O último painel deste primeiro dia de PAY-TV Fórum, evento organizado pelas publicações TELA VIVA e TELETIME, teve o conteúdo como tema principal. A ideia da mesa era debater quais os conteúdos e formatos que fazem mais sentido aos novos consumidores da TV linear e como os conteúdos mais tradicionais – como novelas, notícias e eventos esportivos – também estão mudando a cara do streaming.
Para essa discussão, é importante partir do fato de que, hoje, grande parte das empresas de mídia são multiplataformas – a Warner Bros. Discovery, por exemplo, é um mega ecossistema, que inclui canais de TV por assinatura, plataformas de streaming, cinema e eventos, entre outras janelas. Por isso, sua estratégia passa essencialmente por montar uma oferta de conteúdo robusta e diversificada que atenda a diferentes públicos em diferentes plataformas. As demandas dos canais lineares – que seguem relevantes, ainda que o número de assinantes da Pay TV esteja em queda – são complementadas pelo streaming e todas essas outras unidades de negócio. "A estratégia é se retroalimentar dentro desse ecossistema", definiu Monica Pimentel, VP de Conteúdo Brasil da WBD.
A executiva ressaltou que o grupo busca olhar para a necessidade que cada janela tem – mas sabendo que muitos projetos da TV migram para a plataforma, por exemplo. Alguns lançamentos inclusive são feitos simultaneamente. "A plataforma é um meio de cauda longa, então você pode reunir todos os conteúdos lá. Alguns são mais estratégicos por questões de marketing, enquanto outros, de nichos ou segmentos mais específicos, ganham mais promoção no linear e menos na plataforma – sempre pensando na otimização dos conteúdos", detalhou. "Também trabalhamos com parceiros externos, como Bandeirantes, Record e SBT, com formatos de sucesso – como o 'MasterChef', que funciona em todas as plataformas, como TV aberta, Pay TV, YouTube e streaming. Quando o conteúdo é bom e tem uma proposta clara, ele cria força para transcender a plataforma. E é isso que esperamos de um conteúdo: que ele possa viajar entre plataformas e também por outros territórios. Nossa estratégia é otimizar o conteúdo e distribui-lo de forma inteligente, respeitando, é claro, o consumidor de cada plataforma", concluiu.
A Globo também passa por esse caminho similar de entender o consumidor, que é o centro das decisões de negócio. Como o grupo também conta com um ecossistema forte de janelas e plataformas, é possível apostar na complementaridade de públicos. Por exemplo: 57% do público de Pay TV da Globo hoje é formado por pessoas acima dos 50 anos. Já no Globoplay, 66% é da faixa 25-49. "Olhando como ecossistema, entendemos a potência da complementaridade de público. O desafio é justamente olhar para a produção de conteúdo e desenvolver novos produtos entendendo as linguagens específicas e os desafios de negócio de cada plataforma. Não é simples, mas é possível", afirmou Patrícia Koslinski, head de conteúdo de variedades da Globo. Nesse sentido, a executiva falou também das possibilidades de co-financiamento interno, uma vez que são muitas marcas dentro de um mesmo ecossistema. Como exemplo, ela citou o 'Vai Que Cola', projeto que nasceu no Multishow, teve uma trajetória na Pay TV, foi para a TV aberta no horário nobre e também tem consumo expressivo no Globoplay.
"Para aumentar o inventário comercial e melhorar a experiência do consumidor, o caminho é prospectar com parceiros do mercado independente projetos que possamos disponibilizar nas diferentes plataformas – cada uma tem seu potencial, e não nos colocamos como reféns delas", completou Patrícia.
Outras estratégias
A Newco, por sua vez, é mais direcionada a canais pagos e serviços de nicho, e tem investido inclusive no mercado FAST – o que tem se mostrado uma boa experiência. "Pela primeira vez, estou tendo a audiência real na minha mão, e nesses dez dias de serviço me surpreendi com o número de pessoas que assistem – é bem diferente quando comparo com o Ibope. Isso ajuda na construção desse mercado. Com o FAST, nos preocupamos em entregar um produto de qualidade e, para isso, temos que tomar cuidado com a curadoria. O produto tem que ser bom, mas não tão bom a ponto de destruir aquilo que eu entrego no pago. A partir do momento que tenho na mão esse acompanhamento da audiência, posso decidir o que vou tirar ou deixar no FAST e o que eu vou impulsionar no pago", ressaltou Marcello Zeni, diretor de distribuição da Newco/Band.
