A decisão do conselheiro Vicente Aquino de colocar em votação na Anatel o caso AT&T, que discute a questão das restrições à propriedade cruzada na legislação de TV paga no caso da operação de compra da Time Warner (hoje Warner Media), coincidiu com um outro movimento importante do mercado. Pela primeira vez, os grandes grupos de radiodifusão brasileiros, representados pela Abert e Abratel, se manifestaram sobre a possibilidade de revisão do artigo 5 da Lei do SeAC, e eles não se opunham, pelo menos até ontem, à derrubada do artigo. A manifestação foi feita no Senado, ao senador Arolde de Oliveira (PSD/RJ), que relata o PL 3.832/2019, e também ao Ministério da Economia, que está estudando o assunto e cogitou inclusive encaminhar ao Planalto a indicação de uma Medida Provisória para mudar a legislação de TV paga. O PL 3.832/2019, de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PP/GO), propõe o fim das restrições.
O artigo 5 da Lei 12.485/2011 é o artigo que impede empresas de telecomunicações de produzirem conteúdos de TV paga e também restringe as produtoras de conteúdo (como as empresas de radiodifusão) de serem empresas de telecomunicações. É este artigo que limita a operação de compra da Time Warner, no entendimento da análise técnica da Anatel.
Mas a concordância das emissoras de radiodifusão com a revisão desta cláusula da Lei do SeAC vem acompanhada de outras condições importantes na revisão da legislação da TV por assinatura. Inicialmente, os radiodifusores querem de maneira unânime que os serviços prestados pela Internet não sejam, em nenhuma condição, enquadrados como Serviço de Acesso Condicionado, que é o termo técnico para a outorga de TV por assinatura. Ao contrário, propõem que a lei deixe claro que estes serviços prestados pela Internet são Serviço de Valor Adicionado, não regulados. Com isso, as empresas de conteúdo poderiam oferecer seus canais, mesmo os lineares, diretamente ao assinante no modelo OTT, pela Internet, mediante assinatura.
Radiodifusores como programadores independentes
Outra condição colocada pelos radiodifusores e que conta com a concordância das duas principais associações, segundo apurou este noticiário, é a revisão do conceito de programadora independente. Pela mudança sugerida, os radiodifusores, não estando ligados a empresas de distribuição, poderiam ser classificados como programadoras independentes. Essa mudança é importante por duas razões: possibilidade de uso dos canais destes grupos no cumprimento de cotas e, principalmente, acesso a recursos públicos de produção (como o FSA) sem a necessidade de abrir mão da titularidade e direitos sobre as as obras produzidas.
A partir daí, as sugestões colocadas pelos radiodifusores tanto ao senador Arolde de Oliveira quanto ao ministério da Economia divergem, segundo apurou este noticiário. No caso da Globo, a emissora quer a preservação do artigo 6, que impede empresas de telecomunicações de adquirirem direitos sobre talentos ou eventos de interesse nacional, pelo menos na TV aberta.
Regulação concorrencial
Já SBT e Record sugerem a mudança no artigo 8, dando especificamente à Anatel a responsabilidade de regular concorrencialmente a relação entre distribuidoras e programadoras, para evitar condições abusivas de mercado. SBT e Record, ao lado da Rede TV, são sócias na Simba, programadora que cuida da distribuição dos sinais destas emissoras para operadoras de TV paga. Há muitos anos estes grupos se queixam das dificuldades de acesso ao line-up das operadoras, seja por questões comerciais impostas pelas teles, seja pelas limitações ainda existentes em antigos acordos de acionistas que a Globo manteve com Claro e Sky (das quais foi controladora até 2011 e, depois da Lei do SeAC, passou a deter apenas um pequeno percentual de capital e algumas prerrogativas na escolha da programação). Em essência, o que SBT e Record buscam é uma forma de fazer a Anatel regular as relações de programação como faz com a regulação dos insumos de atacado para outros serviços de telecom, com a imposição de condições e mesmo arbitragem de valores quando houver distorções concorrenciais de mercado. As emissoras argumentam que há muitos anos (desde 2015), tanto Ancine quanto Anatel já diagnosticaram problemas concorrenciais no mercado de TV paga, mas nunca agiram para remediar estas distorções.
Análise
O avanço da discussão sobre a legislação de TV por assinatura está intimamente ligado ao resultado da análise que o conselho diretor da Anatel fará nesta quinta, 22, sobre o caso da AT&T. O voto do conselheiro Vicente Aquino, que surpreendeu os demais membros do conselho, indicou a possibilidade de aprovação da compra da Time Warner pela AT&T, apesar das restrições da Lei do SeAC e das manifestações técnicas e jurídicas da agência. A Anatel inclusive já havia se manifestado ao Congresso, especificamente ao senador Vanderlan, sobre a oportunidade de uma revisão da legislação de TV paga, justamente por estas restrições. O fato novo trazido por Vicente Aquino foi a MP da Liberdade Econômica (MP 881/2019) aprovada esta semana pelo Senado, que daria margem para uma interpretação mais flexível da lei. Caso os demais conselheiros sigam Aquino e a operação seja aprovada, o principal fato provocador de uma revisão da lei do SeAc deixaria de existir. Mas já não é tão certo que os demais conselheiros seguirão Vicente, e o assunto deve aguardar mais algumas semanas, pois certamente haverá pedido de vistas.