo trouxe ao Brasil três seminários internacionais, que já receberam mulheres líderes da França, Estados Unidos, Suécia, Dinamarca, Espanha, Chile, México e Argentina. Em termos de advocacy, ela menciona ainda a participação em comissão setorial e articulação do setor com o governo local, uma parceria com a ONU Mulheres, em uma ação pioneira pela igualdade de gênero no audiovisual, e a participação do Mais Mulheres em eventos do audiovisual ao redor do mundo. 

"E a gente vem brigando pela capacitação dessas mulheres todas e trabalhando pela conscientização de que precisamos ter mulheres em cargos de liderança. Não adianta ter 500 mulheres trabalhando no audiovisual se todas estiverem em cargos baixos, com os cargos altos e os maiores salários sempre concentrados entre homens – que ainda é o que estamos vendo", enfatizou. E para ela, outro detalhe importantíssimo é a necessidade de números: "O que eu acho que podemos melhorar no Brasil para termos ações mais efetivas são os dados. Precisamos de mais. Se eu vejo uma grande diferença entre o Brasil e os outros países é que eles, em sua maioria, têm dados. Existe uma falsa impressão de que temos mais mulheres na liderança do audiovisual do que de fato a gente tem. Por isso buscamos, como o Mais Mulheres, um avanço na busca e no acesso aos dados". Outro ponto sensível é a garantia da existência de mulheres em cargos de liderança nos papéis criativos. "Senão, teremos uma narrativa masculina em histórias de mulheres para o resto da vida", disse. 

Garantias e fiscalização 

Juliana explicou que conversa com mulheres de coletivos de outros países e enxerga que os problemas enfrentados são os mesmos – como as persistentes práticas de assédio no meio e o fato de as mulheres ainda serem minoria nas equipes. "No entanto, a diferença é que em outros países existe uma garantia que ainda não alcançamos aqui, como a punição severa em casos de assédio. Não é que elas não passem por coisas assim, mas estamos muito mais avançadas no sentido de existir um controle maior e uma conscientização para além das mulheres. Aqui, essa ainda é uma luta nossa. A gente vê casos de assédio não sendo tratados com a devida responsabilidade e atenção. Tem que sair de um discurso bonito e da conscientização de poucos para uma efetividade. Precisamos de apoio, leis e fiscalização", defendeu. 

Internamente, na Barry Company, Juliana faz sua parte. "Como não temos tanto esse respaldo no setor como um todo, a nossa produtora tem todas as previsões contratuais de que não se tolerará assédio. Qualquer comprovação de assédio, a pessoa está automaticamente desligada. Temos tudo isso em contrato, no nosso guide line e manual de produção, que é um documento obrigatório anexado a todos os contratos e todos precisam ler antes de entrar em qualquer projeto. Ou seja, a gente vem, na prática, tentando conscientizar. Mas seria interessante que a gente tivesse também, de todas as entidades do setor, um apoio mais efetivo, para que virasse uma coisa automática e a gente não precisasse toda hora brigar por isso", declarou. 

Novo momento 

A produtora garantiu que o coletivo tem feito algumas pressões em relação a tudo isso e que enxerga um possível novo momento para a batalha. "Eu vejo a Ancine muito disposta a colaborar, mas também entendo que ela está com uma lista de prioridades e, às vezes, essas questões acabam não entrando na pauta. A gente teve uma lacuna muito grande e eles têm muita coisa para acertar. E de maneira geral, não acho que tenha que ser só a Ancine. Temos o Ministério da Cultura e as Secretarias. Afinal, isso não acontece só no audiovisual", observou. "Mas agora que temos uma Ministra mulher e uma Secretária do audiovisual também mulher, estamos com esperanças de existir um olhar mais atento. Até então, já vimos nossa importância tentando ser diminuída e tratada como 'mimimi. Lutamos justamente contra isso: a banalização do nosso discurso. Que ainda existe muito. É contra isso que devemos lutar, porque nosso discurso é muito importante", finalizou. 

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