Regulação do streaming garantiria princípios básicos para a cadeia audiovisual como um todo

(Foto: Reprodução YouTube)

O último "Tela Viva em Foco" do ano, programa do canal do YouTube da TELA VIVA, reuniu conselheiros do 9º CBCa – Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual para fazer um balanço do evento e das conclusões alcançadas. Após o encontro, as entidades participantes divulgaram uma carta aberta com alguns dos pontos principais abordados, sendo a regulação do VOD o principal deles. "A atuação política do mercado hegemônico, que pretende ocupar 100% do mercado brasileiro com conteúdos estrangeiros, os lobbies da poderosa indústria que atua globalmente desarticulando a proteção de mercados nacionais mundo afora, vêm atuando fortemente no nosso parlamento", diz trecho do texto.

"São vários pontos quando falamos em regulação de streaming – mas isso, na verdade, abarca toda a cadeia audiovisual. O streaming está baseado fundamentalmente em dois aspectos: a garantia da presença do audiovisual nas telas e a subvenção, isto é, o financiamento à atividade audiovisual. Isso se aplica também ao cinema em salas e aos conteúdos na TV por assinatura. É um princípio válido para todos os segmentos, mundialmente", ressaltou André Klotzel, diretor e produtor de cinema. Klotzel enfatizou que a regulação já foi adotada por diversos territórios mundo afora, e que ao discutir VOD, discute-se todo esse arcabouço. "Dentro do capitalismo, o audiovisual só sobrevive dessa forma, com esses princípios mantidos. É o preceito mundial", completou. 

Marilha Naccari, diretora do FAM, presidente da Panvision e produtora cultural, trouxe à tona o fato de que, embora plataformas estrangeiras produzam no Brasil, com talentos e criação brasileira, o que elas fazem não são produções genuinamente brasileiras, uma vez que a propriedade intelectual não fica de posse do Brasil. "Às vezes, elas nem necessariamente contam as nossas histórias, só aconteceram no nosso cenário por existiu aqui a busca por um mercado, complementação de lei, uso de verbas de incentivo de isenção para fazer produções das plataformas… Quando discutimos a forma de produzir audiovisual nacional, estamos falando desse capital intelectual manter-se aqui, mas também da nossa propagação cultural e identitária. Temos que nos ressaltar enquanto identidade e patrimônio cultural", defendeu. "Quando o direito patrimonial se mantém no país, significa que esse produto vai continuar gerando riquezas por mais gerações, e por mais do que uma janela, um momento de exposição. O que é muito importante para todos os profissionais do audiovisual", acrescentou. 

Naccari também pontuou que uma das preocupações que as instituições que trabalham por direitos autorais carregam está relacionada aos contratos abusivos de plataformas e grandes estúdios, nos quais abre-se mão dos direitos de receber remuneração por uma exploração futura – inclusive de produtos em espaços que ainda nem foram inventados: "Quem assinou um contrato dez, 20 anos atrás, não recebe pelo streaming. E isso se reverbera também para o futuro. Vamos deixar de receber por aquilo que a gente já produziu e o que viríamos a produzir não seria mais nosso". 

É importante lembrar que as plataformas foram fundamentais para a sobrevivência de diversas produtoras audiovisuais durante o último governo, período marcado ainda pela pandemia de Covid-19. Jorge Peregrino, diretor do SICAV e membro do conselho da Academia Brasileira de Cinema, avaliou: "O fechamento das fontes de financiamento do governo anterior coincidiu com a entrada das plataformas de maneira mais pesada no modelo de produções de originais – ficamos sem as propriedades brasileiras, mas, ao mesmo tempo, temos que reconhecer que as plataformas, quando entraram, mesmo não sendo num modelo ideal, deram condições de muitas produtoras sobreviverem durante os anos de trevas. Agora, o debate foi para outra posição. A regulamentação do VOD deve olhar pra frente, e prever inclui-se a questão da propriedade patrimonial e intelectual das obras brasileiras, que é fundamental. O tripé hoje deve ser composto por cotas de tela – em quaisquer plataformas que existam – propriedade intelectual, que é o único ativo que os produtores têm, e segurança jurídica para poder operar". Klotzel, por sua vez, reforçou: "O CBCa veio discutir a produção independente brasileira, e não essa prestação de serviço para as plataformas". 

Rojer Madruga, produtor de cinema, diretor da APBA-CO e diretor-presidente do 9º CBCa, avaliou que o Brasil "comeu mosca" nesses últimos anos, isto é, já demorou muito para sair essa regulamentação: "Desde 2017 tentamos regulamentar. Esperamos que agora, em 2024, seja esse ponto de virada do cinema nacional. Se emplacarmos essa regulação – que já existe no mundo todo, não estaríamos inventando a roda – teríamos toda a possibilidade de ocupar espaços que, hoje, não estamos ocupando. Temos otimismo para o próximo ano, mas teremos muito trabalho. A situação não está boa no Congresso. A lei que passou, com o parecer do Eduardo Gomes, não foi favorável ao nosso setor". 

Retomada da cota de tela 

O debate com os conselheiros aconteceu na semana em que a cota de tela para o conteúdo brasileiro nas salas de cinema foi aprovada até 2033. O tema também havia sido pauta no 9º CBCa. Para Peregrino, o texto do projeto aprovado é melhor do que aquele que existia antes. "O texto agora, além de determinar o retorno da cota, determina uma justiça maior no tratamento do filme brasileiro dentro do mercado. O projeto abre a possibilidade de regular o número de telas que um mesmo filme pode ocupar e o tempo de permanência do filme brasileiro em cartaz – desde que atinja certos patamares de renda e de público, que é o que já existia anteriormente e foi extinto. A expectativa é que o mercado, agora, pelo menos no que se refere a cinema, seja mais realista e mais justo com o filme brasileiro, especialmente como forma de enfrentar o cinema americano, que chega e às vezes ocupa 80% das salas. O que não é justo para ninguém. O projeto aprovado é muito eficiente, mas temos de ficar de olho em como será feito, se será através de decreto ou IN". 

Assista ao programa na íntegra no canal da TELA VIVA no YouTube ou confira abaixo: 

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