Brasil caminha para ampliar investimentos em preservação e difusão audiovisual  

Maria Dora Mourão, Diretora Geral da Cinemateca Brasileira (Foto: Divulgação FAM)

No último sábado, dia 23 de setembro, a mesa "Preservação Audiovisual no Mercosul" foi destaque na programação do ECM+Lab, braço de mercado do Festival FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul. Joelma Gonzaga, Secretária do Audiovisual do MinC, abriu o painel e contou que, quando foi chamada pela Ministra Margareth Menezes para assumir o audiovisual, a preservação foi um dos primeiros temas pautados, com o intuito de fomentar políticas públicas para que a preservação e a formação também sejam pilares importantes do audiovisual nacional assim como é a produção, a distribuição e a exibição. 

Joelma celebrou que, pela primeira vez, a SAV tem uma Diretoria de Preservação e Difusão, que é liderada por Daniela Fernandes e André Ricardo. As ações nesse sentido já começaram: o contrato da Cinemateca Brasileira foi suplementado com o valor de R$ 24 milhões e, a partir de um encontro de arquivos e acervos em Ouro Preto – MG, surgiu uma proposição de estruturar uma rede nacional para cuidar justamente desses arquivos. "Queremos seguir com esse debate e materializar uma política integrada entre os países para garantir a preservação audiovisual a nível Mercosul de forma contínua, para que isso não saia do debate e da agenda da política pública", declarou a Secretária. 

Maria Dora Mourão, Diretora Geral da Cinemateca Brasileira, ressaltou que nunca houve no Brasil uma política que permitisse a continuidade dos projetos de preservação audiovisual, principalmente com foco em restauro. A diretora aproveitou a ocasião para relembrar a história da Cinemateca, que ela definiu como "cheia de altos e baixos", uma vez que "os 76 anos de existência dela foram 76 anos de luta para que a sociedade civil, os políticos e o poder público entendessem a importância de preservar". Ela prosseguiu: "A sociedade civil, e até mesmo os cineastas, não se preocupam com a preservação da memória. Há uma preocupação muito maior com a produção do que com a preservação de seus próprios filmes". 

Nessa trajetória, Maria Dora ainda destacou a criação da Sociedade Amigos da Cinemateca, em 1962, para apoiar ações através de arrecadação de fundos, e o período de 2008-2012, quando o Governo Federal aportou recursos significativos para projetos de restauração, documentação, treinamento, compra e instalação de equipamentos e formação de técnicos especializados, entre outras finalidades. No entanto, a partir de 2013, começou uma grande crise que levou a Cinemateca a enfrentar um de seus piores momentos. Por razões políticas, o desenvolvimento foi interrompido. Com a crise, houve uma redução drástica de técnicos especializados. Em março de 2018, o Governo contratou uma organização social vinculada ao Ministério da Educação para administrar a Cinemateca, o que "foi um desastre", segundo a diretora. Esse contrato encerrou em dezembro de 2019 e a Cinemateca entrou aí em uma crise sem precedentes, que culminou no seu total fechamento de agosto de 2020 até novembro de 2021. "Foi algo impensável, considerando que a Cinemateca tem um acervo vivo", pontuou Maria Dora. Todo o período de fechamento da Cinemateca foi marcado por uma constante luta pela sua reabertura, que contou com uma pressão por parte de cineastas, pesquisadores, associações e professores, entre outros grupos.

Em 2021, a SAC entrou na Cinemateca, ainda com um número bastante reduzido de colaboradores, 20 – a título de comparação, hoje são 100. Houve um plano emergencial de três meses, que envolveu um processo de diagnóstico do acervo e de infraestrutura de equipamentos e predial, até que a SAC foi qualificada como organização social e assinou o contrato de gestão. Parte dos recursos da retomada vieram do próprio governo, e a complementação foi captada. Na mudança de Governo, um reajuste do valor base possibilitou que as ações fossem melhor estruturadas. 

Contexto atual e perspectivas de futuro 

A diretora ressaltou que a Cinemateca Brasileira é responsável por uma das maiores coleções audiovisuais da América do Sul – são 250 mil rolos de filme, que representam cerca de 45 mil títulos, além de um milhão de documentos. No Brasil, todo filme produzido com dinheiro público precisa necessariamente enviar uma cópia para a Cinemateca – por isso ela tem um acervo tão dinâmico. "É uma infraestrutura que demanda investimentos contínuos", enfatizou. 

Maria Dora disse que é fundamental que haja um modelo que permita a continuidade das ações – ou seja, uma política de Estado, e não de Governo, que pode acabar dependendo de quem for eleito. Ela celebrou que a chegada do Governo atual permitiu que a Cinemateca vislumbrasse novos horizontes, tendo como sinal mais extraordinário para essa esperança a criação da Diretoria de Preservação junto à Secretaria do Audiovisual. "Já podemos trabalhar na atualização tecnológica de equipamentos, contratação de novos técnicos, ações de difusão, programações que apresentem recortes de filmografia brasileira e estrangeira… Tudo isso impulsionado em parceria com a classe e as associações. De janeiro até agora, recebemos quase 48 mil espectadores – e uma frequência expressiva de jovens, o que é fundamental, pois estamos falando de formação de plateia. Com entrada gratuita, estamos mais lotados do que as salas comerciais, que ainda estão sofrendo muito", mencionou. 

Cenário Mercosul 

O painel também contou com a participação de Hugo Gamarra, da Fundação Cinemateca do Paraguai; de Laura Mariel Balás Rivas, do Laboratório de Preservação Audiovisual da Universidade da República do Uruguai; e de Mariana Emilse Avramo, do Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais – INCAA, que participou por meio de vídeo. 

No Uruguai, Mariel atua no Laboratório que tem como principal função elaborar e desenvolver políticas públicas relacionadas à preservação e difusão do patrimônio audiovisual uruguaio. Entre os objetivos, estão expor as problemáticas inerentes à preservação, conservação, identificação, contextualização e catalogação desse patrimônio; resgatar as obras em perigo de desaparecimento; digitalizar esse acervo para sua difusão e conservação; criar processos de diagnóstico das coleções; e liderar processos de conservação digital tanto dos arquivos quanto das políticas de conservação de produções atuais. 

Gamarra, do Paraguai, afirmou que cinema é memória, e que sem memória, não há identidade: "Se não sabemos de onde viemos, não existimos. Isso vale para pessoas, famílias, coletivos, nações. Preservar os filmes é uma das formas mais difíceis de fazer cinema. E olhar para o passado, no mundo de hoje, de tanta inovação e novidade, nunca é prioridade". Ele acrescentou que não se trata só de preservar, mas também de difundir: "Caso contrário, não há sentido cultural e social para fazermos o que fazemos. A sociedade precisa se apropriar desse material e, no âmbito do Mercosul, temos que trabalhar na formação de público". 

Por fim, o paraguaio sugeriu ações para incentivar a produção criativa feita com materiais de arquivos – criando, por exemplo, um Prêmio RECAM de Curtas produzidos usando esses materiais – e também investimentos em assessoramento para quem quer usar esses filmes, auxiliando onde encontrá-los, como usá-los e creditá-los. 

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