As Film Commissions e os mecanismos de cash rebate foram tema de painel no ECM+Lab, braço de mercado do Festival FAM – Florianópolis Audiovisual Mercosul, na manhã do último domingo, dia 24 de setembro. Daniel Celli, Coordenador da Rio Film Commission, que também já atuou em São Paulo, onde ajudou na implementação da São Paulo Film Commission, abriu sua fala dizendo que continuidade é uma das coisas mais difíceis quando se trata de políticas públicas, por isso é bom ver que as film commissions do Brasil estão andando, e destacando que elas geram uma concorrência saudável entre cidades. "Film commission não é um assunto novo – no mundo, já se fala disso há mais de 60 anos. No Brasil, ainda é incipiente. Mas estamos caminhando, já alguns passos mais pra frente do que estávamos nos últimos anos", pontuou.
O coordenador explicou: "Film commission torna a localidade film friendly, isto é, mais atrativa para as produções por meio de maneiras diversas. Falamos muito sobre a importância do mecanismo de cash rebate, mas há outras coisas além dele, como infraestrutura de produção, empresas e profissionais qualificados, empresas produtoras que consigam prestar serviços de produção quando necessário, entre outros fatores. Não é só o dinheiro. Agora que estamos trabalhando com cash rebate no Rio, temos feito muitas reuniões com players e produtoras internacionais e já ouvimos deles relatos de más experiências em locais que oferecem bons cash rebates, mas não têm um bom atendimento".
Celli contou que, em São Paulo, uma das principais ações foi tornar o processo de filmar na cidade menos burocrático, enxugando processos. Já no Rio, o trabalho passou primeiramente por criar um canal para facilitar o caminho para quem queria filmar na cidade. "São coisas complementares ao cash rebate", ressaltou. Ele lembrou ainda que, em São Paulo, o "empurrãozinho" necessário para a implementação do cash rebate foi uma série internacional com o ator Keanu Reeves, rodada na cidade por cinco semanas, que causou um impacto econômico positivo e gerou postos de trabalho. Com isso, o prefeito da época perguntou como fazer para atrair mais filmagens – e a partir daí veio a primeira experiência da cidade com o cash rebate, que teve esse aporte inicial vindo da pasta de turismo.
"O Rio de Janeiro já é um grande destino das produções audiovisuais. O desafio era tornar esse destino ainda mais atrativo. Não basta só ser o Rio de Janeiro. Tem que ser mais competitivo. Não é à toa que, nos Estados Unidos, cada estado tem seu mecanismo econômico de atração de produções. As grandes empresas buscam as melhores condições, então olham para o mundo como um todo. Tem até profissionais especializados em caçar esses incentivos internacionalmente. Quando a gente implementa cash rebate numa cidade, mostramos para o mundo que estamos disponíveis e que somos competitivos", afirmou.
O Rio está atualmente na segunda edição do cash rebate. O primeiro ciclo, no ano passado, teve êxito. Foram 15 milhões de reais investidos e 62 milhões atraídos, garantindo um investimento da ordem de 87 milhões na cidade. Com o mecanismo, foram autorizados dez projetos. Neste ano, o investimento foi de R$ 12 milhões. "É importante dizer que, além do cash rebate, você tem que garantir os outros editais para as produções internas, que também demandam incentivos. Neste ano, lançamos R$ 64 milhões em editais, sendo R$ 12 milhões para o cash rebate", considerou Celli. "E o setor tem que 'ficar em cima' para garantir a continuidade desses mecanismos, para que seja possível construir um histórico e que a gente de fato veja resultados. Esse boca a boca das produções é muito importante – quem ver filmar e tem uma boa experiência, que recebe um bom atendimento e também em relação a questões contratuais e jurídicas, provavelmente vai voltar", completou.
O especialista ressaltou que o cash rebate não vale só para produções de fora, uma vez que também interessa para a cidade atrair produções de outros estados do Brasil. No Rio, por exemplo, são duas linhas separadas: uma para produções internacionais e outra para as nacionais, com valores diferentes. "O principal critério no Rio de Janeiro é o impacto socioeconômico que a produção vai ter na cidade. Nem precisa necessariamente mostrar o Rio – é gastar na cidade, empregar pessoas", definiu.
Análise do Sul do Brasil
Vinicius de Lucca, do IFSC (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina), também participou do painel e relembrou que, em março de 2020, foi criada formalmente, via legislação, a Floripa Film Commission. "Somos uma ilha, então qualquer via que você fecha, complica alguma coisa. Por isso foi um processo de convencimento interno com muitas reuniões, buscando também gestores do estado e Governo Federal. Vencemos essas etapas e participamos da criação do branding – que ainda não foi lançado – e da elaboração do catálogo. Agora, temos discutido essa retomada e implantação do cash rebate aqui. Precisamos caminhar com essas coisas, e estamos conversando com secretários da prefeitura sobre esse assunto. Voltamos algumas casas, mas agora temos condições de avançar", apontou. "O caminho é entregar as coisas 'mastigadas' para o gestor público. Explicar que tem que fazer catálogo, investir determinado valor, trabalhar na capacitação, implantar cash rebate. Senão, teremos somente produções vindo de forma orgânica. O que é bom, claro, mas precisamos mais do que isso. E de políticas públicas que não sejam voo de galinha, isto é, lançar uma vez e depois não ter mais. Os recursos devem estar previstos na lei", defendeu.
João Roni, do Santacine, complementou: "É um raciocínio lógico. Provar para as autoridades que o dinheiro é um investimento, que entra para alavancar mais dinheiro. Sou quase um militante dessa história. Precisamos de estrutura local e cash rebate – sem ele, não funciona, porque o mundo inteiro está oferecendo. É a condição para que a gente se torne um destino cinematográfico importante e que toda a cadeia se beneficie da chegada dessas produções".
Experiência argentina
Rafael da Bouza é da Buenos Aires Film Commission e contou na mesa as experiências da cidade com o cash rebate – que é recente, lançado em janeiro deste ano. "O audiovisual é estratégico para o desenvolvimento da cidade como um todo, em volume de negócios e geração de empregos. Toda a cadeia de produção de serviços é impulsionada com o audiovisual – turismo, transporte, gastronomia. E é difícil ser uma locação atrativa sem cash rebate. Este ano, lançamos nossa primeira convocatória e já estamos sentindo os resultados. Investimos 4 milhões de dólares e já atraímos 20 milhões, com a produção de 12 projetos. O limite de desembolso do cash rebate é 250 mil dólares, então provavelmente a maioria das produções gastaram cinco vezes isso. Já sentimos o impacto em cadeias vinculadas e ainda vamos sentir um impacto futuro", celebrou.