A Stenna se posiciona de forma um pouco diferente nesse meio. Hoje, a empresa tem canais proprietários e também opera de ponta a ponta canais de terceiros. "Tentamos levar o conteúdo em todas as telas hoje, de forma a rentabilizar da melhor forma. Entregamos um canal com qualidade de forma gratuita para o operador porque estamos pensando em outras formas de rentabilidade – direitos autorais, publicidade, licenciamento, disponibilizando no FAST quando faz sentido. Na contramão das programadoras grandes e de outros players que têm sentido muito a queda de base de assinantes da Pay TV, estamos crescendo bastante", revelou Maurício Alvarenga, COO da Stenna.
O melhor conteúdo para cada janela
Alvarenga ressaltou que o conteúdo segue sendo rei – na opinião do executivo, quem tiver conteúdo de qualidade com preço acessível e disponível para o assinante onde ele estiver acaba tendo uma vantagem. Nesse sentido, ele avaliou que alguns conteúdos performam melhor no streaming do que no linear tradicional. Filmes e séries, por exemplo, vão bem nas plataformas. Por outro lado, notícias, infantil e esporte como um todo ainda entregam uma experiência melhor para o telespectador dentro da TV tradicional linear.
Patrícia, da Globo, complementou: "O ao vivo de futebol e notícias registra um consumo altíssimo no linear. Mas música e diálogo também são territórios fortes na Pay TV. Shows e grandes eventos, por exemplo, têm 30% a mais de audiência quando são exibidos ao vivo. É a força da música como território complementar. E em relação aos conteúdo de diálogo, a experiência na Pay TV é boa porque podemos usar muito da reverberação e dos comentários nas redes sociais. Você entende o consumo e a performance por meio das redes para além dos dados quantitativos de Ibope". E pensando no streaming, Patrícia afirmou que a "dramaturgia é a rainha da plataforma" – e no caso da Globo, inclusive as novelas da TV aberta performam bem no Globoplay. Aí, entra também o reality: "Hoje olhamos para esses formatos de reality pensando em como construir propriedades que sejam atrativas nos dois lugares – linear e streaming. A dramaturgia já está bem estabelecida; o reality é a grande aposta. Tem esse potencial de performar bem em diferentes janelas".
A experiência da WBD também identifica que um dos pontos altos do linear é o futebol, apesar das transmissões também irem bem no streaming do grupo. Já a grande aposta está nas novelas – lançado há pouco tempo, o canal TNT Novelas registrou um crescimento de audiência de 126% em um mês. "O que não só traz orgulho, como também aponta que estamos no caminho certo mesmo em teoria indo contra a corrente. É um meio que tem oportunidade ainda", ressaltou. "E também sentimos a força do reality nos canais da Pay TV atingindo agora outras janelas. Mas tudo começa com uma boa história, antes de falarmos em plataformas", acrescentou.
Direitos de transmissão
"Estamos vivendo uma disputa de direitos cada vez mais acirrada, que inflaciona não só os eventos esportivos, mas também as séries e a produção de conteúdo como um todo. A WBD vai continuar investindo em esportes, filmes e séries – mas não a qualquer custo, e sim um custo que faça sentido para o business", definiu Monica.
Nesse sentido, Zeni trouxe uma questão importante à tona: a fidelização do cliente. Ele explicou: "Quando você adquire o direito de uma UEFA Champions League, por exemplo, o cliente é fiel ao campeonato, mas não necessariamente ao seu serviço. Então é fundamental ter no catálogo um conteúdo que ele também goste para que ele não vá embora no dia que você não tiver mais esse direito. Vai chegar uma hora que esses direitos vão ficar para poucos ou, então, vamos ver o conceito da entrega dos direitos mudar. Os clientes não estão dispostos a pagar por todas as plataformas. Eu, como nicho, não tenho fôlego para brigar por esses direitos. Se eu comercializar junto com o que a Warner faz, por exemplo, aí a gente consegue achar um modelo. Ninguém consegue entregar tudo. Acredito que estamos caminhando para um hub que encontre essa facilidade, em um modelo parecido com o que era a Pay TV, mas de plataformas".